Renata Gomes de Albuquerque Sá 1 1 Introdução
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influenciando a legislação tributária da União Europeia e dos mais diversos países do mundo.
No âmbito do direito comunitário, já existe, desde 1997, um Código de Conduta para a fiscalidade das empresas e um grupo de trabalho que fiscalizava a sua implementação. Mais recentemente, foi adotado um pacote de medidas antielisão, o qual inclui recomendações aos países e uma Diretiva específica antielisão.
No entanto, há uma grande preocupação na doutrina, com a qual concordamos, no sentido de as atuais tentativas de cooperação internacional incentivadas pela OCDE no contexto do Plano BEPS acabe por agravar (e não amenizar) a concorrência fiscal internacional prejudicial.
Uma das razões para isso é que as ações propostas ora privilegiam os países da fonte dos rendimentos, ora beneficiam os países da residência, sem definir com mais clareza e especificidade os conceitos de fonte e residência, o que também ocorre no modelo utilizado para as convenções de dupla tributação entre os países, facilitando a manipulação por parte das empresas multinacionais.
Destarte, a OCDE, com essa iniciativa, faz uma presunção (não necessariamente correta) de que todos os países estão interessados nessa coordenação internacional, com a eliminação da dupla tributação e da dupla não tributação internacional, bem como na troca de informações.
Outro importante argumento que concordamos, o qual inclusive foi utilizado pelo Comitê Fiscal da Confederação Fiscal Europeia ao analisar a Diretiva Europeia contra a elisão fiscal, é o de que a implementação das medidas antielisão propostas no plano BEPS e na Diretiva resultará numa fuga das empresas multinacionais para os países com sistemas tributários menos gravosos.
Nesse ínterim, entendemos que a transposição das ações previstas no Plano BEPS nos ordenamentos jurídicos dos países e no âmbito do direito comunitário deve ser feita com cautela, eis que não se pode ignorar a política fiscal de cada país, que utiliza a receita proveniente de seus tributos para atender às necessidades nacionais, bem como a preocupação destes em não se tornar desvantajosos para o investimento estrangeiro.
No que tange ao caso específico de Portugal, foi verificado que o legislador do país já apresentava preocupação com o tema da concorrência fiscal e do combate ao planejamento tributário agressivo muito antes da divulgação dos estudos da OCDE e já antecipou modificações nas leis sobre tais temas mesmo antes das ações propostas no BEPS.
Ao longo do presente trabalho foram demonstradas as alterações legislativas operadas na legislação portuguesa que já atendiam as determinações propostas pelo plano BEPS, especialmente as relativas às ações que tratam da troca de informações entre os países, dos preços de transferência, da limitação dos juros dedutíveis e do combate aos esquemas abusivos praticados pelas empresas.
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Outrossim, não se pode deixar de salientar que o reflexo maior do Plano BEPS em Portugal se deu na mudança de postura da Administração Tributária, que sempre foi objeto de inúmeras críticas por parte de autores e da imprensa do país, por deixar de atuar de forma eficaz no combate ao planejamento fiscal abusivo.
Todavia, a partir de 2011, verificou-se uma mudança de paradigma, a partir do momento em que o combate à fraude e à evasão tributária foram eleitos à categoria de prioridade na política fiscal de Portugal, como uma influência direta da globalização e da necessidade de se resgatar a competitividade portuguesa perante os demais países.
Nesse intuito, foi divulgado em 2012, pelo Ministério das Finanças, do Plano Estratégico de Combate à Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras, para o triênio de 2012 a 2014. Seus resultados se mostraram tímidos no que tange a um aumento de arrecadação de impostos, porém bastante efetivos no que concerne à intensificação da atividade de fiscalização por parte da Administração, tanto que foram feitos novos planos estratégicos para os anos de 2015 a 2017, além de as metas referentes ao triênio 2018-2020 estarem em processo de elaboração.
Com base nesses dados, concluímos que as adaptações do sistema jurídico português ao Plano BEPS não tiveram um reflexo direto nas leis que versam sobre tributação das empresas, diante das reformas do IRC que já caminhavam no mesmo sentido das ações propostas pela OCDE. Destarte, com a intensificação da atuação da Administração Tributária, foi possível notar um aumento na sua estrutura e de suas atividades de fiscalização, o que também resultou em um crescimento, ainda que baixo, da arrecadação no país.
Entretanto, asseveramos que Portugal ainda apresenta poucos atrativos aos investimentos estrangeiros, sendo um dos países que mais tributa as empresas, ao se comparar com a União Europeia, como aferido diante de sua baixa posição nos rankings de competitividade fiscal mencionados no presente estudo.
A experiência atual mostra que, a longo prazo, torna-se necessária mais do que cooperação entre os países, mas uma espécie de regramento fiscal internacional ou, até mesmo o surgimento de um Direito Fiscal Internacional para que verdadeiramente seja atingido o compromisso de desincentivo à concorrência fiscal prejudicial.
Por fim, entendemos que essa uniformização no tratamento da concorrência fiscal entre os países tende a beneficiar Portugal, cuja legislação já vem no mesmo sentido das orientações da OCDE mesmo antes do Plano BEPS, pois essa isonomia pretendida entre os sistemas tributários dos mais diversos países evitará a fuga de capital e de investimentos estrangeiros.
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