• Nenhum resultado encontrado

Outros problemas que se levantam na recuperação de auxílios de Estado de natureza fiscal declarados ilegais

No documento Future law (páginas 111-115)

A OBRIGAÇÃO DE RECUPERAÇÃO DOS AUXÍLIOS DE ESTADO DE NATUREZA FISCAL DECLARADOS ILEGAIS NA UNIÃO EUROPEIA

4. Outros problemas que se levantam na recuperação de auxílios de Estado de natureza fiscal declarados ilegais

a) A identificação do beneficiário

Para a efetiva e imediata recuperação do auxílio ilegal, o Estado-membro tem que começar por identificar o beneficiário do auxílio pois é este, no final, quem deve proceder à restituição do auxílio recebido. Não esqueçamos que, como salienta SOLER ROCH (2013), p. 12

«(...) el âmbito de relaciones generado por una ayuda de Estado y, por ello mismo, el marco en que se desarolla su recuperación cuando es declarada ilegal, aunque responde formalmente a un conflicto entre dos partes (Estado miembro y Comisión Europea), en el escenario de la recuperación se pone de manifestó su auténtico perfil triangular en el que se incluyen los beneficiarios de la ayuda que además, en este caso, se revelan como los principales afectados por los efectos de aquella declaración».

Conforme resulta da jurisprudência, os auxílios ilegais e incompatíveis devem ser recuperados junto das empresas que deles beneficiaram efetivamente38.

A identificação dos beneficiários nem sempre é fácil e não vem referida na decisão da Comissão que ordena a recuperação pois esta, por regra, não está em condições de proceder a essa identificação, cabendo essa tarefa ao Estado-membro destinatário da decisão39. Trata-se da entidade que usufruiu efetivamente da vantagem económica

resultante da concessão do auxílio e a sua identificação pode, por exemplo, revestir contornos complexos40. Neste sentido, a Decisão da Comissão nem sempre incluirá toda a

37 Vejam-se, sobre este novo procedimento adotado pelo Estado Espanhol, o seu funcionamento, méritos e dificuldades, entre outros Álvarez Arroyo (2016), PÉREZ BERNABEU (2016) e PRÓSPER ALMAGRO (2016).

38 Ac. do TJUE de 21/03/1991, proc. C-303/88, § 57 e ac. do TJUE de 29/04/2004, proc. C- 277/00, § 75.

39 Ac. do TJUE de 07/03/2002, proc. C-310/99, § 91.

40 Veja-se, a título de exemplo, a decisão da Comissão de 31/05/1989 relativa a auxílios concedidos pelo Governo italiano, através das sociedades públicas de controlo IRI e Finmeccanica, ao Grupo Alfa Romeo, grupo este posteriormente vendido à Fiat. Aquando da decisão de recuperação dos auxílios ilegais, a Comissão salientou: «(…) é necessário retirar o auxílio incompatível concedido ao grupo Alfa Romeo sob a forma de injecções de capital (…). Em princípio o auxílio deveria ser reembolsado pelo beneficiário, isto é, pela Alfa Romeo, que, contudo, nos termos das informações fornecidas pelo Governo italiano através de ofício de 21 de Julho de 1988, foi liquidada em 31 de Dezembro de 1987, sendo transferidas para a Finmeccanica todas as actividades residuais e nomeadamente os créditos e débitos financeiros agora existentes (…). Deve considerar-se que a Fiat não adquiriu a totalidade dos activos da Alfa Romeo e restringiu a sua responsabilidade financeira em relação às dívidas financeiras líquidas da Alfa Romeo a um montante de 700 biliões de liras italianas. Por conseguinte, a Fiat não é responsável pelo reembolso do auxílio, dado também o facto de que pagou um preço equitativo pelos activos adquiridos da Alfa Romeo. O auxílio deveria ser reembolsado pela entidade jurídica que permaneceu responsável por todas as obrigações do anterior grupo Alfa Romeo para além do montante de 700 biliões de liras italianas assumidos pela Fiat e que agiu como vendedor do grupo Alfa Romeo, ou seja, a Finmeccanica. Assim sendo, a Finmeccanica é responsável pelo reembolso dos auxílios em questão.(…) Por conseguinte, a Comissão decidiu que o

112

informação sobre a identidade dos beneficiários nem sobre a quantia que deve recuperar- se. Nestes casos, o Estado-membro deve identificar sem dilação as empresas afetadas pela Decisão da Comissão e quantificar a quantia exata que deve ser recuperada de cada uma delas [CASTILLO DE LA TORRE (2012), p. 4].

Se na fase de execução da decisão se afigurar que o auxílio foi transferido para outras entidades, o Estado-membro poderá ter de tornar a recuperação extensível a todos os beneficiários efetivos, a fim de evitar que a obrigação de recuperação seja contornada41. É

preciso também ter em atenção, neste casos, as situações em que a empresa beneficiária do auxílio a recuperar tenha entretanto sido vendida (seja por meio da compra e venda de ações seja através da compra e venda de ativos), devido às implicações que possam daí decorrer, em particular para a parte compradora. No caso de beneficiários insolventes ou objeto de um processo de falência/insolvência, o Tribunal de Justiça já determinou que esse facto não tem qualquer incidência sobre a sua obrigação de reembolsar auxílios ilegais e incompatíveis42.

No entanto, é preciso sublinhar que, na maioria dos casos que envolvem um beneficiário insolvente, não é possível recuperar a totalidade do montante do auxílio ilegal e incompatível (incluindo juros), uma vez que os ativos do beneficiário são insuficientes para satisfazer todos os montantes reclamados pelos credores [ORTEGA GUÍO (2012), p. 112. Por conseguinte, não será possível restabelecer plenamente e de forma tradicional a situação que existia anteriormente no mercado. Desta forma, nestes casos, a Comissão considera que

«(…) uma decisão que ordene ao Estado-membro a recuperação do auxílio ilegal e incompatível junto de um beneficiário insolvente foi correctamente executada quando estiver concluída a recuperação integral ou quando, no caso de recuperação parcial, a empresa tiver sido liquidada e os seus activos vendidos em condições de mercado. Ao executar decisões de recuperação respeitantes a beneficiários insolventes, as autoridades dos Estados-membros devem garantir que, durante o processo de insolvência, é devidamente tomado em consideração o interesse da Comunidade e, em especial, a necessidade de pôr imediatamente termo à distorção da concorrência causada pela concessão do auxílio ilegal e incompatível»43.

Governo italiano deveria ordenar à Finmeccanica o reembolso dos auxílios em questão.» [cfr. COMISSÃO EUROPEIA: Decisão n.º 89/661/CEE, de 31 de Maio de 1989, relativa ao auxílio concedido pelo Governo italiano ao grupo Alfa Romeo, um produtor de veículos a motor, JO n.º L 394, de 30/12/1989, pp. 9-10].

41 Casos típicos em que a obrigação de recuperação é contornada são os casos em que a transferência não reflecte nenhuma outra lógica económica a não ser a invalidação da ordem de recuperação [situações que podemos encontrar nos acórdãos do TJUE de 08/05/2003, proc. acum. C-328/99 e C-399/00; de 29/04/2004, proc. C-277/00; de 12/05/2005, proc. C-415/03].

42 Ac. do TJUE de 21/03/1990, proc. C-142/87, § 59-64 e de 14/09/1994, proc. C-42/93, § 33.

43 cfr. COMISSÃO EUROPEIA: Comunicação da Comissão - Para uma aplicação efectiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados-Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis, 2007/C 272/05, JO n.º C 272, de 15/11/2007, pontos 61-62.

A obrigação de recuperação dos auxílios de estado...

113 b) A quantia a recuperar

Como já vimos, o objetivo da recuperação dos auxílios ilegais é restabelecer a situação anterior (o statu quo ante), colocando o beneficiário na mesma situação que estaria caso não tivesse recebido o auxílio. O Regulamento (CE) n.º 659/99 do Conselho, assim como o Tratado, não preveem que a Comissão, na decisão pela qual ordena a recuperação de um auxílio ilegal, quantifique o montante exato do auxílio a recuperar, fazendo-se, no n.º 3 do artigo 14.º daquele Regulamento uma remissão para as normas de direito nacional de cada Estado-membro. Como tal, a Comissão salienta que «[n]o caso de um regime de auxílios ilegal e incompatível, a Comissão não pode quantificar o montante de auxílio incompatível que deve ser recuperado junto de cada beneficiário. Tal implica uma análise pormenorizada, por parte do Estado-membro, dos auxílios concedidos em cada caso individual, no âmbito do regime em questão»44. CASTILLO DE LA TORRE (2012), p. 4

acrescenta que, tratando-se de um regime de auxílios declarado ilegal e incompatível, a quantificação da quantia a recuperar requer, por parte do Estado-membro, uma análise detalhada de cada auxílio individual concedido ao abrigo do regime de auxílios em questão pois,

«Para cuantificar la cantidad exacta de ayuda que debe recuperarse de cada beneficiario individual del régimen, deberá determinar en qué medida la ayuda se há concedido a um proyecto específico, que, en el momento de su concesión, cumplía todas las condiciones de los reglamentos de exención por categorias o de un régimen de ayudas aprobado por la Comisión. En esos casos, el Estado miembro puede también aplicar los criterios sustantivos de mínimis aplicables en el momento de la concesión de la ayuda ilegal e incompatible que es objeto de la Decisión de recuperación.»

LUJA (2005), p. 569 defende que

«If the purpose of recovery is merely to restore the status quo, then what is the legal basis for going beyond this? What is the legal basis for recovering the gross amount of the state aid received if, in order to restore the status quo, the extraordinary costs incurred by the recipient of the aid are not taken into account in determining the actual financial advantage? In comparison with a competitor who did not receive unlawful state aid, it is the net advantage that affects competition, which may be either greater or less than the face value of the state aid. For instance, if an enterprise incurred extraordinary costs to be eligible for a tax benefit (for example, having a special accountant’s statement drawn up or an environmental expertise report drafted), the costs should reduce the recoverable amount if it can reasonably be argued that the reports would not have been required in the normal line of business».

Nesse sentido, para este autor, se o benefício financeiro líquido é menor do que o valor bruto, a recuperação de auxílios estatais deve ser limitada a uma quantia igual ao

44 cfr. COMISSÃO EUROPEIA: Comunicação da Comissão - Para uma aplicação efectiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados-Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis, 2007/C 272/05, JO n.º C 272, de 15/11/2007, ponto 38. Vejam-se, nesse sentido, os acórdãos do TJUE de 07/03/2002, proc. C-310/99, § 89-91 e do TGUE de de 31/05/2006, proc. T-354/99, § 67.

114

benefício líquido, incluindo os juros. No mesmo sentido defende PÉREZ BERNABEU (2013), p. 55, sendo partidária da ideia de que deve ser recuperado o montante líquido do auxílio, determinado a partir do montante bruto diminuído dos gastos em que o beneficiário tenha incorrido para poder obter o auxílio, em todos aqueles casos em que se verifique o beneficiário incorreu num gasto como requisito prévio indispensável ou como consequência direta da receção do auxílio em causa. Esta ideia sustenta o principal objetivo da recuperação que é eliminar a distorção de concorrência provocada pela vantagem competitiva resultante do auxílio ilegal, não constituindo a devolução qualquer tipo de sanção. Desta forma, a quantia a recuperar pode não coincidir exatamente com o montante do auxílio (bruto) recebido.

Note-se que os principais problemas que se colocam em matéria fiscal com os auxílios estatais centra-se, precisamente, na recuperação de auxílios ilegais e na determinação do montante e da forma para exercer essa recuperação45. A recuperação de

auxílios de Estado de natureza fiscal assenta em determinadas especificidades a que é necessário atender. De acordo com GARCÍA NOVOA (2006), p. 22

«La recuperación de la ayuda presenta en el caso de medidas fiscales consistentes en exenciones y bonificaciones, singularidades especiales, pues va a suponer el surgimiento de una obligación tributaria específica del contribuyente beneficiario, por el importe de los beneficias ilegítimamente disfrutados. Lo mismo cabría decir de aquellas ayudas que consistieran (si se admite) en un tipo de gravamen reducido. Para ello habrá que rectificar liquidaciones, lo que exigirá tener en cuenta la posible firmeza de las mismas».

A Comissão (98/C) esclarece que, no caso dos auxílios de natureza fiscal efetivamente pagos, «(…) o montante a recuperar é calculado com base numa comparação entre o imposto efetivamente pago e aquele que deveria ter sido pago se tivesse sido aplicada a regra geral. A este montante de base são acrescidos juros. A taxa a aplicar corresponde à taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente subvenção no quadro dos auxílios regionais.». No fundo, nada de novo neste domínio, na medida em que, como já vimos, o objetivo da recuperação dos auxílios ilegais e da aplicação de juros nessa recuperação, não é mais do que repor a situação inicial. Desta forma, no plano fiscal, e quando estão em causa benefícios que se traduzam em isenções totais ou parciais, assim como em deduções majoradas ao rendimento ou à coleta, há que refazer o cálculo do imposto devido pelo sujeito passivo beneficiário do auxílio, na situação de não se aplicar a medida em causa.

c) Prazo para o Estado-membro aplicar a decisão de recuperação

Durante muito tempo, as decisões da Comissão relativas à recuperação de auxílios de Estado declarados ilegais ou incompatíveis especificavam um prazo único de dois meses. Dentro desse prazo, o Estado-membro implicado devia comunicar à Comissão as medidas

45 Conforme salienta PEREIRA (2015), p. 10. ORTEGA GUÍO (2012), p. 123 realça, por exemplo, que às vezes a eliminação do benefício fiscal não implica a cobrança de um determinado montante de imposto mais elevado a receber mas sim uma diminuição de um prejuízo fiscal pelo que, nestes casos, a atuação das autoridades fiscais em cumprimento da decisão de recuperação da Comissão não implica uma receita imediata de imposto.

A obrigação de recuperação dos auxílios de estado...

115

que tinha adotado para dar cumprimento a uma determinada decisão e, de acordo com a jurisprudência do TJUE, dentro do mesmo prazo deveria executar a decisão46.

É fácil perceber, até por tudo o que já referimos até agora acerca das dificuldades que rodeiam todo o processo de recuperação por parte dos Estados-membros, que este prazo era manifestamente reduzido para aquilo que era exigido aos Estados-membros.

Através da sua Comunicação 2007/C 272/05, a Comissão reconheceu que o prazo de dois meses para execução das decisões da Comissão era, na maioria dos casos, demasiado curto. Desta forma, decidiu aumentar para quatro meses o prazo de execução das decisões de recuperação, passando a especificar, nas suas decisões, dois prazos: um primeiro prazo de dois meses a contar da data de entrada em vigor da decisão, dentro do qual os Estados- membros devem informar a Comissão das medidas previstas ou adotadas; um segundo prazo de quatro meses a contar da data de entrada em vigor da decisão, dentro do qual a decisão da Comissão deve ser executada.

De salientar que o TJUE tem vindo a reforçar que os contactos e negociações entre a Comissão e o Estado-membro em causa, no contexto da execução da decisão da Comissão, não dispensam os Estados-membros da obrigação de efetuarem todas as diligências possíveis para executar a decisão dentro do prazo estabelecido47. Se um Estado-membro se

deparar com dificuldades graves que o impeçam de respeitar qualquer um destes prazos, deve informar a Comissão desse facto, fornecendo uma justificação adequada e, ao abrigo do princípio da cooperação leal, a Comissão pode prorrogar o prazo48.

No documento Future law (páginas 111-115)

Outline

Documentos relacionados