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Direitos de águas do brasil: contextualização constitucional e infraconstitucional

No documento Future law (páginas 34-38)

Maria de Fátima Nóbrega Barbosa 2 1 Introdução

6. Direitos de águas do brasil: contextualização constitucional e infraconstitucional

A República Federativa do Brasil é um país que agasalha o princípio da federação, como o próprio nome já menciona, na qual figuram as Pessoas de Direito Público Interno, a saber: a União, os Estados-Membros (total de 26), os Municípios (total de 5.570) e o Distrito Federal39. Possui uma área territorial: 8.511.767,049 km² e uma

população estimada, no ano de 2015, em 205.570.000 (duzentos e cinco milhões e quinhentos e setenta mil) pessoas40. Divide-se em 12 (doze) regiões hidrográficas, a

saber: Bacia Amazônica (a mais extensa do mundo; abarca uma área de 6.110.000 km²)41; Bacia Tocantins-Araguaia; Bacia do Paraguai; Bacia Atlântico Nordeste

Ocidental; Bacia Atlântico Nordeste Oriental; Bacia do Paraná; Bacia do Parnaíba; Bacia do São Francisco; Bacia do Atlântico Leste; Bacia do Atlântico Sudeste; Bacia do Atlântico Sul e Bacia do Uruguai42. Atente-se para o fato de que todas as bacias

mencionadas são federais; contudo, o país também apresenta outra classificação pertencente aos Estados-Membros e ao Distrito Federal: são as Bacias Hidrográficas Estaduais e Distritais.

38 Tópico 6, extraído do Artigo Científico apresentado no Pós-Doutorado em Direito na

Università Federale di Messina/Dipartimento di Giurisprudenza/Itália (2016), intitulado Diritto umano-fundamentale all’acqua in Brasile: limiti e possibilità, 2016, p. 3-5. Tal tópico 6

também figura no livro de BARBOSA (2017).

39 Dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de dezembro 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 4 dez. 2015.

40 Dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de dezembro de 2015. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 4 dez. 2015.

41 Bacia Hidrográfica Internacional. Pertence ao Brasil 63 %; a Colômbia 5,8 %; a Bolívia 11 %; ao Equador 2,2 %; a Guiana 0,2 %; ao Peru 17 % e a Venezuela 0,7 %. Disponível em: <http://www.2.ana.gov.br>. Acesso em: 4 dez. 2015.

42 MEIO AMBIENTE. Rios e Bacias do Brasil formam uma das maiores redes fluviais do mundo. Disponível em: <http://www.gov.br/meio-ambiente>. Acesso em: 4 dez. 2015.

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As águas doces do Brasil,43 superficiais e subterrâneas, podem ser classificadas

em águas federais, águas estaduais e águas distritais. As águas federais são, por dizer da Constituição Federal Brasileira de 1988 – C.F./88, os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de domínio da União ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham e as praias fluviais44; em outras palavras, são aquelas que passam pelo menos por dois

Estados-Membros do país, bem como as águas que migram do Brasil para outro país vizinho ou de lá se desloquem ao encontro dos nossos limites geográficos. As águas

estaduais: “superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,

ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”45. Em síntese,

são as águas que nascem e desaguam em seus próprios Estados-Membros. As águas do

distrito federal são, por analogia, as águas superficiais e subterrâneas que nascem ou

emergem nos seus limites geográficos e desembocam no próprio Distrito Federal; no Brasil, os Municípios não possuem a titularidade das águas.

Em retrospectiva, no século XX, foi criado em nosso país, por intermédio do Governo Provisório, o Decreto Federal nº. 24.643, de 10 de julho de (1934), conhecido mundialmente como o Código de Águas. Este, parcialmente revogado, previa, no Capítulo III, a existência de águas particulares46. Com a promulgação da C.F./88, não

mais se permitem águas particulares no Brasil; todas as águas são públicas: ou são

águas federais, ou, ainda, águas estaduais, ou são águas distritais.

A C.F./88 exigiu que o Direito de Águas fosse regulamentado em nosso país e dispôs, no Art. 21, que compete à União instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos. Assim procedeu o legislador constitucional ao produzir a Lei Federal de Águas nº. 9.433, de 08 de janeiro de (1997). Tal norma hídrica e a C.F./88 são, juntas, as principais diretrizes legais do Direito de Água no Brasil.

Em sua estrutura, a Lei nº. 9.433/97 se divide em quatro partes, em que o Título I se reporta à Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH; o Título II se refere ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SNGRH; enquanto o Título III versa acerca das Infrações e Penalidades; enfim, o Título IV trata das Disposições Gerais e Transitórias.

Quanto ao Título I, contém os fundamentos, os objetivos, as diretrizes, os instrumentos (os planos de recursos hídricos, enquadramentos dos corpos de água em classes, a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, a cobrança pelo uso de recursos hídricos e o sistema de informações sobre recursos hídricos). O Título II se configura por meio de objetivos e composição, do Conselho Nacional de Recursos

43 Ver POMPEU (2010); GRANZIERA (2014); REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI (2002). 44 De acordo com o Art. 20, inciso III, da C.F./88.

45 Em conformidade com o Art. 26, inciso I, C.F./88.

46 Código de Águas, Capítulo III, ÁGUAS PARTICULARES, Art. 8º. São particulares as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns. (ESTE ARTIGO SE ENCONTRA TOTALMENTE REVOGADO).

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Hídricos, dos Comitês de Bacia Hidrográfica, das Agências de Água. Por sua vez, o Título III aborda as infrações normativas na utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos. Por fim, o Título IV se refere às disposições de natureza geral não duradoura.

Após o advento da Lei nº. 9.433/97, outros documentos normativo-hídricos47

foram sendo criados em nosso país fortalecendo sobremaneira o Direito de Águas do Brasil, rumo à sua autonomia didática e legislativa. Tal direito requer observância infraconstitucional e constitucional uma vez que o mesmo se concentra não apenas em documentos legais federais/estaduais/distritais, mas também na C.F./88.

a) Comitê de bacia hidrográfica

Após discorrer acerca da República Federativa do Brasil, e em linhas gerais, sobre a Lei de Águas pátria, neste momento, de bom grado será dissertar com mais vagar sobre a instituição Comitê de Bacia Hidrográfica. Tal instituição faz parte do Sistema Nacional de Gerenciamento – SINGREH. É corrente na literatura jurídica se observar que esta instituição possui matriz normativo-hídrica francesa; na verdade parte de nossa lei de águas federal nº. 9.433, quando da sua criação em 1997, sofreu forte influência da filosofia-jurídica desse país europeu, o qual possui larga tradição em direito de águas.

Quanto ao SINGREH – do qual o comitê faz parte – o mesmo pode ser definido como um complexo de organismos, agências e instalações públicas e particulares, formados com o propósito de desempenhar a Política das Águas, por meio de um formato de gerenciamento de águas desenvolvido via instrumentos criados para o planejamento das águas. Em síntese, é o mecanismo que imprime a movimentação do arranjo institucional da gestão dos recursos hídricos (COIMBRA, ROCHA E BEEKMAN, 1999)48.

Por seu turno, os comitê de bacia hidrográfica terão como área de atuação a totalidade de uma bacia hidrográfica, sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou grupo de bacias ou sub- bacias hidrográficas contíguas49. Entre outras atribuições, compete aos comitês, no

âmbito de sua área de atuação: promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; aprovar o plano de recursos hídricos da bacia; propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricosacumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; estabelecer os mecanismos de

47 A título exemplificativo, ver Lei da Agência Nacional de Águas – ANA (Lei Federal nº. 9.984, de 17 de julho de 2000). Decreto Federal nº. 4.613, de 11 de março de 2003, que regulamenta o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH.

48 Disponível em:

<http://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/biologia/sistema-nacional-de- gerenciamento-de-recursos-hidricos-singreh/42626>. Acesso em: 19 dez. 2017.

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cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados50.

É imperioso observar que das decisões dos comitês de bacia hidrográfica caberá recurso ao Conselho Nacional ou aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com sua esfera de competência51. Além disso, os comitês de bacia hidrográfica são

compostos por representantes: da União, dos Estados e do Distrito Federal, cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação; dos Municípios situados, no todo ou em parte, em área de atuação; dos usuários das águas de sua área de atuação; das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia52. Atente-se ainda que os Comitês são dirigidos por um Presidente e um

Secretário, eleitos dentre os seus membros53.

A instituição Comitê de Bacia Hidrográfica – juntamente com os princípios da participação e descentralização dos recursos hídricos – talvez seja a inovação mais importante do Direito de Águas Brasileiro. Aqui e alhures, já disseram que o comitê de bacia hidrográfica funciona como um “parlamento hídrico”, à medida que se torna a caixa de ressonância dos questionamentos da matéria em alusão. Por outro lado, a sociedade organizada ainda espera o protagonismo dessa renomada instituição público-privada. Do ponto de vista teórico, é um instrumento bastante democrático, uma vez que abarca dois princípios basilares, a saber: a descentralização e a participação. O princípio da

descentralização permite que as decisões sobre a Política de Recursos Hídricos sejam

resolvidas incialmente na localidade em que ocorreu o conflito. O princípio da

participação faculta que não somente a União ou os Estados possam figurar como atores

sociais no processo político-decisório das águas, mas também os usuários e a sociedade civil organizada (instituições públicas e/ou privadas).

Em nosso país, os comitês federais de bacia hidrográfica vêm funcionando razoavelmente bem, contudo muitos comitês estaduais não têm conseguido funcionar em níveis satisfatórios, pois vem ocorrendo uma assimetria no funcionamento dos comitês de bacias hidrográficas, ou seja, alguns comitês de estados-membros mais desenvolvidos apresentam índices positivos, enquanto outros comitês de estados- membros menos favorecidos economicamente mostram desempenhos não satisfatórios, e em desarmonia com o preconizado nos fundamentos, nos objetivos e nas diretrizes da Lei de Águas do Brasil54.

b) Conselho de recursos hídricos

Outra instituição que merece uma abordagem denomina-se Conselho de Recursos Hídricos, composta por instituições que figuram em âmbito nacional, estadual e distrital. Faz parte do SINGREH o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, o qual é composto por representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da

50 Lei Federal nº. 9.433/1997, art. 38.

51 Lei Federal nº. 9.433/1997, art. 38, parágrafo único. 52 Lei Federal nº. 9.433/1997, art. 39.

53 Lei Federal nº. 9.433/1997, art. 40. 54 ARAUJO; BARBOSA (2012), pp. 1-182.

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República com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos; representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; representantes dos usuários dos recursos hídricos e representantes das organizações civis de recursos hídricos. Ademais, o número de membros (representantes) do Poder Executivo Federal não poderá ultrapassar a metade mais um do total de membros do CNRH55.

Além do mais, compete ao CNRH promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários; arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados; deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica; analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos; estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do SINGREH; aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso, dentre outras competências56.

Destarte, o CNRH é gerido por um Presidente, que é o Ministro do Meio Ambiente, além de figurar na gestão um Secretário Executivo, o qual faz parte da estrutura do Ministério do Meio Ambiente57.

Enfim, o CNRH é uma instituição de instância recursal administrativo-hídrica, que visa não somente a recomposição de conflitos hídricos, mas também desempenha funções articuladoras, deliberativas e normativas. Adverte-se, inclusive, que quaisquer das partes (atores sociais), insatisfeitas com as decisões dos comitês (instância inferior ou de primeiro grau) e dos conselhos (instância superior ou de segundo grau), poderão recorrer diretamente à instituição do Poder Judiciário para dirimir tais conflitos, sem a necessidade de aguardar a decisão definitiva dos comitês ou dos conselhos (federal, estaduais ou distrital).

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