• Nenhum resultado encontrado

Direito internacional dos direitos humanos, direito constitucional brasileiro e as águas pátrias

No documento Future law (páginas 30-33)

Maria de Fátima Nóbrega Barbosa 2 1 Introdução

4. Direito internacional dos direitos humanos, direito constitucional brasileiro e as águas pátrias

O Direito Internacional dos Direitos Humanos burilado pela mais ampla instituição mundial, qual seja, a Organização das Nações Unidas, doravante denominada tão somente de ONU, na reunião plenária108ª da Assembleia Geral, datada de 20 de julho de 2010, por meio de Resolução A/64/292, recordando uma série de legislações internacionais hídricas; relembrando também a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; além de observar as resoluções anteriores do Conselho de Direitos Humanos sobre o acesso à água potável e ao saneamento, profundamente preocupado com o não acesso à água de beber e ao saneamento básico para todas as pessoas do planeta, visando, pois, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; reconheceu o direito à água potável segura e limpa

e ao saneamento como direito humano, que é essencial para o pleno gozo da vida e de

todos os direitos humanos. Assim, conclamou os Estados e as organizações internacionais a prestarem recursos financeiros, capacitação e transferência de tecnologia, por intermédio de assistência e cooperação, em especial aos países em desenvolvimento, com o propósito de ofertar água potável segura, limpa, e acessível saneamento para todos24.

Desta maneira, a ONU, ao reconhecer a água como direito humano, alargou o debate entre o direito internacional e o direito interno, ao menos em nosso país. De um lado, os defensores do direito internacional dos direito humanos, ancorados na I Conferência Mundial de Direitos Humanos em 1968, na cidade de Teerã, e na II Conferência Mundial de Direitos Humanos em 1993, na cidade de Viena, afirmam que foram implementados, reavaliados e aperfeiçoados os mecanismos de proteção internacional dos direitos humanos, trazendo consigo dilemas e desafios. Asseveram que os Tratados de Proteção dos Direitos Humanos são superiores aos ordenamentos

24 Vide Resolução A/64/292 da ONU, a qual aprovou em Assembleia Geral, em 28/julho/2010, a Água e o Saneamento como Direito Humano. <Disponível em http://www.un.org/en/ga/64/resolutions.shtml>. Acesso em 4 jul. 2017.

Águas do Brasil: direito internacional dos direitos humanos...

31

jurídicos internos, daí porque os poderes instituídos executivo, legislativo e judiciário devem respeitar as normas cogentes internacionais em matéria de direitos humanos25.

Por outro lado, há aqueles que propugnam pela prevalência do direito constitucional interno do país.

No que tange ao direito de águas do Brasil, o debate é imprescindível, ainda que renomados doutrinadores digam que a diatribe entre o monismo e o dualismo se mostra ultrapassada na área dos direitos humanos26. O direito humano à água (aprovado pelo

Direito Internacional dos Direitos Humanos) não vem sendo reconhecido pelo ordenamento jurídico interno pátrio como um direito autoaplicável. Das duas, uma: ou os poderes instituídos do Brasil vêm descumprindo normas do direito internacional, ou vem prevalecendo o entendimento interpretativo tradicional, pois apesar do direito humano à água ter sido aprovado por 122 votos a favor, 4 abstenções e nenhum voto contrário, tal direito ainda não figura em nosso país como um direito autoaplicável, tornando-se necessário para ser efetivamente aceito, seguir as exigências previstas no direito interno – adicionando a este todaburocracia e morosidade do formalismo

jurídico.

Um importante jusinternacionalista advoga a tese da antinomia entre o direito internacional e o direito interno, devido à proliferação de normas que brotam no âmbito internacional e brasileiro. Argumenta acerca da ocorrência de conflitos, especificamente na esfera da proteção de Direitos Internacional de Direitos Humanos. Aduz, pois, que acontecem conflitos de normas internacionais entre si, conflitos de normas internas entre si, e também conflitos entre uma norma internacional com outra interna27. Outro

jurista nos apresenta diferença entre a aplicabilidade de um tratado de direitos humanos e o direito nacional. Atesta, inclusive, que há constituições que partem da premissa de que o direito internacional e o direito pátrio formam uma ordem jurídica uniforme (monismo)28. Algumas das teses mostram-se favoráveis ao predomínio do Direito

Internacional Público, outras acatam o império Direito Interno. Todavia, mais das vezes estabelecem um pacto entre as duas posições extremadas. Por outro lado, grande parte dos documentos constitucionais interpretam o direito internacional e o direito interno como duas ordens jurídicas autônomas (dualismo)29. Daí, enquanto determinados

legisladores defendem uma posição harmônica ao direito internacional – por exemplo, acatam sem pestanejar a introdução da norma alienígena no sistema jurídico pátrio - outros exigem de forma cogente um ato jurídico, como verbi gratia, uma lei de aprovação, para que se declare a aplicabilidade do acordo internacional na seara nacional30.

25 TRINDADE (1998), pp. 19-20.

26 Ver por todos TRINDADE (2003), p. 40. 27 Nesse sentido MAZZUOLI (2010), pp. 66-67. 28 PETERKE (2009), pp. 111-112.

29 Ibidem, p. 112. 30 Ibidem, p. 112.

32

Por seu turno, preleciona Cançado que a responsabilidade primária e a proteção na atenção dos direitos humanos devem ser dos Estados, uma vez que tais pessoas jurídicas públicas se obrigaram a respeitar, assegurar e dar cabo de medidas protetivas, adequando, pois, o ordenamento jurídico interno à norma internacional de proteção. Quanto ao Poder Executivo, exige-se ações administrativas para dar seguimento àquelas obrigações. No que tange ao Poder Legislativo, deve realizar atos de tramitação legal sobre direitos humanos, cujo escopo permita a eficácia e efetividade das normas internacionais na seara interna. No tocante ao Poder Judiciário, compete garantir que as normas internacionais sejam fielmente introduzidas e aplicadas internamente31.

Contudo, no Brasil não é esse o entendimento das instituições públicas, quer sejam os poderes instituídos, a saber: executivo, legislativo, judiciário, quer sejam os órgãos “quase-personalizados”. Em nossos limites territoriais, ainda se espera posições dos Tribunais Superiores, especificamente do Supremo Tribunal Federal, os quais em face dos seus arranjos-estruturais carecerem de agilidades, bem como de decisões intercambiáveis satisfatórias entre o Direito Internacional de Direitos Humanos e o Direito Constitucional Brasileiro, que obrigaria o imediato reconhecimento e cumprimento do direito humano à água em nosso país.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos é atualmente um ramo autônomo da ciência jurídica, o qual se apresenta como direito de proteção, carreado por meio de uma lógica genuína, dirigido à salvaguarda dos direitos dos seres humanos e não dos Estados. De um ângulo, contém um cipoal de normas que exigem interpretações; por outro prisma, requer muitos mecanismos – de petições ou denúncias, relatórios e investigações – que lhe são peculiares para alcançar seus intentos. Tal confluência de normas e mecanismos operacionais garantem a proteção dos seres humanos e dos bens reconhecidos como humanos, na esfera nacional e internacional32.

Neste diapasão, propugna-se então no locus Brasil, por um sustentável paradigma jurídico, centrado em determinados caracteres, a dizer: a) o trapézio (ao invés de pirâmide) em sua relação com a Constituição Federal Brasileira – C.F./88 – e os tratados internacionais de direitos humanos no ápice da ordem jurídica, até porque a C.F./88 elenca em seu bojo cláusulas abertas, as quais possibilitam a conexão entre a ordem constitucional e a ordem internacional, principalmente na seara dos direitos humanos33; b) Acolher a abertura do direito (interno e externo), facultando a

comunicação entre jurisdições, trocas constitucionais e interdisplinariedade, aumentando o diálogo entre saberes e atores sociais34. Tal postura quiçá fortalecerá o

sistema jurídico pátrio, e consequentemente, contribuirá com o pleno acatamento do direito humano à água no Brasil, sem a necessidade de resgatar todo o aparato jurídico tradicional do direito interno. Outrossim, a C.F. (1988) grafa no Art. 5º, § 3º, que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,

31 TRINDADE (1998), pp. 23-24. 32 TRINDADE (2003), pp. 38-39. 33 PIOVESAN (2013), p. 17-18. 34 Ibidem, p. 18.

Águas do Brasil: direito internacional dos direitos humanos...

33

em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Entretanto, a interpretação desse preceito não é uníssona, e sim controversa, uma vez que o próprio Supremo Tribunal Federal firma posicionamento dúbio quanto à matéria. Enfim, a C.F./88 segue o modelo dualista. Logo, os tratados internacionais sobre direitos humanos não são automaticamente aplicáveis, mas precisam ser aprovados no âmbito interno e efetivado pelo executivo35.

No documento Future law (páginas 30-33)

Outline

Documentos relacionados