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O princípio da autonomia nacional institucional e procedimental na recuperação dos auxílios de Estado de natureza ilegal

No documento Future law (páginas 108-111)

A OBRIGAÇÃO DE RECUPERAÇÃO DOS AUXÍLIOS DE ESTADO DE NATUREZA FISCAL DECLARADOS ILEGAIS NA UNIÃO EUROPEIA

3. O princípio da autonomia nacional institucional e procedimental na recuperação dos auxílios de Estado de natureza ilegal

No sentido do que expressa PEREIRA (2015), p. 84, as decisões pelas quais a Comissão ordena a recuperação de auxílios de Estado são obrigatórias em todos os seus aspetos para o Estado-membro afetado por tal decisão embora não constituam um título executivo diretamente no ordenamento do Estado-membro afetado. Esta decisão titul um crédito a favor do Estado-membro recaindo a obrigação de efetuar o pagamento da dívida sobre um particular [o(s) beneficiário(s) do auxílio a recuperar].

Quanto ao procedimento a seguir para o reembolso do auxílio ilegal, e de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 14.º do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho, na medida em que não se encontra definido um procedimento próprio a nível da UE, o legislador faz uma remissão para as normas de direito interno de cada Estado-membro, estabelecendo que «(…) a recuperação será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados-membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação comunitária.».

Ou seja, na medida em que a Comissão não tem poderes de execução, cabe aos Estados-membros executar e tornar efetiva a decisão de recuperação do auxílio ilegal, fazendo-o de acordo com a sua legislação interna na medida em que a Comissão apenas está vinculada ao Direito da UE. Está, pois, consagrado, neste domínio, o princípio da autonomia nacional29 que implica a liberdade de atuação para os Estados-membros no que respeita à

aplicação do Direito da UE numa dupla vertente: por um lado, no aspeto institucional, no que respeita à faculdade dos Estados determinarem a quem corresponde a execução do ordenamento da UE; por outro, na componente procedimental, uma vez que cabe ao Estado-membro eleger o procedimento mais apropriado para a execução da decisão de recuperação de um auxílio de Estado ilegal.

No entanto, embora os Estados-membros possam escolher, em conformidade com o respetivo direito nacional, os meios que utilizam para aplicar as decisões de recuperação, as medidas adotadas devem permitir o pleno cumprimento da decisão de recuperação. Por conseguinte, é necessário que as medidas nacionais tomadas pelos Estados-membros permitam uma execução imediata e efetiva da decisão da Comissão30.

29 O princípio da autonomia nacional institucional e procedimental é uma consequência da obrigação dos Estados-membros garantirem o cumprimento dos deveres resultantes do ordenamento jurídico da UE, conforme já salientou o TJUE (vejam-se, designadamente, os acórdãos de 11/02/1971, proc. C-39/70; de 27/10/1971, proc. C-6/71; de 15/12/1971, proc.acum. C-51 a 54/71). PÉREZ BERNABEU (2013), p. 26 considera que este princípio não deve ser entendido como absoluto na medida em que é necessário respeitar os princípios da primazia do ordenamento da UE sobre o ordenamento interno e de eficácia direta daquele ordenamento sobre os ordenamentos nacionais.

30 COMISSÃO EUROPEIA: Comunicação da Comissão - Para uma aplicação efectiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados-Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis, 2007/C 272/05, JO n.º C 272, de 15/11/2007.

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CROIZIER (1993), p. 81 evidencia que se trata de uma situação complicada na medida em que «O Estado condenado deve, ele próprio, executar a sua pena» o que poderá conduzir a maiores dificuldades na efetivação da ordem de recuperação, sendo frequente verificar que os Estados-membros resistem ou não dão prioridade à recuperação31.

ORTEGA GUÍO (2012), p. 109, realça que no domínio fiscal é frequente que uma medida não seja considerada como auxílio de Estado pelo Estado-membro que, como tal, a aplica sem prévia notificação, vindo posteriormente a ser catalogada como auxílio ilegal após um procedimento de investigação formal, quando já está a ser efetivamente aplicada. Assim, «En consecuencia, la problemática de las ayudas de estado a través de medidas fiscales gira entorno a cuestiones relacionadas con las ayudas ilegales y la recuperación de la deuda».

PEREIRA (2015), p. 9 realça que este regime tem como protagonistas os Estados- membros mas, no entanto, no caso de se verificar a declaração de um auxílio de Estado ilegal e incompatível com o mercado interno, poucos efeitos tem para o Estado-membro projetando-se esses efeitos maioritariamente nas empresas beneficiárias de benefícios fiscais declarados ilegais e incompatíveis e que se verão, salvo casos excecionais, submetidas à ordem de devolução dos benefícios de que usufruíram32.

NAVARRO FAURE (2010), p. 1087 reforça que, no caso dos auxílios de Estado de natureza fiscal, a recuperação assume a particularidade de não dizer respeito a uma saída de fundos públicos (como no caso de subvenções) mas sim a exigibilidade de receitas fiscais que, por via do auxílio concedido, não chegaram a ser cobradas. Poderá, assim, no plano fiscal, a recuperação dos auxílios de Estado declarados ilegais, pressupor a retificação de liquidações já realizadas ou então a exigência de novas obrigações fiscais. SOLER ROCH (2006), p. 20 considera que falar de devolução no caso de medidas fiscais seletivas pode ser, em princípio, paradoxal, na medida em que não houve uma transferência de fundos públicos no sentido que essa transferência pressupõe quando se fala, por exemplo, da atribuição de subvenções. Assim, continua a autora, no caso de medidas fiscais selectivas,

«(…) la «devolución de la ayuda ilegítima» consiste en el devengo de las obligaciones tributarias no exigidas en su momento o exigibles en menor cuantía por efecto del beneficio o ventaja fiscal correspondiente en cada caso; por ello, creo preferible hablar, en estos casos de recuperación de la ayuda ilegítima,

31 Em 2007, a Comissão (2007) sublinhava que «As informações recolhidas pela Comissão nos últimos anos revelam que existem motivos para considerar a situação verdadeiramente preocupante. A experiência revela que não existe praticamente nenhum caso em que a recuperação tenha sido concluída dentro do prazo fixado na respetiva decisão. As recentes edições do Painel dos Auxílios Estatais demonstram que 45% das decisões de recuperação adotadas em 2000 e 2001 não tinham ainda sido executadas em Junho de 2006».

32 Como salientam GARCÍA NOVOA & LÓPEZ GÓMEZ (2014), p. 8, a propósito da recuperação dos auxílios ilegais no âmbito do regime conhecido como Tax Lease espanhol, «Los destinatarios de la Decisión son los Estados, pero la orden de recuperación se ejecutará, obviamente, sobre los declarados por la Decisión como beneficiarios de las ayudas, y singularmente, sobre los inversores. Sin embargo estos no tienen una obligación per se de calcular su impacto sino que este importe será calculado por la AEAT dentro de un procedimiento de comprobación e inspección tributaria, como así está siendo».

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recuperación que, en la práctica, presenta problemas y perfiles específicos distintos de los que implica el reintegro de subvenciones».

A descentralização do procedimento de recuperação, através das distintas normas nacionais dos Estados-membros, com as divergências existentes e a ampla margem de manobra que confere aos Estados-membros tem um risco na medida em que pode desvirtuar o objetivo superior de reestabelecer a situação de concorrência no Mercado interno e, desta forma, colocar em causa a eficácia da política de controlo dos auxílios de Estado na UE33.

PÉREZ BERNABEU (2013), pp. 26,34-42 fala de duas possíveis vias para resolver o problema da heterogeneidade das normas nacionais de procedimento e as dificuldades que dela resultam: uma via harmonizadora ou uma via que reconheça a aplicação direta da norma da UE de forma a que as normas nacionais apenas sejam aplicáveis nos casos em que não se oponham à norma da UE. No que respeita à primeira, como qualquer intento de harmonização, as suas consequências ao nível da perda de soberania por parte dos Estados- membros pode torná-la uma solução difícil de levar à prática34. Assim, a autora defende a

segunda via, no sentido de uma manifestação do princípio da subsidiariedade no âmbito do controlo dos auxílios estatais. No entanto, tal exige a existência de uma norma procedimental aplicável à recuperação dos auxílios de Estado ilegais no âmbito da UE e a mesma não existe35.

Conforme já destacamos, em nada ajuda, quanto à efetiva recuperação dos auxílios ilegais, a inexistência de um procedimento uniforme, definido a nível da UE, com vista a tal recuperação. Mesmo internamente, em cada Estado-membro, na maior parte dos casos não existe um procedimento definido e estruturado nesse sentido mas apenas atos ad hoc adotados quando necessário e em função das circunstâncias36.

Não podemos deixar de notar que, recentemente, o Estado espanhol adotou um procedimento interno de recuperação dos auxílios de Estado de natureza tributária. Trata- se da Ley 34/2015, de 21 de setembro, que modificou parcialmente a Ley 58/2003, de 17 de dezembro (Ley General Tributária espanhola), através da introdução de um novo título VII (artigos 260 a 271) que regula este novo procedimento interno. Desta forma, como explica a exposição de motivos da alteração, o Estado espanhol pretendeu por fim ao vazio legal existente, uma vez que a legislação interna espanhola não previa até àquele momento,

33 Nesse sentido, MARAÑÓN HERMOSO (2003). 34 PÉREZ BERNABEU (2013), p. 26.

35 Neste sentido, a autora considera que a Comissão, consciente das dificuldades inerentes à heterogeneidade de normas nacionais e à concretização de uma harmonização por via legislativa, poderá estar a levar a cabo uma harmonização encoberta mediante o recurso a instrumentos de soft

law (Comunicações da Comissão, por exemplo).

36 Como salienta LUJA (2005), p. 569 «In order to stimulate prompt compliance, the author submits that consideration should be given to introducing a directive that requires every Member State to have an effective State aid recovery procedure in place instead of implementing ad hoc measures after the receipt of an order to recover State aid. An existing procedure could reduce the time required to comply with a recovery decision, whilst, in the meantime, providing some safeguards for the recipient of the State aid by, for instance, establishing a framework to determine the exact amount to be recovered (if not already determined by the Commission)».

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111 nenhum procedimento que servisse esse efeito37.

4. Outros problemas que se levantam na recuperação de auxílios de Estado

No documento Future law (páginas 108-111)

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