• Nenhum resultado encontrado

A declaração de ilegalidade e a obrigação de recuperação dos auxílios declarados ilegais

No documento Future law (páginas 101-108)

A OBRIGAÇÃO DE RECUPERAÇÃO DOS AUXÍLIOS DE ESTADO DE NATUREZA FISCAL DECLARADOS ILEGAIS NA UNIÃO EUROPEIA

2. A declaração de ilegalidade e a obrigação de recuperação dos auxílios declarados ilegais

O Tratado não faz nenhuma referência expressa a auxílios ilegais. Estes surgem como uma consequência da violação da obrigação de notificação dos auxílios novos e a primeira referência a este tipo de auxílios surge através de construção jurisprudencial5.

São dois os fundamentos que permitem qualificar um auxílio de Estado como ilegal, como salienta BURLADA ECHEVESTE (2007), pp. 32-33

«(…) una ayuda de Estado es ilegal cuando se ha concedido u otorgado en un momento previo a su notificación (aunque existiesen dudas sobre su naturaleza como ayuda) o cuando se ha concedido después de haber sido notificada pero antes de que la Comisión haya adoptado una Decisión final al respecto. Es decir, una ayuda se considera otorgada de manera ilegal cuando no sea respetada la cláusula de efecto suspensivo del artículo 3 del Reglamento (“standstill clause”)».

Assim, nos termos da alínea f) do artigo 1.º do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho, são auxílios ilegais os novos auxílios executados em violação do previsto no n.º 3 do artigo 108.º do TFUE, isto é, os auxílios executados sem que tenham sido notificados ou, quando notificados, que tenham sido executados antes que a Comissão se tenha pronunciado sobre o mesmo. Note-se que o carácter ilegal de um auxílio não pressupõe a sua incompatibilidade; ou seja, ilegalidade não é a mesma coisa que incompatibilidade de um auxílio6.

Como forma de permitir o controlo dos auxílios que são concedidos pelos Estados- membros, o regime dos auxílios de Estado na UE assenta, para além do princípio geral de proibição, num outro pilar: o da notificação7. O procedimento aplicável aos auxílios

notificados parte do disposto no n.º 3 do artigo 108.º do TFUE, do qual decorre a obrigação de «(…) a Comissão ser informada atempadamente dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios (…)» e encontra-se concretizado no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho. Trata-se do procedimento mais habitual, de natureza preventiva, e que serve de eixo central do controlo dos auxílios de Estado8 pelo

5 Ac. do TJUE de 02/07/1974, proc. 173/73, § 14-16.

6 «A noção de ilegalidade não se confunde com a de incompatibilidade. A ilegalidade (por vezes, designada irregularidade) do auxílio é uma noção processual, a incompatibilidade uma noção substancial. A primeira reenvia para a questão de saber de, independentemente dos seus efeitos sobre a concorrência, a concessão de um auxílio ao beneficiário foi efectuada ou não de acordo com as regras processuais previstas no artigo 88.º (a. n. 93.º) [actual artigo 108.º do TFUE] do Tratado. A segunda implica a análise dos efeitos do auxílio sobre a concorrência e do seu contributo para o desenvolvimento da Comunidade.» cfr. SANTOS (2003), p. 60. O autor assinala ainda a independência entre os dois conceitos, um não implica necessariamente o outro, e as consequências importantes da distinção: na apreciação da primeira verifica-se uma partilha de competências entre a Comissão e os Tribunais nacionais dos Estados-membros enquanto que a apreciação da segunda é da exclusiva competência da Comissão [p. 261].

Vejam-se, designadamente os acórdãos do TJUE de 14/02/1990, proc. 301/87, § 11 e de 21/03/1990, proc. 142/87, § 20.

7 MORENO GONZÁLEZ (2015) considera que a recuperação dos auxílios ilegais e incompatíveis constitui a pedra angular de todo o sistema de controlo dos auxílios de Estado na UE.

102

qual as autoridades nacionais estão obrigadas a notificar, atempadamente, todos os auxílios de Estado que pretendam conceder às empresas, verificando-se a impossibilidade de efetivarem qualquer auxílio antes que a Comissão o autorize, expressa ou tacitamente. Trata-se de um sistema baseado numa estreita cooperação entre a Comissão e as Administrações nacionais dos Estados-membros, que se tem revelado relativamente aceitável no seu funcionamento9. GYSELEN (1993), p. 417 salienta que do n.º 3 do artigo

108.º do TFUE decorre uma tripla exigência de transparência para as autoridades de qualquer Estado-membro que pretenda outorgar um auxílio de Estado:

«(…) a) celle de permettre à la Commission d’entamer son appréciation en pleine connaissance de cause (art. 93, § 3, [actual art. 108.º, n.º 3 do TFUE] première phrase); b) celle d’alerter l’entreprise bénéficiaire du caractère précaire de l’aide projetée tant que la Commission ne l’a pás autorisée (art. 93, § 3, [actual art. 108.º, n.º 3 do TFUE] dernière phrase) et c) celle de garantir aux autres tiers qu’aucune distortion de concurrence ne se produira tant que la Commission n’a pás pris sa décision finale (art. 93, § 3, [actual art. 108.º, n.º 3 do TFUE] dernière phrase)».

Conforme salienta PEREIRA (2015), p. 4, estamos perante auxílios ilegais quando a execução de algum auxílio não foi previamente notificado à Comissão e, assim, não foi objeto de análise por parte desta, ou também nos casos em que o auxílio foi notificado mas foi executado antes da decisão da Comissão. O auxílio é considerado ilegal porque foi executado em violação de uma obrigação do Estado-membro: seja a violação da obrigação de notificação, seja a violação da obrigação de espera (cláusula de efeito suspensivo (stand

still)).

Quando se trate de auxílios que não foram notificados pelo respetivo Estado- membro, para que a Comissão tenha conhecimento da sua existência há-de recorrer a outras fontes, sob o exercício da sua atividade de controlo dos auxílios de Estado, conforme previsto no artigo 108.º do TFUE, e do cumprimento do seu dever de vigilância que decorre do n.º 1 do artigo 17.º do TFUE «(…) A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia. (…)». Nestes casos, a informação chega ao conhecimento da Comissão, regra geral, através de terceiros: sejam concorrentes da empresa beneficiária do auxílio, que representam os principais afetados pela concessão do auxílio e, como tal, são os maiores interessados em que a Comissão possa agir relativamente ao auxílio em questão10; sejam as autoridades dos outros

9 PORTO & NOGUEIRA DE ALMEIDA (2006), p. 181 onde os autores fazem uma análise resumida da evolução deste procedimento no período 2003-2005.

10 Tomem-se os seguintes exemplos: denúncia apresentada por diversos produtores franceses de adubos azotados contra um sistema de tarifas preferencial aplicado pelos Países Baixos, em favor dos produtores neerlandeses de adubos azotados, para os fornecimentos de gás natural destinado ao fabrico de amoníaco [ac. do TJUE de 12/07/1990, proc. 169/84]; denúncia apresentada pela SIC — Sociedade Independente de Comunicação, SA (empresa de televisão privada portuguesa) contra as formas de financiamento dos canais explorados pela RTP (Radiotelevisão Portuguesa, SA, empresa pública de televisão portuguesa) [ac. do TGUE de 10/05/2000, proc. T-46/97]; a Comissão tomou conhecimento por um artigo na imprensa que reproduzia uma declaração de um diretor do grupo a que pertence a Siemens que esta última empresa projetava realizar um investimento de 4 563,7 milhões de ATS em Villach, em consequência de o Governo federal austríaco, o Land de

A obrigação de recuperação dos auxílios de estado...

103

Estados-membros, os quais também são visados pela concessão de auxílios não autorizados e que, como tal, podem pôr em causa a concorrência dentro do espaço da UE, afetando a sua economia e as suas empresas, principalmente as que são concorrentes da empresa beneficiária da medida; seja de qualquer outra forma, como por exemplo através de informações veiculadas pela imprensa acerca de um auxílio concedido por determinado Estado-membro11.

A consequência lógica da declaração de ilegalidade de um auxílio de Estado é a sua recuperação como forma de restaurar as condições de concorrência existentes antes da sua concessão. Como salienta ORENA DOMÍNGUEZ (2013), p. 1

«Si las ayudas de Estado ilegales e incompatibles están prohibidas es porque distorsionan la competencia en la medida en que afecten a los intercambios comerciales entre Estados miembros. Por ello, resulta necesario que, una vez que determinadas medidas hayan sido calificadas como ayudas de Estado, sean objeto de recuperación, puesto que lo contrario supondría que la situación de distorsión de competencia entre las empresas se perpetúe en el tiempo. Es decir, de nada serviría su calificación como ayudas de Estado si no se exige su recuperación porque precisamente lo que el TUE pretende es que en ningún momento se produzcan situaciones que distorsionen el marco de competitividad».

De facto, conforme resulta da primeira jurisprudência sobre esta matéria «(…) ao verificar a incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum, a Comissão é competente para decidir se o Estado interessado deve suprimi-la ou modificá-la. Para produzir um efeito útil, esta supressão ou modificação deve incluir a obrigação de exigir o reembolso de auxílios concedidos em violação do Tratado, de modo que, na ausência de tais medidas, a Comissão pode recorrer ao Tribunal»12.

Relativamente aos novos projetos de auxílios notificados verificamos a existência de uma cláusula suspensiva (standstill – artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 659/99 do Conselho) que visa que o auxílio não seja executado enquanto não for objeto de uma decisão por parte da Comissão.

Caríntia e a comuna de Villach terem enviado à Siemens uma promessa escrita de auxílio de 371 milhões de ATS. Aliás, um diário publicara já, em 5 de Abril de 1995, a informação de que o chanceler austríaco «fizera uma promessa de princípio» relativamente à concessão desse auxílio à Siemens [ac. do TJUE de 15/02/2001, proc. C-99/98].

11 Veja-se o caso português dos auxílios decorrentes da aplicação do regime que adapta o sistema fiscal português às especificidades da Região Autónoma dos Açores no que se refere às reduções das taxas do imposto sobre o rendimento. Neste caso, o governo português apenas notificou este regime à Comissão em Janeiro de 2000, depois de para tal ter sido interpelado pela Comissão, em resposta a um pedido de informações desta, datado de Dezembro de 1999. A Comissão dirigiu este pedido ao governo português na medida em que teve conhecimento da aplicação daquele regime fiscal através de artigos que surgiram na imprensa, e, por esse conhecimento, inscreveu o auxílio em causa no registo dos auxílios não notificados [COMISSÃO EUROPEIA: Decisão n.º 2003/442/CE, de 11/12/2002, relativa à parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores referente à vertente das reduções das taxas do imposto sobre o rendimento, notificada com o número C(2002) 4487, JO n.º L 150, de 18/06/2003].

104

Ora, tal não será possível relativamente aos auxílios ilegais na medida em que o que os caracteriza é, efetivamente, o facto de terem sido executados sem serem notificados ou, quando notificados, que tenham sido executados antes que a Comissão se tenha pronunciado sobre os mesmos.

No entanto, de forma análoga àquela cláusula suspensiva, está previsto, para os auxílios ilegais, a possibilidade de o suspender até que haja uma decisão. Assim, decorre do número 1 do artigo 11.º do Regulamento (CE) n.º 659/99 do Conselho que, depois da Comissão ter dado ao Estado-membro a oportunidade de apresentar as suas observações no sentido de ser efetuada a análise do auxílio em causa, a Comissão pode decidir, como medida de natureza preventiva, ordenar ao Estado-membro implicado a suspensão da execução de qualquer auxílio ilegal até que sobre o mesmo haja uma decisão quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. Esta decisão é denominada de “injunção de suspensão”13.

Nos termos do número 2 do mesmo artigo, a Comissão pode ainda decidir ordenar ao Estado-membro, através de uma “injunção de recuperação”14, que recupere

provisoriamente qualquer auxílio ilegal até que relativamente ao mesmo tome uma decisão quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. Para que tal aconteça têm que estar reunidas determinadas condições: não haver dúvidas sobre o carácter de auxílio da medida em causa; haver urgência na ação; e haver sério risco de prejuízos substanciais e irreparáveis a um concorrente. Nestes casos, a recuperação deverá ser realizada de acordo com o previsto para o procedimento de recuperação de auxílios (números 2 e 3 do artigo 14.º daquele Regulamento), procedimento que analisaremos com maior detalhe no ponto seguinte. Verificando-se a efetiva recuperação do auxílio, será adotada uma decisão por parte da Comissão, dentro dos mesmos prazos aplicáveis no âmbito do procedimento aplicável aos projetos de auxílios notificados.

No caso de incumprimento, por parte de um Estado-membro, de uma injunção de suspensão ou de uma injunção de recuperação do auxílio, a Comissão pode, sem prejuízo de continuar com o exame da medida com base nas informações disponíveis, recorrer ao Tribunal de Justiça, através de um recurso por incumprimento, para que declare que tal incumprimento resulta numa violação do Tratado, conforme resulta do artigo 12.º do

13 Mesmo antes da aplicação do Regulamento (CE) n.º 659/99 do Conselho, o TJUE já tinha previsto a possibilidade de a Comissão declarar, como medida cautelar, a suspensão da outorga de auxílios considerados ilegais «Por conseguinte, a Comissão, quando verifica que um auxílio foi instituído ou alterado sem ter sido notificado, pode, após ter dado ao Estado-membro em causa a possibilidade de apresentar observações, intimá-lo, através de uma decisão provisória e enquanto aguarda o resultado do exame do auxílio, a que suspenda imediatamente o pagamento deste e que forneça à Comissão, no prazo por ela fixado, todos os documentos, informações e dados necessários à análise da compatibilidade do auxílio com o mercado comum.» [Cfr. ac. do TJUE de 14/02/1990, proc. 301/87, § 19 – trata-se do acórdão relativo ao caso Boussac, daí esta injunção ter ficado conhecida como injunção Boussac].

14 Esta teve origem numa Comunicação da Comissão de 1995 [COMISSÃO EUROPEIA: Comunicação da Comissão aos Estados-membros, 95/C 156/05, JO n.º C 156 de 22/06/1995] e que nunca chegou a ser usada por haver dúvidas quanto à sua conformidade com algumas decisões jurisprudenciais, designadamente com o caso Boussac (proc. 301/87) e SFEI (proc. C-39/94).

A obrigação de recuperação dos auxílios de estado...

105 Regulamento (CE) n.º 659/99 do Conselho.

O TJUE reconheceu efeito direto à última frase do n.º 3 do artigo 108.º do TFUE. Em geral o regime jurídico dos auxílios de Estado na UE não goza de efeito direto. No entanto, nesta situação em particular, quando um Estado-membro não notifique um projeto de auxílio ou, tendo-o notificado, não respeite a cláusula de efeito suspensivo, executando o auxílio antes de o mesmo ter sido autorizado pela Comissão, os particulares têm direito a, junto dos tribunais nacionais, solicitar a declaração, com base no Direito interno do respetivo Estado-membro, da invalidade das medidas que consubstanciam a execução do auxílio e a recuperação do mesmo15. Não se trata, no entanto, de conceder aos tribunais

nacionais competência para decidir sobre a compatibilidade ou não de um auxílio de Estado ilegal. Tal competência pertence exclusivamente à Comissão. Ao Tribunal nacional cabe apenas evitar a execução das medidas até que a Comissão se pronuncie sobre as mesmas16.

Nestes casos, se a medida vier a ser declarada compatível pela Comissão, esta declaração de compatibilidade não anula as eventuais decisões dos Tribunais nacionais sobre aquele auxílio. Cabe a estes atuar no sentido de regularizar a situação de forma a permitir a execução dos auxílios ilegais declarados compatíveis pela Comissão17.

O artigo 14.º do do Regulamento (CE) n.º 659/99 do Conselho prevê o enquadramento essencial relativo ao sistema de recuperação dos auxílios de Estado ilegais, consagrando, nesse âmbito, o princípio da autonomia procedimental e institucional, isto é, deverá ser o Estado afetado a tomar as medidas necessárias para levar a cabo a efetiva recuperação do auxílio junto dos seus beneficiários, de acordo com a legislação nacional. A obrigação de recuperação assenta, pois, no princípio do efeito útil, isto é, a declaração de incumprimento por aplicação de um auxílio em violação do Tratado de nada serviria se não fosse acompanhada da possibilidade de recuperar esse auxílio18.

A este respeito, PEREIRA (2015), p. 6 salienta a importância da matéria relacionada com a recuperação dos auxílios de Estado declarados ilegais tem vindo a crescer nos últimos anos e, na prática, a efetividade da execução das resoluções relativas à recuperação dos

15 Cfr, entre outros, os acórdãos do TJUE de 15/07/1964, proc. 6-64; de 11/12/1973, proc. 120/73, § 8; de 09/10/1984, proc. acum. 91 e 127/83, § 11; e de 21/11/1991, proc. C-354/90, § 11-12.

16 Ac. do TJUE de 21/11/1991, proc. C-354/90, § 14.

17 Ac. do TJUE de 21/11/1991, proc. C-354/90, § 16-17 e de 21/10/2003, proc. acum. C-261/01 e C-262/01, § 63-64.

18 Como assinala o advogado-geral Walter Van Gerven «Observarei a este respeito que o reembolso do auxílio ilegalmente concedido não constitui uma sanção do meu ponto de vista, e sim uma dívida de direito civil que provém do pagamento ilegal, e portanto indevido, do auxílio (…) e que, enquanto tal, esta dívida pode ser cedida (…). E por isso que considero também que, contrariamente ao que afirma o Governo italiano, não tem qualquer importância que a distorção da concorrência e das trocas comunitárias provocada pela concessão do auxílio não possa ser reparada pela restituição dos montantes pagos ou que o auxílio concedido não possa ter já qualquer efeito no sector automóvel. Como o Tribunal admitiu, o reembolso do auxílio é a consequência lógica da declaração do seu carácter ilegal, e isso, parece, independentemente das consequências que a repetição ou a não repetição possa ainda ter.» [cfr. conclusões daquele advogado-geral no caso C- 305/89, apresentadas em 10/01/1989, § 21]. E o mesmo advogado-geral, no proc. 303/88, «(…) Com efeito, quando esteja provado que o auxílio concedido afectou o mecanismo da concorrência e o comércio interestatal, esse auxílio, efetivamente pago, teve um efeito incompatível com o Tratado e a sua recuperação pode ser exigida, independentemente de quaisquer circunstâncias posteriores (…)» [cfr. conclusões daquele advogado-geral no caso303/88, apresentadas em 11/10/1990, § 23].

106

auxílios ilegais reveste-se de grandes dificuldades. PÉREZ BERNABEU (2013), p. 15, reforça que se trata de um âmbito do direito que ainda não encontrou um equilíbrio satisfatório, equilíbrio esse entre princípios nem sempre fáceis de conjugar: o princípio da efetividade na garantia do cumprimento da proibição estabelecida no TFUE para os auxílios ilegais e a confiança legítima dos beneficiários dos auxílios.

Como assinala o TJUE, «(…) o principal objetivo visado pelo reembolso de um auxílio de Estado pago ilegalmente é eliminar a distorção da concorrência provocada pela vantagem concorrencial proporcionada pelo auxílio ilegal.»19 procurando «(…) o

restabelecimento da situação anterior (…)»20. Na medida em que se pretende restabelecer a

situação anterior, concordamos que a obrigação de reembolso não possa considerar-se também como uma sanção à empresa beneficiária do auxílio21. No entanto, a não

recuperação de auxílios declarados incompatíveis pode condicionar o exame de futuros auxílios [LINARES GIL (2001), p. 48)].

PEREIRA (2015), p. 7 reforça que nos últimos anos é assinalável a importância que a Comissão tem vindo a dar à supervisão dos procedimentos de recuperação dos auxílios ilegais, motivado, certamente, em parte, pela crescente sofisticação dos mecanismos utilizados pelas autoridades nacionais para outorgar auxílios públicos, sofisticação esta que, necessariamente, se manifesta também nos procedimentos de recuperação de auxílios ilegais.

Apesar da importância que assume a recuperação dos auxílios ilegais, na medida em que traduz o instrumento que permite o restabelecimento da situação anterior à sua concessão, não foi definido no Direito da UE um procedimento através do qual deva ser executada esta recuperação22.

Não podendo desenvolver esta temática aprofundadamente neste trabalho, não queremos, no entanto, deixar de realçar que, apesar da obrigatoriedade de recuperação dos auxílios de Estado declarados ilegais, existem exceções a esta obrigação. Em que situações poderá não ocorrer o reembolso do auxílio? Hoje, a obrigação de exigir a restituição dos auxílios ilegais encontra duas únicas exceções em que poderá justificar-se a não recuperação

19 Cfr. ac. do TJUE de 29/04/2004, proc. C-277/00, § 76. No caso Tubemeuse, o TJUE assinalou que «Convém sublinhar, a este respeito, que decorre da jurisprudência do Tribunal (…) que a supressão de um auxílio ilegal mediante recuperação é a consequência lógica da verificação da sua ilegalidade. Por conseguinte, a recuperação de um auxílio estatal ilegalmente concedido, com vista ao restabelecimento da situação anterior, não pode, em princípio, ser considerada como uma medida desproporcionada relativamente aos objectivos das disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado.» [cfr. ac. do TJUE de 21/03/1990, proc. 142/87, § 66. E no mesmo sentido o ac. do TJUE de 14/01/1997, proc. C-169/95, § 47].

20 Cfr. ac. do TJUE de 04/04/1995, proc. C-348/93, § 26.

21 Nesse sentido os acórdãos do TJUE de 17/06/1999, proc. C-75/97, § 65, de 29/04/2004, proc. C-277/00, § 81 e de 29/06/2004, proc. C-110/02, § 41-43.

22 MARCOS MARTÍN (2004), p. 113 assinala a incerteza que continua a existir, ao nível da UE, derivada da inexistência de um procedimento único de reembolso dos auxílios ilegais, na medida

No documento Future law (páginas 101-108)

Outline

Documentos relacionados