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Acesso à justiça

No documento Future law (páginas 76-79)

Rafael Giordano Gonçalves Brito 1 1 Introdução

2. Acesso à justiça

O processo de universalização dos direitos humanos foi deflagrado no segundo grande pós-guerra, ante inúmeras atrocidades cometidas contra o ser humano. Nessa oportunidade, conforme lição de Piovesan (2013), p. 123, os direitos humanos atribuíram

3 De acordo com Conselho Nacional de Justiça (2016), p. 13, «[...] dadas as taxas de judicialização do nosso país não apenas serem das mais altas internacionalmente, como estarem crescendo contínua e incessantemente», fez com que no ano de 2015, mesmo baixando 1,2 milhão de processos a mais do que o quantitativo ingressado, o estoque aumentou em 1,9 milhão de processos, ou seja, 3% a mais em relação a 2014.

4 Com a implantação do sistema judicial eletrônico, e-Proc/TJTO, por determinação da Resolução TJTO nº 1, de 15 de fevereiro de 2011, nenhuma petição foi recebida em meio físico, «[...] exceto habeas corpus impetrado por pessoa física, não advogado, hipótese em que o Juízo a que for distribuído providenciará a inserção no sistema processual eletrônico», Tribunal de Justiça do Tocantins (2011), on-line. Além disso, de acordo com notícia veiculada no sítio do Tribunal de Justiça do Tocantins (2015), no mês de setembro de 2015 foi digitalizado e inserido no sistema e-Proc/TJTO o último processo físico, tornando-se 100% digital.

O acesso à justiça e a razoável duração do processo no CPC...

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«[...] ao indivíduo status de sujeito de direito internacional, conferindo-lhe diretamente direitos e obrigações no plano internacional». No âmbito nacional, segundo Gomes (2006), encontram-se ratificados e em vigor praticamente todos os tratados internacionais significativos sobre direitos humanos pertencentes ao sistema global. Com efeito, no cenário internacional os direitos humanos garantem a efetivação dos sistemas jurídicos, no qual «a inserção do direito de acesso à justiça no rol dos direitos humanos foi, sem dúvida, uma das grandes conquistas do indivíduo no plano internacional do século XX», Annoni (2006), p. 23. Trata-se, pois, do reconhecimento do direito aos direitos.

É cediço que os direitos humanos se distinguem de direitos fundamentais, isto é, a positivação daqueles no ordenamento jurídico de um Estado, implica no reconhecimento destes. Nesse mote, Olsen (2006), p. 17, citando Robert Alexy, afirma que «direitos fundamentais são essencialmente direitos do homem transformados em direito positivo». Parte da doutrina coaduna com esse entendimento, no qual Sarlet (2015), p. 30 afirma que os direitos humanos são «[...] positivados na esfera do direito internacional», enquanto os direitos fundamentais são «[...] reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado». Há ainda quem prefira a expressão “direitos humanos fundamentais”, a exemplo de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Alexandre de Moraes e Sérgio Rezende de Barros. Nesse contexto, é possível afirmar que o acesso à justiça pertence tanto aos direitos humanos (art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos5) quanto aos direitos fundamentais (art.

5º, inciso XXXV, da Constituição da República6).

Vale destacar que no passado, o acesso à justiça estava reduzido à possibilidade de pleitear um direito em juízo, ou seja, dizia respeito somente a possibilidade do direito de petição. Verifica-se, portanto, que a expressão “acesso à justiça” remonta à teoria imanentista da ação, para quem é permitido o direito de ação quando o indivíduo puder reagir a uma agressão ou a uma ameaça de agressão. Todavia, na “era dos direitos”7 esse

entendimento deve ser afastado, pois se assim o fosse, na lição de Oliveira Neto (2015), p. 13, a sociedade estaria «[...] submissa às idiossincrasias de magistrados e a uma

5 Convenção Americana sobre Direitos Humanos, artigo 8. Garantias judiciais: 1. «Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza», Brasil (1992), on-line.

6 Constituição da República, art. 5º. Omissis. [...] XXXV – «a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito», Brasil (1988), on-line.

7 A “Era dos direitos” é uma obra de Noberto Bobbio, cujo entendimento do autor é no sentido de que independentemente do lugar, os direitos do indivíduo serão sempre universais, porém há diferença entre proclamar e desfrutá-los efetivamente. «Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem-direitos”. Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos, enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados)», Bobbio (1990), p. 11.

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estrutura de poder que de há muito não corresponde às legítimas expectativas dos cidadãos». Em um estado social de direito, o acesso à justiça alude em instrumentos que garantam ao indivíduo a efetivação de seus direitos. Nesse esteio, na afirmação de Cappelletti (1998), p. 9, «o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, corresponde a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. [...] Direito ao acesso à proteção judicial significa essencialmente o direito formal do indivíduo agravar ou contestar uma ação».

Watanabe (1988) tem uma visão ampla desse direito, devendo ser interpretado como acesso à Justiça8. Ainda segundo esse autor, essa garantia não deve se acanhar aos

limites dos órgãos judiciais, mas viabilizar acesso à “ordem jurídica justa”, implicando não apenas em um programa de reforma, mas também em um novo método de pensamento. Para Nalini (1997), o acesso à justiça reveste de máscara retórica, estando ligado ao ônus da ação, e não direito de ação, haja vista a dificuldade de alcançá-lo. Nalini (1997), on-line pontua ainda três causas que «[...] representam obstáculo à ampliação do acesso à Justiça: o desconhecimento do Direito, a pobreza e uma visão singular sobre a lentidão do processo».

Em uma perspectiva socioeconômica, Santos (2011) faz uma indagação a respeito da contribuição do direito para construção de uma sociedade mais justa, no qual identifica dois grandes campos em relação ao Judiciário: hegemônico e contra- hegemônico. No tocante ao campo hegemônico, Santos (2011), p. 34 assevera que as mudanças no sistema judicial são seletivas, a fim de atender interesses econômicos, voltadas quase que exclusivamente para um sistema de justiça célere. Isto é, trata-se «[...] do campo dos negócios, dos interesses econômicos, que reclama por um sistema judiciário eficiente, rápido, que permita a previsibilidade dos negócios, dê segurança jurídica e garanta a salvaguarda dos direitos de propriedade». Em outro giro, o campo contra-hegemônico trouxe a conscientização do cidadão a partir das garantias de direitos trazidos pelas constituições. Com efeito, os cidadãos «[...] veem no direito e nos tribunais um instrumento importante para fazer reivindicar os seus direitos e as suas justas aspirações a serem incluídos no contrato social», posto que o estado social é injusto e muito iníquo, Santos (2011), p. 35.

Como se vê, o enfoque do acesso à justiça tem um número imenso de implicações, de modo que Cappelletti (1988) verifica a necessidade de um estudo crítico, bem como a reforma de todo aparelho judicial, a fim de encontrar soluções práticas. Para tanto, Cappelletti propõe três ondas evolutivas para os problemas de acesso à justiça. A primeira onda diz respeito ao “acesso à justiça para os pobres” e pode se dar de três

8 A expressão “acesso à Justiça” com a letra jota em maiúscula é mais ampla se comparada com “acesso à justiça”, pois esta última cuida somente de garantias processuais, enquanto a primeira abrange todos os direitos fundamentais, sendo para alguns autores impossível de ser alcançado.

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maneiras: sistema Judicare9, advogado remunerado pelos cofres públicos10 e modelos

combinados – combinação dos dois modelos anteriores, pois são complementares. A segunda onda trata da “representação dos interesses difusos”, no qual o processo não é visto como assunto entre duas partes, mas sim pertencente a um grupo, com a finalidade de assegurar a realização de “direitos públicos”. Aqui foram promovidas revoluções no processo civil visando a adequação das novas regras que atendam a esses interesses. Por fim, a terceira onda cuida do novo enfoque de acesso à justiça, cuja representação em juízo deve se tornar mais ampla, pois, embora, as duas ondas antecedentes não sejam suficientes, não devem ser abandonadas. Em outras palavras, significa que novos direitos exigem procedimentos modernos que os tornem exequíveis, de tal sorte que estes se amoldem ao caso concreto. Cappelletti (1988), p. 67-68 preceitua que essa técnica «centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas», devendo, pois, haver reformas na advocacia, no Judiciário e nas atividades extrajudiciais. No Brasil, esses procedimentos merecem análise a partir da legislação processual, especialmente, porque foi promulgada uma nova legislação processual civil.

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