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Algumas reflexões

No documento Future law (páginas 139-143)

Cristina Dias 1 1 Introdução

5. Algumas reflexões

Como vimos, a existência de uma quota indisponível do autor da sucessão implica uma limitação exagerada do direito de propriedade que deve abranger a liberdade de testar de todos os bens de que se é titular. A limitação do poder de disposição do autor da sucessão, que está forçado a respeitar a legítima dos seus herdeiros legitimários, que na maioria dos casos atinge dois terços da herança, demonstra a prevalência da conexão família e a proteção desta, garantindo que os bens do de cuius não saem da sua família, conjugal ou de parentesco, sobre a autonomia privada e a liberdade de disposição.

Parece-nos que, e para assegurar a continuidade dos bens dentro da família, poderia optar-se por outra solução mais compatível com a liberdade de dispor e a autonomia privada, e que já avançámos anteriormente. A evolução verificada na família

42 A propósito das doações em vida feitas aos sucessíveis legitimários prioritários, que tendem a ser imputadas na legítima subjetiva do donatário, considera PINHEIRO (2017), p. 149, que tais doações em vida, não sendo qualificáveis como pactos sucessórios, “têm um componente de pacto sucessório renunciativo: ao aceitar uma proposta de doação, o legitimário aceita que a totalidade ou parte da sua quota hereditária injuntiva seja antecipadamente preenchida, renunciando à intangibilidade qualitativa da legítima”.

43 PINHEIRO (2017), p. 147.

44 Sobre os referidos negócios v., PINHEIRO (2017), pp. 31 e 32 e pp. 150 e segs., e XAVIER (2016), pp. 104 e segs. Para uma análise mais desenvolvida destes institutos alternativos ao testamento, v., MORAIS (2016), pp. 711-909, e (2018), passim.

45 V., FERNANDES (2012), p. 121. Ascensão (2000), p. 54, refere-se às “atribuições mortis

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e na instituição casamento, na realidade de que a família já não é o suporte de um património que se transmite de geração em geração, e às razões apontadas contra a sucessão legitimária, deve privilegiar-se a liberdade de testar face à proteção da família. Se o autor da sucessão construiu ao longo da sua vida um determinado património, maior ou menor, e muitas vezes sem a colaboração de familiares, deveria poder dele dispor integralmente e a favor de quem entender para depois da sua morte. Assim, a sucessão legítima, supletiva, poderia alcançar o mesmo fim da sucessão legitimária tal como prevista no nosso ordenamento jurídico. De facto, o cônjuge, os descendentes e os ascendentes receberiam o referido património caso o autor da sucessão nada disponha. Paralelamente, impõe-se uma revisão da sucessão contratual. A proibição de disposições mortis causa por contrato em vida do autor da sucessão (artigo 1728.º), estimula a existência de outro tipo de disposição dos bens por morte. Como referimos, há certos bens e valores cuja disposição fica à margem das regras sucessórias, estando sujeitos a um “regime jurídico “paralelo” ao sucessório”46.

A matéria exige evidentemente um estudo muito mais aprofundado, tendo-se pretendido apenas nestas breves notas chamar a atenção para a necessária modernização e flexibilização à luz da realidade atual.

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46 CORTE-REAL (1993), p. 194.

Da sucessão legitimária e da proibição dos pactos sucessórios...

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AÇÕES DO PLANO BEPS CONTRA A CONCORRÊNCIA FISCAL

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