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CÓDIGOS GEOMÉTRICOS

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 117-120)

II DA MAQUETA COMO REPRESENTAÇÃO

CÓDIGOS GEOMÉTRICOS

Mas continuam por precisar os códigos que permitem vincular uma maqueta a um objecto arquitectónico. Importará observar aquilo que se passa com o desenho de arquitectura. Também esse desenho deverá deter códigos mais uniformizados e de adopção mais ampla sob códigos de carácter mais pessoal.

“Um tipo de desenho estrutura uma vista e, dessa forma, o meio de a representar. [...] Cada tipo incorpora um conjunto de convenções que organiza a informação requerida para fazer a representação” 131 (Fraser e Henmi, 1994: 23). Os principais tipos de desenho de arquitectura serão as projecções ortogonais, as axonometrias e as perspectivas (Fraser e Henmi, 1994), assentando cada um num sistema preciso de convenções. “Por ‘convenção de desenho arquitectónico’ entendo o sinal – por norma

129 Tradução do autor. No original: “le tort d'établir une opposition trop forte entre l’ « analogique » et le

« codé », au point de suggérer parfois que l'analogique, de plein droit, tout code” (Metz, 1970: 3).

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Tradução do autor. No original: “L'analogique et le codé ne s'opposent pas de façon simple” (Metz, 1970: 3).

131 Tradução do autor. No original: “A drawing type structures a view and thereby the means of

representing it. […] Each type embodies a set of conventions that organizes the information required to make the representation” (Fraser e Henmi, 1994: 23).

feito sobre uma superfície bidimensional – que traduz para forma gráfica um aspecto (e.g.: a planta ou o alçado) de um projecto ou de um edifício existente” 132 (Ackerman, 2002: 294). Tratam-se, pois, de códigos geométricos, radicando-se nessa condição a sua valia para o trabalho do arquitecto. “A razão pela qual tais códigos se tornam tão importantes é que esse trabalho dos volumes ou dos vazios é realizado habitualmente através de uma transposição abstracta da realidade percepcionada, para códigos geométricos bidimensionais” (Rodrigues, A., 2000: 99). Na prática, a distinção entre tipos de desenho poderá por vezes surgir diluída, como diluído poderá por vezes surgir também o rigor com que são cumpridos os códigos, desde logo os geométricos, que lhes subjazem – a comparação entre, por exemplo, um esquisso elaborado numa fase inicial de um projecto e um desenho final cotado comprova-o.

A importância da natureza geométrica dos códigos do desenho não pode contudo ser compreendida à margem da importância da geometria no trabalho do arquitecto. A geometria permeia-o, já que está imbricada com a própria definição do espaço arquitectónico. Ao viabilizar a transcrição da realidade para o desenho, a geometria surge como “uma geometria do “projecto arquitectónico”, na qual a palavra projecto se reveste do duplo significado de invenção-projectação e de operação gráfica para a construção-comunicação da própria invenção” 133 (Quaroni, 1987: 134). Assim, a par de instrumento do desenho, “[a] geometria é, pois, [também] o instrumento com o qual delimitamos, cortamos, precisamos e formamos o espaço, que [...] é o material base da arquitectura” 134 (Quaroni, 1987: 134). Mas não só – a noção de ‘definição’ é aqui convocada em simultâneo quer como acção de definir, quer como o seu resultado (Machado, 1991, vol. II: 359). Assim, a geometria é também “um sistema de formas

reais que resultam dos espaços e das restantes configurações comunicantes e

significantes do edifício construído; formas dotadas de particulares significados simbólicos e psicológicos” 135 (Quaroni, 1987: 139). E se esses sistemas de formas

reais tenderão porventura a ser tomados mais como coincidindo com um invólucro

132 Tradução do autor. No original: “By “a convention of architectural drawing” I mean the sign – made

normally on a two-dimensional surface – that translates into graphic form an aspect (e.g., the plan or elevation) of an architectural design or of an existing building” (Ackerman, 2002: 294).

133 Tradução do autor. No original: “una geometría del “diseño arquitectónico”, en la que la palabra diseño

reviste el doble significado de invención-proyectación y de operación gráfica para la construcción- comunicación de la propia invención” (Quaroni, 1987: 134).

134 Tradução do autor. No original: “La geometría es pues el instrumento con el que delimitamos,

cortamos, precisamos y formamos el espacio, que […] es el material de base de la arquitectura” (Quaroni, 1987: 134).

135 Tradução do autor. No original: “un sistema de formas reales que resultan de los espacio y de las

restantes configuraciones comunicantes y significantes del edificio construido; formas dotadas de particulares significados simbólicos y psicológicos” (Quaroni, 1987: 139).

edificado que define sucessivos níveis de interioridade, deve contudo reconhecer-se que, ao resultarem das configurações do edifício, como refere Quaroni (1987: 139), esses sistemas terão em si inscrito o duplo significado que Arnheim atribui à noção de ‘configuração’: “em se tratando de “configuração” referimo-nos a duas propriedades completamente diferentes dos objetos visuais: (1) os limites reais que o artista produz: as linhas, as massas, os volumes e (2) o esqueleto estrutural que essas formas materiais criam na percepção, mas que raramente coincide com elas” (Arnheim, 1994: 84) – Arnheim formula esta observação depois de distinguir os elementos que serão apreendidos ao se contornar um conjunto edificado de planimetria cruciforme dos dois eixos ortogonais que estruturam essa planimetria. Assim, ao se plasmarem nesses sistemas de formas reais aqueles significados, a geometria confere ao espaço uma ordem e, portanto, a possibilidade de este se constituir como uma formulação

significativa. A geometria codifica-o. “Se a arquitetura é a arte da articulação dos

espaços [...], então a codificação da articulação dos espaços poderia ser a que Euclides expõe na sua Geometria” (Eco, 1997: 218). Esta afirmação será aplicável a outras geometrias que já não apenas a euclidiana. E porque o espaço arquitectónico é inextrincável do objecto que o configura, estende-se também às articulações deste a ordem conferida ao espaço pela geometria. Justifica-se por isso tomar o seu exercício como definição da própria arquitectura – “[a]rquitectura é geometrizar” (Siza, 2000: 27), ou, de outro modo, a geometria permite ‘Imaginar a evidência’ (Siza, 2000) da arquitectura. Ainda assim, é mais do que apenas a manipulação de geometrias que é convocada na definição da arquitectura, pois é mais também apenas do que uma sucessão de formas geométricas aquilo que a constitui. “A arquitectura completa para o Homem o desejo de conquista de um espaço, já que tornando-o habitável o humaniza” (Rodrigues, M., 2002: 32).

Não será então apenas praticabilidade que a geometria confere à transposição do trabalho do arquitecto para os respectivos códigos, mesmo que se verifique, como observa A. Rodrigues (2000: 99), que esse trabalho seja por hábito realizado por meio dessa transposição. Sendo concomitante com a natureza geométrica dos códigos quer do espaço, quer dos objectos arquitectónicos, a natureza geométrica dos códigos do desenho reflecte afinal uma certa concepção da arquitectura, do seu projecto e da representação – “[d]as Ideai [de Vitrúvio] ao Desenho, passando pelas Lineamenta [de Alberti], a configuração das ideias arquitectónicas escolheu o óbvio percurso da relação estreita com a Geometria. Esta não seria visível sem o Desenho, e o Desenho não seria inequívoco sem Geometria. A evidência do plano ideal da arquitectura só poderia daí advir” (Côrte-Real, 2001: 60).

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 117-120)