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Fenômeno de difusão Mapeamento das leis estaduais de Cultura

No documento Future law (páginas 63-68)

Cácia Pimentel

4. Fenômeno de difusão Mapeamento das leis estaduais de Cultura

A Emenda Constitucional n. 71, de 2012, permitiu que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizem seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias. No entanto, já em 1991, logo após o surgimento da Lei Rouanet, percebeu-se um processo de emulação, em que a maioria dos Estados-membros passou a copiar para seus ordenamentos jurídicos a política pública estabelecida pela lei federal.

Antes de se apresentar os dados quantitativos que estabelecem a ocorrência do fenômeno, é necessário tecer algumas considerações teóricas a respeito da difusão de políticas públicas.

O processo de difusão de políticas públicas é o fenômeno pelo qual as políticas públicas são propagadas por meio da mediação social que ocorre nos sistemas políticos, incluindo processos de comunicação e influência que operam entre as populações-alvo. A clássica definição de Rogers apresenta a difusão como o processo pelo qual uma inovação é comunicada por meio de certos canais através do tempo entre membros de um mesmo sistema social.

17 Bonavides (2015)

18 Sob essa perspectiva, surge a ideia de uma Constituição Dirigente, ou seja, que vincule o legislador e os agentes públicos aos seus preceitos e direitos sociais. Peter Lerche e J.J. Gomes Canotilho desenvolvem essa ideia de diretrizes constitucionais com imposições ao legislador

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Outra definição clássica é a da difusão como um padrão sucessivo ou sequencial da adoção de uma prática, política ou programa, seja entre países ou através de jurisdições subnacionais (Freeman, 2006). Os estudos de difusão iniciam-se em geral pela descrição dos padrões de adoção de certas inovações de policies ao longo do tempo. Assim, são analisados os fatores que servem para o processo de propagação. Em relação às políticas domésticas, a difusão afeta principalmente a fase de agendamento, os estágios da ascensão à agenda governamental e, em um grau menor, afeta também a fase de formulação.

É conhecida como Curva “S” (“S-shaped”) o padrão típico de difusão no qual alguns poucos adotam uma inovação em seus estágios iniciais, o grosso da população segue os primeiros adotantes e, por fim, os poucos restantes ficam de fora. Por sua vez, segundo Rogers (2003) a frequência da distribuição dos novos adotantes em um gráfico mostrará um formato de sino (“Bell Shaped”).

A transferência de políticas públicas é o processo pelo qual os conhecimentos sobre políticas, arranjos administrativos, instituições e ideias em um sistema político são utilizados para o desenvolvimento de políticas, arranjos administrativos, instituições e ideias em outro sistema político. A difusão difere-se das transferências de políticas públicas pelo volume de ocorrências observadas ao longo do tempo. Assim, quando A inovador comunica sua inovação para B, pode se afirmar que houve uma transferência, mas ainda não se pode dizer que houve uma difusão. Apenas quando se percebe uma propagação dessa inovação para outros pontos ou sistemas pode-se afirmar a existência da difusão.

Nos casos de difusão entre países, a possibilidade de ocorrer uma difusão de uma determinada política pública aumenta se a proposta advém de um país culturalmente similar. No entanto, outros fatores também são relevantes: valores, afiliações partidárias, interesses eleitorais, opinião pública. Explica-se, assim, a difusão por três aspectos: fatores institucional, cultural e socioeconômico.

O processo de difusão pode ocorrer de quatro formas: competição (probabilidade de um governo adotar ou não uma política pública, com base no comportamento de outro governo), emulação (cópia das ideias presentes na política pública inovadora), aprendizagem (adoção de uma política pública, com base na análise do sucesso dessa inovação) e coerção (adoção de determinada política pública, em razão de condicionalidades ou imposições de terceiros)19. Richard Freeman complementa,

citando Eyestone, que a propensão de um estado adotar uma política depende de três fatores: certas propriedades intrínsecas da política pública, ideologia política do estado e efeitos de emulação (interação entre as partes).

Carlos Aurélio Pimenta Faria destaca que a variável conhecimento merece lugar de destaque, por causa da interdependência assimétrica, da incerteza e da complexidade das questões que demandam uma regulação. Assim, o autor destaca cinco vertentes

19 Caramani (2014).

A efetividade das políticas públicas culturais...

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analíticas nas políticas públicas: 1. A institucional; 2. A interessada em perceber as formas de atuação e o impacto dos grupos e das redes; 3. As abordagens que dão ênfase aos condicionantes sociais e econômicos no processo de produção das políticas; 4. A teoria da escolha racional; 5. As abordagens que destacam o papel das ideias e do conhecimento (“abordagem praticamente ignorada no país”). Assim, o papel das ideias e do conhecimento é crucial para se entender a formação da agenda. Por fim, o autor registra uma divergência no entendimento sobre a abrangência do termo ideia, que poderia ser uma afirmação de valores, uma solução para problemas públicos ou, ainda, símbolos e imagens que expressam identidades públicas e privadas, concepção de mundo e ideologias.

É de Rogers a classificação dos adotantes em cinco categorias: os inovadores, os primeiros adotantes, a maioria dos adotantes, os adotantes atrasados e os retardatários ou não adotantes. Esse processo é bem percebido na emulação da Lei Rouanet pelos estados-membros. A figura 2 mostra a distribuição da adoção ao longo do tempo: no ano de 1991, o Distrito Federal adotou a inovação, embora a publicação da Lei 158 tenha sido publicada antes mesmo da legislação federal paradigma, cujo projeto de lei encontrava- se em discussão no Congresso Nacional. Entre os anos de 1992 e 1994, classificam-se como primeiros adotantes os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Amapá e Pernambuco. Os primeiros adotantes de leis estaduais tiveram o comportamento político influenciado pelo perfil socioeconômico dominante (concentração de produtores e comunidades culturais e de patrocinadores), e alinhamento ideológico com o governo federal: RJ (1992 PDT), depois AP e PE (1993 PFL) e depois SP (1994 PMDB).

Como maioria adotante, entre os anos de 1995 e 1999, encontram-se os estados do Pará, Ceará, Bahia, Piauí, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Rio Grande do Norte. Por fim, os últimos adotantes, Paraíba, Sergipe, Paraná, Tocantins, Acre, Goiás e Mato Grosso do Sul e, por fim, o estado do Maranhão, como retardatário. Os estados não adotantes foram Amazonas, Rondônia, Roraima, Alagoas e Espírito Santo.

Uma dúvida surgiu durante a análise dos dados das leis estaduais, em referência à qualidade da adoção da inovação pelo Estado do Espírito Santo, ou seja, se se tratava de aprendizado ou de uma nova modalidade de política pública. Isso porque a Lei 10.296, de 2014, do Espírito Santo, institui o Plano Estadual de Cultura e prevê a forma de financiamento e alocação de recursos públicos, no entanto, sem que haja previsão de renúncia fiscal. O mesmo ocorreu com o estado do Alagoas. Alagoas e Espírito Santo adotaram leis de incentivo a cultura em 2002 e 2014, respectivamente, mas que não guardam semelhança com a renúncia fiscal da Lei Rouanet. Sendo assim, decidiu-se por excluir essas leis da análise.

A Lei n. 9.437, de 2011, do Estado do Maranhão, foi a última legislação que surgiu na esteira do modelo federal. Essa lei dispõe sobre a concessão de incentivo fiscal para o contribuinte de ICMs que financiar projeto cultural. Com ela ao final da frequência, percebe-se o formato de sino no gráfico 2.

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Os estados não adotantes de legislação de política cultural são Roraima, Rondônia e Amazonas. Uma variável dependente que explicaria a não adoção é o fato de que a renúncia fiscal impõe a necessidade da presença de uma burocracia estruturada para que faça frente à prestação de contas nos processos culturais de renúncia fiscal (Pronacs), possivelmente insuficiente nesses estados-membros. Outro fato relevante é o perfil socioeconômico e a baixa capacidade fiscal, com uma exígua presença de empresas que tenham interesse ou capacidade econômica de financiamento de projetos culturais.

DIFUSÃO20

REGIÃO ESTADO Ano LEGISLAÇÃO Alinhamento

Federal

1 - Norte Rondônia - RO não adotante não tem

1 - Norte Acre - AC 2005 Lei 1288/99 PT

1 - Norte Amazonas - AM não adotante não tem

1 - Norte Roraima - RR não adotante não tem

1 - Norte Pará - PA 1995 Lei 5885/1995 PSDB

1 - Norte Amapá - AP 1993 Lei 105/1993 PFL

1 - Norte Tocantins - TO 2003 Lei 1402/2003 PFL

2 - Nordeste Maranhão - MA 2011 Lei 9437/2011 PFL

2 - Nordeste Piauí - PI 1997 Lei 4997/1997 PMDB

2 - Nordeste Ceará - CE 1995 Lei 12464/1995 PSDB

2 - Nordeste

Rio Grande do

Norte - RN 1999 Lei 7799/1999 PMDB

2 - Nordeste Paraíba - PB 2000 Lei 6894/2000 PMDB

2 - Nordeste Pernambuco - PE 1993 Lei 11005/1993 PFL

2 - Nordeste Alagoas - AL 2002 PSB

20 ** no DF a Legislação foi publicada antes da Lei Federal (Lei 8313, de 23 de dezembro de 1991, Lei Rouanet)

* ES: A Lei 10296/2014 do Espírito Santo institui o Plano Estadual de Cultura e cria um sistema de financiamento distinto da lei Rouanet

* AL: A Lei 6292/2002 do Alagoas institui o Fundo de Desenvolvimento de Ações Culturais distinto da renuncia da Lei Rouanet

A efetividade das políticas públicas culturais...

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2 - Nordeste Sergipe - SE 2001 Lei 4490/2001 PSDB

2 - Nordeste Bahia - BA 1996 Lei 7015/1996 PFL

3 - Sudeste Minas Gerais - MG 1997 Lei 12733/1997 PSDB

3 - Sudeste Espírito Santo - ES* 2014 Lei 10296/2014 PSB 3 - Sudeste Rio de Janeiro - RJ 1992 Lei 1954/1992 PDT

3 - Sudeste São Paulo - SP 1994 Lei 8819/1994 PMDB

4 - Sul Paraná - PR 2001 Lei 13133/2001 PFL

4 - Sul

Santa Catarina -

SC 1998 Lei 10929/1998 PMDB

4 - Sul

Rio Grande do Sul

- RS 1996 Lei 10846/1996 PMDB 5 - Centro- Oeste Mato Grosso do Sul - MS 2001 Lei 2366/2001 PT 5 - Centro-

Oeste Mato Grosso - MT 1999 Lei 7179/1999 PSDB

5 - Centro-

Oeste Goiás – GO 2000 Lei 13613/2000 PSDB

5 - Centro- Oeste Distrito Federal- DF ** 1991 Lei 158, de 29.07.1991 PTR

Outro dado merece destaque. A Lei Rouanet foi precedida pela Lei 7.505/86, então conhecida como Lei Sarney, que também previa uma possibilidade de renúncia fiscal parcial em favor de patrocinadores de pessoas jurídicas culturais. No entanto, o mecanismo apresentado pela lei precedente era confuso, com distinção entre patrocínio, doação e investimento, sem explicar ao certo as diferenças dessas categorias. A Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, restabeleceu os princípios da lei revogada, porém com uma ampla reestruturação da política de incentivo fiscal, com base na renúncia integral de até 6% do imposto de renda dos patrocinadores de projetos culturais. Essa inovação tornou atrativo o patrocínio pelas empresas por meio da renúncia fiscal.

Em resposta ao amplo debate e apoio da comunidade cultural à época, os estados- membros tomaram conhecimento dessa inovação e perceberam sua compatibilidade e consistência com as demandas e valores da comunidade cultural – reconhecidamente

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uma classe social de forte influência e engajamento político. Essa seria a vantagem relativa da nova lei.

Assim, ocorreu um claro processo de emulação, uma vez que os estados-membros adotaram a inovação de forma adaptada: ao invés de renúncia de IR (imposto próprio da esfera federal), a renúncia fiscal foi em relação aos impostos de competência estadual, principalmente o ICMs. Mas também se percebem os incentivos políticos advindos pela adoção da inovação: o apoio da comunidade cultural, principalmente em períodos eleitorais, devido ao apoio e engajamento político de artistas das mais diferentes linguagens culturais.

Figura 1. The S-Shaped Curve

Figura 2. The Bell-Shaped Graphic

1 2 3 4 5 7 9 1112 14 16 19 1920 20 21 21 21 21 21 2122 22 22 22 1991 1992 1993 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 1 4 9 7 1 1991 1992-1994 1995-1999 2000-2005 2006-2011

Difusão da política cultural da Lei Rouanet para

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