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Razoável duração do processo

No documento Future law (páginas 82-86)

Rafael Giordano Gonçalves Brito 1 1 Introdução

4. Razoável duração do processo

O princípio da razoável duração do processo, no plano internacional, adveio com a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de novembro de 1950, a qual determina em seu artigo 6º, inciso I, que «qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei [...]», European Convention on Human Rights (2018), p. 7. No Brasil não é diferente, há igual previsão acerca da razoável duração do processo disposta no art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição da República.

Antes do reconhecimento expresso do princípio da razoável duração do processo na Magna Carta brasileira, ainda nos idos de 1921, Rui Barbosa, em famoso discurso, “Oração aos moços”, escrito aos formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo, já afirmava que «[...] justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta», Barbosa (1997), p. 40. Não por outro motivo, o Novo Código de Processo Civil estabeleceu em seu art. 4º que «as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa». Nesse escólio, à medida

será inútil colocarmos nossos sapatos na beira da cama ou no peitoril da janela, na esperança de que o bom velhinho coloque neles os mimos que desejamos. Nossos sapatos permanecerão vazios, porque só o nosso empenho, nosso engajamento, nosso trabalho e nossa organização têm condições de produzir os frutos que se farão presentes. Será inútil, portanto, e frustrante, pretendermos que o Direito seja nosso Papai Noel e com suas formulações (palavras, palavras e palavras!) coloque em nossos sapatos os presentes que não pudemos adquirir com nossa luta política» (PASSOS, 2002, on-line).

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que o processo se prolonga no tempo, seja pela morosidade sistemática ou ativa22, sua

função reparadora se esvai. A respeito dessa demora, a parte se sente prejudicada, seja qual for o resultado da decisão, tornando, pois, utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito e, consequentemente, não atinge a efetividade que se busca no moderno acesso à justiça.

Marinoni (2011) leciona que o assunto sobre o tempo do processo, por um longo período, fora negligenciado pelos processualistas, pois não vislumbravam importância científica. Se ainda há quem entenda a duração do processo como de importância secundária, «não só é alheio ao mundo em que vive, como também não tem capacidade para perceber que o tempo do processo é um dos principais fundamentos dogmáticos do processo adequado ao Estado Constitucional», Marinoni (2011), p. 22. Vale destacar ainda que de acordo com autor (2011), o legislador não pode descurar de construir procedimentos adequados que viabilizem a tempestividade da tutela jurisdicional com o tempo necessário aos debates entre os litigantes. Da mesma maneira, o juiz, sempre que possível, deve aplicar técnicas que permitam a realização concreta do direito fundamental à duração razoável do processo23.

Para o alcance da razoável duração do processo, segundo Annoni (2008), dois pressupostos devem ser analisados: segurança jurídica e efetividade24. Ainda de acordo

com a Annoni, embora tais pressupostos possam parecer antagônicos, mas não o são, uma vez que deve haver equilíbrio entre eles. Porém, Bueno (2014) aduz que se há uma batalha entre segurança jurídica e efetividade25, no qual este último vem ganhando mais

22 A morosidade sistemática, para Santos (2011), p. 43, «[...] é aquela que decorre da burocracia, do positivismo e do legalismo». Já a morosidade ativa consiste na criação de obstáculos, por parte de magistrados, servidores, membros do Ministério Público e advogados, «para impedir que a sequência normal dos procedimentos desfeche o caso», ensejando verdadeira situação de “processo na gaveta”, «[...] de intencional não decisão em que, em decorrência do conflito de interesses em que estão envolvidos, é natural que os envolvidos e os responsáveis por encaminhar uma decisão utilizem todos os tipos de escusas protelatórias possíveis», Santos, (2011), p. 47.

23 Nas palavras de Nery Junior (2016), p. 360-361, o princípio da razoável duração do processo «[...] possui dupla função porque, de um lado, respeita ao tempo do processo em sentido estrito [...]», desde o início até o trânsito em julgado, «[...] e, de outro, tem a ver com a adoção de meios alternativos de solução de conflitos, de sorte a aliviar a carga de trabalho da justiça ordinária, o que sem dúvida, viria a contribuir para abreviar a duração média do processo».

24 «Processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material. Pretende-se aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas constitui perigosa ilusão pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para alcançar a tão almejada efetividade. Não se nega a necessidade de se reduzir a demora, mas não se pode fazê-lo em detrimento do mínimo de segurança, valor também essencial ao processo justo», Bedaque (2007), p. 49.

25 Ainda quanto à relação entre efetividade e segurança jurídica da prestação jurisdicional, Aurelli (2013), p. 132 elucida que «[...] não se pode admitir que a tutela jurisdicional seja prestada de qualquer maneira, com desapego total à forma, deixando de lado a garantia de um processo justo apenas para obtê-la de forma célere. Muitas vezes “a pressa é inimiga da perfeição”. Justiça efetiva não significa apenas justiça rápida. Parece-me que buscar a razoável duração do processo é tarefa muito mais árdua e muito mais complexa do que simplesmente pretender obter um processo célere apenas com o enxugamento de incidentes e técnicas processuais garantidores do

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espaço no processo civil. Isso não quer dizer que a segurança jurídica deve ser abandonada, pois o que «se busca, doravante, é verificar em que medida é compatível uma maior ênfase de efetividade na segurança ou de segurança na efetividade a partir do novo modelo, do novo paradigma de ordenamento jurídico», Bueno (2014), p. 263,

grifo do autor. Por fim, importa frisar que celeridade e efetividade não se confundem,

pois a efetividade não se exaure na celeridade, porquanto aquela, por ser mais complexa, deve observar o devido processo legal.

Por certo, verifica-se que o princípio da razoável duração do processo trata de direitos humanos e direitos fundamentais, conforme dito alhures. Nessa perspectiva, a garantia de celeridade processual ganhou «[...] status de cláusula pétrea e, portanto, merecedora de toda tutela jurídica em prol de sua efetivação, inclusive contra o próprio Estado», Annoni, (2007), p. 9.

«Todavia, torna-se impossível, a priori, fixar uma regra específica, determinante das violações o direito à tutela jurisdicional dentro de prazo razoável. E, por isso, consoante entendimento jurisprudencial do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, dadas as circunstâncias de cada caso concreto, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo penal; c) a atuação do órgão jurisdicional», Annoni (2007), p. 7.

É importante, porém, destacar que os brasileiros são litigiosos, isto é, «a sociedade moderna se apresenta como uma cultura de conflitos, na qual não somente se verifica uma enorme e interminável quantidade de conflitos, como, igualmente, o hábito predominante de atribuir ao Estado a responsabilidade de proporcionar sua solução», Calmon (2007), p. 25, ou seja, tamanha litigiosidade implica no excesso de trabalho e consequentemente na maior duração dos processos. Nesse esteio, portanto, o Judiciário deveria ser a ultima ratio para o enfretamento das contendas entre os cidadãos. Mas enquanto não há políticas eficazes que transforme o comportamento das pessoas, a solução, ou pelo menos mitigação, dos problemas deve partir do próprio Judiciário. Outrossim, é cediço que a demora na prestação jurisdicional viola direito e acarreta prejuízos à sociedade, razão pela qual deve se indagar sobre a possibilidade de responsabilização do Estado.

a) A demora na prestação jurisdicional e a possível responsabilização do Estado

A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, também conhecida como “Reforma Administrativa” teve como finalidade a reestruturação do Estado, haja vista a crise enfrentada por este. Conforme se depreende da Exposição de Motivos da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, a Administração Pública necessitava de revigoramento da

acesso à Justiça e do contraditório e ampla defesa. Buscar a razoável duração do processo significa primar eficiência da prestação jurisdicional, mas em função disso não se pode colocar em risco a segurança jurídica».

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capacidade de gestão, serviço público de melhor qualidade e aumento da eficiência, esta última prevista a partir de então no art. 37, caput, da Carta Política. Todo esse revigoramento gira em torno do princípio da eficiência26, de modo que cabe ao Estado

produzir melhores resultados com menos recursos. Portanto, o Poder Judiciário, um dos três poderes que compõe o Estado, não pode se manter ineficiente e, assim, vilipendiar direitos da sociedade.

O destempo na prestação jurisdicional frustra o acesso à justiça, acarretando «[...] insegurança para o portador do bom direito, uma vez que proporciona à parte que não tem razão um benefício indevido, instalando-se, por conseguinte, angústia, insegurança e medo [...]», Almeida (2013), p. 262, violando o atual estágio de proteção conferido pela Constituição. Essa inobservância ao princípio da dignidade da pessoa humana deveria cominar na responsabilização do Estado, em razão de falha no serviço. Frederico Augusto Leopoldino Koehler sustenta que

«[...] “o Estado é responsável objetivamente pela exagerada duração do processo”, seja ela oriunda de dolo ou culpa do juiz, ou mesmo da ineficiência estrutural do Poder Judiciário, devendo haver a indenização em qualquer das hipóteses. Portanto, a responsabilização do Estado pela duração anormal do processo enquadra-se nas prescrições do § 6º do artigo 37 da Constituição da República, ou seja, a prestação jurisdicional a destempo caracteriza hipótese de responsabilidade objetiva, independentemente da aferição de culpa do servidor causador do dano ou do ente público a que pertença», Koehler (2008), p. 72,

grifo do autor).

Logo não verificada a adequada prestação do serviço, à luz do art. 175, inciso IV da Constituição da República27, o Estado deve ser responsabilizado. Porém, vale registrar

a lição de Koehler (2008) que para haver a justa reparação do dano, a parte deve demonstrar o dano sofrido, seja patrimonial ou não patrimonial, em virtude da irrazoável duração do processo. Não obstante, Oliveira (2014), em análise a jurisprudência nacional, afirma que os Tribunais brasileiros não sustentam o posicionamento da responsabilização do Estado pela demora na prestação jurisdicional. Ainda de acordo com Oliveira (2014), o jurisdicionado será indenizado somente nas seguintes hipóteses: erro em condenação penal, quando o condenado ficar preso além do tempo fixado na sentença ou nos casos previstos no art. 143 do NCPC28. É esse o posicionamento do

26 «Vale a pena observar, entretanto, que o princípio da eficiência não alcança apenas os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Ao contrário, deve ser observado também em relação aos serviços administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas vinculadas. Significa que a Administração deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos hoje

adotados para obter a qualidade total da

execução das atividades a seu cargo [...]», Carvalho Filho (2016), p. 85, motivo pelo qual o Judiciário deve combater o problema da morosidade processual a fim de não ser responsabilizado.

27 Constituição da República, art. 175. «Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. [...] IV – a obrigação de manter serviço adequado», Brasil (1988), on-line.

28 Código de Processo Civil, art. 143. «O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II –

86 Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

«CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DANOS MORAIS. DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ATOS DO PODER JUDICIÁRIO.

I - A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito de nossos tribunais é no sentido de que, em se tratando de responsabilidade objetiva (CF, art. 37, § 6º), o Estado somente responde por danos decorrentes da prestação jurisdicional em hipóteses expressamente indicadas em lei, quais sejam: a) erro judiciário em condenação penal (CF, art. 5º, LXXV); b) quando o condenado ficar preso além do tempo fixado na sentença (CF, art. 5º, LXXV); e c) nas hipóteses do art. 133, do CPC (quando o magistrado no exercício de suas funções agir com dolo ou fraude ou recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deve ordenar de ofício, a requerimento da parte), inocorrentes, no caso concreto», Tribunal Regional Federal da 1ª Região (2009), on-line.

Embora não seja comum nos Tribunais brasileiros a aplicação de sanções ao Estado em razão irrazoável duração do processo, há precedentes em outros países, a exemplo da Itália29. Independente da responsabilização do Estado, este deve utilizar de

técnicas sofisticadas para melhorar a prestação jurisdicional, destacando-se o processo judicial eletrônico, abordado do no próximo tópico.

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