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A concorrência fiscal internacional e o projeto BEPS

No documento Future law (páginas 147-155)

Renata Gomes de Albuquerque Sá 1 1 Introdução

3. A concorrência fiscal internacional e o projeto BEPS

a) A concorrência fiscal internacional prejudicial

Não obstante ser vista com cautela pela doutrina mais recente, Nabais (2017, p. 477) ressalta que, por muito tempo, a concorrência fiscal internacional foi entendida pela maioria dos autores como benéfica, nos termos do modelo elaborado pelo economista Charles Tibeout em 1956.

Para o norte-americano20, a concorrência entre sistema fiscais, num espaço de

mobilidade de fatores de produção conduziria a resultados eficientes, na medida em que as pessoas e empresas fossem livres para se estabelecer em territórios em que obtivessem um melhor equilíbrio entre a receita fiscal que suportassem e a despesa pública correspondente às suas preferências.

Insta ainda salientar que a simples diversidade na legislação tributária dos variados países já constituiria, por si só, um fator favorável à preferência das empresas e dos investidores pelo sistema mais vantajoso, na sua permanente busca pela redução de custos de suas operações21.

Antonio Carlos Santos (2003, p. 161-162) aduz, a seu turno, que as políticas e benefícios fiscais, estaduais ou regionais, ao serem utilizadas de forma consciente para a criação de um ambiente econômico competitivo, fazem com que os Estados atuem como verdadeiras empresas, que, mediante a oferta de vantagens ou facilidades na fiscalidade, atinjam um nível elevado de competitividade para atrair investimentos externos, diretos ou financeiros.

Merece destaque o fato de que, no direito comunitário, existe uma espécie de princípio de abuso, que vem sendo desenvolvido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que utiliza a expressão “abuso fiscal” como sinônimo de “elisão fiscal”, seja em casos que envolvem operações transfronteiriças, seja situações de concorrência dentro da própria Europa22.

Nesse contexto, cumpre assinalar que a própria Reforma do IRC, promovida pelo Governo de Portugal no ano de 2013, teve como uma de suas metas precípuas a redução

19 PORTUGAL, MINISTÉRIO DAS FINANÇAS (2013), p. 57 20 TIBEOUT (1956), p. 416.

21 HUGOUNENQ, LE CACHEUX, MADIÈS (1999), p. 63-103. 22 DOURADO (2016), p. 287.

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da taxa efetiva de tributação, assente numa redução da taxa nominal e, bem assim, na revisão do regime de incentivos, para se tornar uma economia competitiva no contexto europeu23.

Com o fenômeno da globalização, o tema da concorrência prejudicial começou a causar preocupações aos organismos internacionais encarregados das matérias relativas à tributação, como o Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, que no ano de 1998 aprovou o relatório Harmful tax competition: an emerging global issue sobre o tema, e a Direcção Geral da Fiscalidade e União Aduaneira da União Europeia, a qual aprovou o Código de conduta relativo a fiscalidade das empresas.

José Casalta Nabais (2017, p. 478) afirma que as medidas adotadas pela UE e pela OCDE, não obstante não terem alcançado os resultados práticos esperados, são reflexo do início de uma disciplina internacional tendencialmente global, a qual visa atenuar os efeitos nefastos provocados pelos regimes fiscais claramente mais favoráveis, sejam estes paraísos ficais ou regimes fiscais preferenciais. No mesmo sentido, Antonio Carlos Santos (2003, p. 161-162) entende pela necessidade de uma regulação, em âmbito global, da concorrência fiscal internacional.

Francisco Cabral Matos (2015, p. 32) assevera, ainda, que o foco quase que exclusivo, observado nos últimos anos, no combate aos denominados “paraísos fiscais” certamente mitigará a concorrência fiscal prejudicial, mas não terá o condão de eliminá- la do panorama internacional.

Nesse diapasão, mais relevante do que o combate a regimes de tributação zero, a comunidade internacional se depara atualmente com a premente necessidade de discutir e clarificar os princípios basilares de uma ordem fiscal internacional, fundada em boas práticas sufragadas pela generalidade dos países e que permitam delinear a margem de discricionariedade na definição da política fiscal nacional de cada Estado24.

b) Panorama geral do projeto BEPS

O fenômeno da globalização permitiu a evolução dos produtos e dos meios de produção, além de criar condições que possibilitaram o desenvolvimento de empresas multinacionais com estratégias e modelos globais voltados à maximização dos lucros e redução de seus custos25. No entanto, as legislações internas dos países e os instrumentos

internacionais para a tributação dos lucros e rendimentos não acompanharam essa evolução.

Com a crescente integração econômica e mobilidade de capitais, de um lado, e, de outro, a lenta evolução das normas de direito tributário internacional, incapaz de lidar com os novos modelos operacionais criados pelos contribuintes, originaram-se as

23 PORTUGAL, MINISTÉRIO DAS FINANÇAS (2013), p. 51. 24 PORTUGAL, MINISTÉRIO DAS FINANÇAS (2013), p. 51. 25 FERRARI (2016), p. 31.

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condições necessárias para que empresas transnacionais maximizassem as vantagens (fiscais ou não), decorrentes de sua organização empresarial26.

Diante desse descompasso entre a lei e a realidade que passou a ser verificada, surgiram diversas oportunidades fiscais, que vem sido exploradas por empresas multinacionais, mediante a utilização das lacunas presentes nos padrões internacionais e nos sistemas jurídicos dos países em que operam, a fim de minimizar a tributação a incidir em seus rendimentos27.

Em 1998 a OCDE publicou o relatório Harmful tax competition: an emerging

global issue, sobre os efeitos prejudiciais da globalização sobre os sistemas tributários

dos países, identificando os territórios qualificados como paraísos fiscais e como regimes fiscais privilegiados.

No intuito de combater tais planejamentos tributários, dito como abusivos ou agressivos, desenvolveu-se, no âmbito da OCDE o Projeto BEPS (Base erosion and profit

shifting), que tem por foco o combate à elisão fiscal que prejudique o desenvolvimento

econômico das nações.

Ana Paula Dourado (2017, p. 44-45) afirma que a OCDE, em sua investigação, identificou três estratégias simples de planejamento fiscal que conduzem à dupla não tributação ou à redução de tributação das empresas multinacionais:

“- a minimização de funções operacionais desenvolvidas por uma afiliada, assim como de ativos e riscos, através da transferência destes para entidades (sociedades ou sucursais) do grupo situadas em territórios de baixa tributação (transferências de lucros);

- acordos de concessão direta ou indireta de financiamento pelas entidades do grupo situadas em territórios de baixa tributação para maximizar os gatos dedutíveis no Estado da fonte e minimizar os impostos a pagar nesse Estado (erosão das bases tributárias), designados de acordos de partilhas de custos, definidos pelas orientações sobre preços de transferências da OCDE em seu capítulo VIII, como ‘...um quadro geral acordado entre empresas para partilhar custos e riscos de desenvolvimento, produção ou obtenção de ativos, serviços ou direitos, e para determinar a natureza e extensão dos interesses de cada participante nesses ativos, serviços ou direitos’;

- conversão artificial de entidades do grupo passivas em ativas para deferir ou elidir impostos no Estado em que a sociedade mãe detentora do grupo é residente.”

Em 2013, a OCDE apresentou o relatório Addressing Base Erosion and Profit

Shifting, que aprofundou a análise sobre o tema da erosão das bases tributáveis para

apresentação aos países integrantes do G-20, bem como o relatório Action Plan on Base

Erosion and Profit Shifting, no qual apresenta um plano com 15 ações destinadas a

solucionar os principais focos de BEPS: 26 BARRETO, TAKANO (2016), p. 994. 27 FERRARI (2016), p. 31.

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Ação 1 – Identificar os principais desafios proporcionados pela economia digital na aplicação das regras fiscais vigentes e sugerir meios para contorná-los. Prazo: dezembro de 2014.

Ação 2 – Neutralizar os efeitos da manipulação de arranjos decorrentes esquemas alicerçados em desajustes híbridos, desenvolvendo novas provisões para o Modelo OCDE de Convenção Tributária sobre o Rendimento e o Capital (Modelo-OCDE) e recomendações em torno de regras fiscais domésticas. Prazos: setembro de 2014.

Ação 3 – Fortalecer as regras CFC. Prazo: setembro de 2015.

Ação 4 – Limitar o uso de juros e outras espécies de financiamento entre partes relacionadas com vistas a minimizar a erosão da base tributável. O trabalho avaliará as diferentes espécies de limites. O trabalho será coordenado em conexão com o grupo de trabalho que se dedica às regras de preços de transferência, assim como com os grupos dedicados às Ações 1 e 2. Prazos: recomendações em torno de regras fiscais domésticas – setembro de 2015; e mudanças no Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência – dezembro de 2015.

Ação 5 – Medidas enérgicas contra as práticas fiscais prejudiciais com foco na transparência, ainda que através da requisição compulsória de troca de informações, e exigência de substância sempre que as subsidiárias se beneficiarem de regimes fiscais privilegiados. Prazos: para conclusão das orientações aos países-membro – setembro de 2014; para definir a estratégia com vistas à adesão de países não-membros à causa – setembro de 2015; revisão dos critérios existentes – dezembro de 2015.

Ação 6 – Prevenir uso abusivo de tratados, promovendo alterações no Modelo- OCDE e recomendações em torno de regras fiscais domésticas, de forma a esclarecer que as Convenções não são destinadas a gerar a dupla não- tributação. Prazos: setembro de 2014.

Ação 7 – Prevenir a artificialidade da não caracterização de Estabelecimentos Permanentes (Eps), alterando as provisões do Modelo-OCDE. Prazo: - setembro de 2015.

Ação 8 – Assegurar que as regras de preços de transferência evitam a erosão da base tributável dos intangíveis. Prazo: mudanças no Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência, e, possivelmente, no Modelo-OCDE – setembro de 2015.

Ação 9 - Assegurar que as regras de preços de transferência estão em linha com o conjunto de ações que aumentam o valor de produtos, serviços e negócios através da transferência de riscos ou desmedida alocação de capital para partes relacionadas. Prazo: mudanças no Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência, e, possivelmente, no Modelo-OCDE – setembro de 2015. Ação 10 - Assegurar que as regras de preços de transferência estão em linha com o conjunto de ações que aumentam o valor de produtos, serviços e negócios através da transferência de outras operações de alto risco. Prazo: mudanças no Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência, e, possivelmente, no Modelo-OCDE – setembro de 2015.

Ação 11 – Estabelecer métodos de coleta e análise de dados do BEPS, preservando o caráter confidencial dos dados dos contribuintes. Prazo: setembro de 2015.

Ação 12 – Desenvolver orientações aos contribuintes para que noticiem seus planejamentos tributários agressivos. Prazo: recomendações em torno de regras fiscais domésticas – setembro de 2015.

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Ação 13 – Reexaminar as regras relativas aos documentos exigidos pelas regras de preços de transferência com o propósito de fortalecer a transparência fiscal entre as autoridades fiscais, levando em consideração os custos empresariais de compliance. Prazos: recomendações em torno de regras fiscais domésticas, e mudanças no Guidelines da OCDE em matéria de preços de transferência – setembro de 2014.

Ação 14 – Tornar os mecanismos de solução de conflitos mais eficientes. Prazo: mudanças no Modelo-OCDE – setembro de 2015.

Ação 15 – Desenvolver instrumento multilateral que auxilie as jurisdições interessadas a integrarem e alterarem suas Convenções em conformidade com as orientações do grupo de trabalho do BEPS. Prazos: para emissão do relatório reportando as questões fiscais relativas ao direito internacional público reputadas relevantes – dezembro de 2015.

O plano de ação BEPS situa a questão da erosão das bases tributáveis no plano jurídico e no plano moral, haja vista que, apesar de permitido do ponto de vista legal, o comportamento das multinacionais é moralmente inaceitável, pelo que se mostra necessária a coordenação entre os Estados para a criação de novas regras a fim de coibir tais condutas28.

O plano enuncia essencialmente três áreas de intervenção, pelas quais se distribuem as quatorze ações previstas, e finalizadas por um instrumento multilateral que permita a sua concretização imediata. Seu primeiro foco é o desenvolvimento de regras de tributação internacional, tendo por meta eliminar as lacunas existentes nos sistemas fiscais dos diferentes países, sem prejuízo à sua soberania destes29.

Em seguida, prevê-se o aprimoramento das regras constantes das Convenções de Dupla Tributação, em especial as que tratam dos preços de transferência; por fim, uma exigência de maior transparência na alocação mundial de lucros pelas empresas e maior divulgação por parte dos países de seus benefícios fiscais30.

Antes desse movimento da OCDE, distinguia-se na doutrina os conceitos de evasão fiscal (tax evasion), de elisão ou abuso fiscal (tax avoidance) e de planejamento fiscal agressivo, que estava associado à globalização e aos riscos de elisão e evasão fiscais, mediante a utilização de regimes tributários mais favoráveis, sendo este normalmente admissível no quadro do direito internacional, inclusive pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia31.

Todavia, no contexto do BEPS, o planejamento fiscal agressivo vem sendo entendido como a postura adotada pelas multinacionais para reduzir sua carga tributária mediante a interação das regras de diferentes ordenamentos jurídicos, como uma ideia

28 DOURADO (2017), p. 47. 29 OLIVEIRA (2015), p. 590. 30 OLIVEIRA (2015), p. 590-591. 31 DOURADO (2016), p. 295.

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vaga (que pode se referir a situações de elisão ou evasão) e que demanda a coordenação fiscal internacional32.

Sérgio André Rocha (2016, p. 395) relembra, por oportuno, a parcela significativa de culpa dos próprios Estados para o aumento da erosão da base tributária, que decorre do aumento da concorrência entre os países, gerando, assim, um crescente oferecimento de diversas vantagens fiscais como forma de atrair investimentos e capital estrangeiro, e tornando possível uma atuação efetiva ou “agressiva” das empresas transnacionais.

Assim sendo, diversos Estados, preocupados com a fuga de capitais para jurisdições de baixa ou nenhuma tributação, de forma semelhante se engajaram no ciclo de competição fiscal para atrair investimentos, o que impactou sobremaneira a arrecadação de tributos dos Estados, de modo geral33.

Por fim, registre-se que o projeto BEPS busca a renovação dos standards internacionais, e possui três pilares primordiais: a necessidade de se estabelecer um regime fundado na colaboração e no multilateralismo; uma abordagem holística e sistemática dos problemas existentes no regime atual; e inevitabilidade de se aceitar soluções inovadoras para as demandas que não vem sendo resolvidas pela aplicação das normas vigentes34.

José Casalta Nabais (2015, p. 253) afirma que as propostas do Plano BEPS não representam qualquer inovação relevante na solução dos problemas apontados, de forma que a perspectiva que se mostra seria da impraticabilidade de sua implementação, visto que tenderia a aumentar a concorrência internacional, pela via da diminuição das taxas e do incremento de incentivos fiscais.

Do mesmo modo, Ana Paula Dourado (2017, p. 34) destaca que o sistema fiscal internacional que resulta da abertura das economias, conjugado com as iniciativas da OCDE, continua a fomentar a concorrência entre os Estados com tentativas ilusórias de coordenação internacional, de modo que os Estados-membros da OCDE continuarão a competir entre eles e com o resto do mundo, mesmo após adotarem as medidas promovidas pelo BEPS e pela União Europeia.

Outrossim, a abertura e ambiguidade nas ações propostas podem levar a enganos, mesmo com o instrumento multilateral previsto na Ação 15. Isso porque a implementação unilateral das medidas do BEPS tem levado à promulgação de diferentes normas nacionais o que, na prática, acaba resultando no aumento das disparidades que se pretendia evitar35. 32 DOURADO (2016), p. 296. 33 BARRETO, TAKANO (2016), p. 994. 34 BARRETO, TAKANO (2016), p. 997. 35 DOURADO (2016-b), p. 440.

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c) Preocupações específicas da OCDE sobre a tributação do rendimento das empresas

Uma das conclusões que a OCDE chega no relatório Addressing Base Erosion

and Profit Shifting é a de que as normas de tributação internacional existentes

atualmente não acompanharam a evolução dos negócios globais, em especial no que se refere à economia digital.

Ademais, a OCDE verificou quatro elementos comuns na estruturação das atividades de empresas multinacionais: a redução da tributação, em um país de alta incidência fiscal e atividade econômica, em decorrência de operações comerciais ou financeiras entre pessoas jurídicas relacionadas; baixa ou nenhuma retenção na fonte; reduzida ou inexistência de tributação no receptor da renda; nenhuma tributação dos lucros no nível da matriz do grupo econômico36.

Contudo, a questão primordial que deve ser considerada é a das lacunas existentes na conjugação de dois ou mais sistemas jurídicos, aproveitadas pelas multinacionais para esquivar-se da incidência de tributos, dando origem ao fenômeno da dupla não tributação ou de múltiplas não tributações37.

Registre-se que os elementos de conexão, nos dizeres do professor Alberto Xavier (2010, p. 187), consistem nas relações ou ligações existentes entre as pessoas, os objetos e os fatos com os ordenamentos jurídicos tributários, distinguindo-se em objetivos, quando se relacionam à coisas e fatos, ou subjetivos, se relacionados a pessoas.

Com base em tais elementos, é possível dividir os sistemas tributários das nações em territoriais, na hipótese de o critério de conexão ser atrelado à fonte da renda, de modo a incidir a tributação apenas sobre a renda das fontes localizadas no território da jurisdição, e universais, quando o critério de conexão é subjetivo e vinculado à residência do indivíduo, de modo a se tributar toda a renda dos residentes, independentemente do local em que é auferida.

Maria Odete Oliveira (2015, p. 586-587) explicita que a competência para tributar os fluxos internacionais de rendimento divide-se hoje entre o Estado da Residência e o Estado da Fonte: o modelo de convenção da OCDE elege o critério da residência, benéfico aos países mais desenvolvidos, ao passo que o Modelo da ONU se volta ao critério da fonte, que privilegia os países menos desenvolvidos e atraem o investimento externo.

Nesse ínterim, note-se que a atual repartição das competências dos impostos sobre as empresas nos diversos países, que usualmente utiliza de forma mista os critérios da fonte e da residência, tem permitido que as multinacionais se usufruam do regramento presente nas convenções de dupla tributação, a fim de evitar a incidência fiscal, através, por exemplo, do princípio das entidades independentes, das

36 FERRARI (2016), p. 43. 37 DOURADO (2017), p. 51.

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transferências de lucros para países de baixa tributação ou do atual conceito de estabelecimento estável38.

Outrossim, a utilização do modelo da OCDE resulta torna mais fácil para as multinacionais praticarem elisão mediante investimentos em paraísos fiscais ou países de regimes fiscais privilegiados, onde a proteção ao sigilo bancário dificulta a troca de informações sobre os rendimentos com o estado da residência39.

Registre-se ainda que, com a facilitação da entrada de capitais nos mais diversos Estados, a residência das empresas ganha uma grande mobilidade, de modo que a fonte e residência podem ser facilmente deslocadas pelos grupos multinacionais para territórios com leis fiscais mais atrativas40.

A ação nº 4 do Plano BEPS aconselha um regime que traga limitações à dedutibilidade dos juros a grupos internacionais, excepcionando-se os setores bancários e de seguros, que necessitam de regramento próprio. Tais limites baseiam-se no critério EBITDA: limites de dedutibilidade aplicados aos gastos de financiamento líquidos41.

No contexto da busca pela substância econômica, a definição de estabelecimento permanente (Ação nº 7), os aprimoramentos das regras de CFC (Ação nº 3) e a documentação global dos preços de transferência (Ações nº 8, 9 e 10), procuram reduzir a prática de planejamentos fiscais (agora considerados agressivos), que tenham por objetivo único a busca pela economia fiscal, sem propósito negocial verdadeiro. No mesmo sentido se mostra a Ação nº 5, que coíbe as práticas nocivas por parte de países que não tributam a renda, ou o fazem por meio de taxas ínfimas, e a ação 2, que busca neutralizar os instrumentos híbridos42.

Ana Paula Dourado (2017, p. 61) afirma que o ponto central do BEPS são as ações 8, 9 e 10, que pretendem melhorar o funcionamento dos preços de transferência, a fim de que a tributação ocorra nos Estados em que o valor é de fato criado, para se evitar a transferência de lucros de modo artificial, atribuindo as receitas tributárias ao Estado da fonte. Nesse sentido, se a reforma relativa aos preços de transferência produzirem os efeitos pretendidos pela OCDE, as demais ações serão secundárias ou instrumentais ao projeto BEPS. 38 DOURADO (2017), p. 51. 39 OLIVEIRA (2015), p. 587. 40 EISENBEISS (2016), p. 481 e ss. 41 DOURADO (2017), p. 78. 42 SOUFEN (2016), p. 76.

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4. Reflexões sobre a aplicação das ações do plano BEPS na fiscalidade de

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