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Rafaela Guimarães Campos Fonseca

No documento Future law (páginas 185-195)

1. Dado o atual cenário de flexibilização das relações de trabalho e a quantidade de problemas relacionados à mobilidade em grandes centros urbanos, surgiram plataformas de compartilhamento de transporte individual, que conectam motoristas e passageiros por meio de suas aplicações em smartphones, sendo o principal exemplo a Uber.

Nesse novo modelo econômico comumente denominado "economia colaborativa", as empresas apresentam-se como meras intermediárias que promovem o encontro entre prestadores independentes de serviços e consumidores, ou seja, entre a oferta e a demanda, encontro este que ocorre necessariamente através da referida aplicação ou plataforma online, gerida e administrada por elas. Por essa intermediação, como contrapartida, estas empresas retêm uma percentagem sobre o valor do serviço prestado.

De acordo com a Uber, os motoristas são empreendedores individuais, que utilizam a plataforma digital fornecida pela empresa, que otimiza o acesso e o contato entre passageiros e condutores. Estes motoristas são credenciados pela Uber, pagando- lhe o correspondente a cerca de 25% do valor que percebem de cada passageiro, como retribuição pela utilização do aplicativo. A manutenção do cadastramento dos motoristas, denominados “parceiros” depende, ademais, das avaliações anônimas que estes recebem dos respectivos passageiros ao termino de cada viagem, por meio de um sistema de pontuação.

Os automóveis dos motoristas devem satisfazer a uma serie de requisitos atinentes a segurança, luxo e conforto, que são muito mais rigorosos do que os demandados pela legislação regular para licenciamento dos veículos. Além disso, também são credenciados pela Uber.

O valor das viagens é calculado com base em fatores como a distancia a ser percorrida e o tempo de viagem, tendo em vista as informações repassadas previamente por cada cliente a aplicação informática, atinentes a sua localização e destino. A Uber fornece uma estimativa prévia do preço ao passageiro, e os pagamentos são realizados geralmente por meio de cartão de crédito, através da própria aplicação. 1

A tecnologia sempre traz inovações que revolucionam as relações interpessoais. Por outro lado, tais inovações não raro geram discussões que ganham contornos judiciais. É o caso da Uber, que tem suscitado uma recente discussão em diversos países

1 SARMENTO, Daniel, 2015, “Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de Passageiros: o caso Uber”, p. 2, in https://www.conjur.com.br/dl/paracer-legalidade- uber.pdf (03/12/2017)

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acerca da existência ou não de vínculo laboral entre os motoristas e a empresa que é administradora da aplicação digital.

A Uber está em Portugal há pouco mais de dois anos e ainda não há jurisprudência consolidada de tribunais acerca do tema no que diz respeito aos vínculos ou direitos e deveres trabalhistas. O impulso à flexibilidade deu origem a formas contratuais cada vez mais diversas, que podem diferir significativamente do modelo contratual padrão em termos de grau de subordinação e segurança de renda, além da estabilidade relativa das condições de trabalho e de vida associadas. Por isso há uma certa dificuldade em definir exatamente a configuração jurídica da relação trazida por esse modelo de contratação emergente.

No entanto, essas mudanças podem ser positivas. Elas podem oferecer maior flexibilidade para empregadores e trabalhadores. Elas também podem ser responsáveis por trazer mais pessoas para o mercado de trabalho e promover a competitividade - objetivos prioritários para todos os países da União Europeia. O principal desafio se encontra na manutenção do modelo europeu de forte proteção econômica e social para os trabalhadores, mesmo diante desta configuração distinta da tradicional relação entre eles e seus respectivos empregadores.

Diante disso, é possível levantar algumas questões, cuja discussão é o propósito do presente trabalho: como a jurisprudência internacional tem enfrentado o tema? Trata-se de uma mera prestação de serviço de intermediação, remunerada com uma comissão por cada negócio, ou seria uma verdadeira e própria relação laboral, envolvendo a prestação subordinada de actividade sob a autoridade e direcção do dono da plataforma? Quais as consequências deste novo modelo econômico para os trabalhadores, especialmente no que refere as suas condições de trabalho?

2. De acordo com o art. 11º, do Código do Trabalho, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Ainda consoante este diploma legal, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.2

2 CT, Código do Trabalho, Lei nº 7/2009 - Diário da Republica nº 30/2009, Serie I de 2009-02-12.

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Para atrair a presunção de laboralidade a seu favor, o trabalhador deve comprovar algumas destas características acima citadas, sendo assente na doutrina e jurisprudência de tribunais superiores a necessidade da presença pelo menos duas delas para este fim.3

Tal presunção significa que, em caso de duvida quanto a qualificação do contrato, especialmente em relação a prova insuficiente ou inconclusiva produzida pelas duas partes da relação, o juiz decidira em favor do prestador de serviços, dando como preenchido o conceito jurídico de subordinação, necessário para qualificar o contrato que os vincula como contrato de trabalho. Dessa forma, mencionada presunção faz recair sobre o beneficiário da atividade o risco da demonstração insuficiente da inexistência de um típico contrato de trabalho. 4

Vale consignar que esta presunção não dispensa o juiz de proceder a uma valoração global do conjunto probatório, para concluir pela existência ou não das características pertinentes a subordinação. Assim, deve haver uma analise cuidadosa para definir se, diante dos elementos fáticos trazidos ao processo em cada caso concreto, existe ou não uma relação de trabalho, com suas inúmeras consequências jurídicas para ambas as partes.

Dos três elementos que integram a definição de contrato de trabalho, quais sejam, a prestação de trabalho, a remuneração e a subordinação, é este último que verdadeiramente caracteriza-o e permite distingui-lo de outros contratos vizinhos. Na verdade, não é a remuneração, nem mesmo a prestação de trabalho, que tornam original o contrato de trabalho, mas a condição de subordinação jurídica em que se coloca o trabalhador com a conclusão daquele. 5

Alguns autores defendem que os índices de subordinação que sustentam a presunção legal acima citada se referem a um modelo clássico, tradicional e pré- revolução tecnológica de organização do trabalho, pelo que se mostram desactualizados e desajustados para dar resposta adequada a novas questões, como as que são colocadas pela chamada economia colaborativa.6

3 RP de 11-5-2015 (Proc. n.º 299/14, Paula Leal de Carvalho), Ac. RC de 21-5-2015 (Proc. n.º 725/14, Azevedo Mendes) e STJ de 2-7-2015 (Proc. n.º 182/14, António Leones Dantas), todos acessíveis em www.dgsi.pt., além de AMADO, João Leal, 2014, Contrato de Trabalho, pág 89, 4ª edição, Coimbra Editora; MARTINEZ, Pedro Romano, 2015, Direito do Trabalho, pág. 330, 7º edição, Editora Almedina; RAMALHO, Maria do Rosário Palma, 2014, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pág. 55, 5ª edição, Editora Almedina.

4 VASCONCELOS, Joana, 2015, "O caso das relações estabelecidas no contexto da economia on demand entre prestadores independentes de serviços e empresas tecnológicas

intermediárias no mercado”, pág. 05, in

http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/VII_Coloquio/profdrjoanavasconcelos.p df (06/03/2018)

5 LEITE, Jorge, 2016, Direito do Trabalho - Notas Sumárias, pág. 63, in https://www.cije.up.pt/publications/direito-do-trabalho-notas-sum%C3%A1rias (06/03/2018)

6 GOMES, Julio, 2007, Direito do Trabalho, Volume I - Relações individuais de trabalho, pág. 131 e segs., 4ª edição, Coimbra Editora; MARTINEZ, Pedro Romano, 2015, Direito do

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A despeito da caracterização tradicional de contrato de trabalho trazida pela lei, com o progresso tecnológico e as mudanças nas condições de mercado, formas mais flexíveis de trabalho - e nem por isso menos subordinadas - surgiram, o que levou a doutrina a (re)analisar os indícios tradicionais de subordinação, haja vista ela possuir hoje novas formas de manifestação, sendo porem, igualmente intensa. O teletrabalho é um claro exemplo de como o desenvolvimento tecnológico permitiu a empresas introduzirem formas novas e mais flexíveis de organizar e controlar os processos de produção.

Isso resultou em uma perda de importância de alguns elementos caracterizadores, com destaque para a definição pelo empregador do local e jornada de trabalho, devido a possibilidade de controlo a distancia, por meios telemáticos e/ou informatizados, alem da possibilidade de trabalho por tarefas ou metas, que implica grande parte das vezes em uma maior quantidade de trabalho do que ocorreria caso o controlo fosse realizado por horas trabalhadas.7

Ao mesmo tempo, outros aspectos mais modernos - também caracterizadores de uma situação de subordinação - ganharam valor, nomeadamente a inserção em uma organização produtiva alheia, a proibição de desenvolvimento de idêntica atividade por conta própria ou para outros beneficiários, a insusceptibilidade de se fazer substituir por outro trabalhador, entre outros.8

Ora, sendo a subordinação um conceito jurídico, tal demonstração terá de fazer- se através de factos que, evidenciando “a forma como se configuram certos aspectos da relação de trabalho”, indiciem a subordinação jurídica, enquanto especial modalidade em que é realizada a prestação do trabalho: “sob a autoridade e direcção” do seu beneficiário, nas palavras do art. 1152.º do Código Civil, no “âmbito de organização e sob a autoridade” deste, como explicita o art. 11.º do CT. 9

Assim, conclui-se que a fronteira entre o contrato de trabalho e os contratos vizinhos é tênue e a sua correcta classificação depende das circunstancias do caso concreto. Não ha como definir, em abstracto, quais atividades são seguramente exercidas de modo autônomo e quais são exercidas de forma subordinada.

3. Na análise das características concretas da relação entre a Uber e os motoristas, conclui-se que (i) a empresa seleciona e treina os motoristas que podem aceder à aplicação informática, sem a qual não pode ser prestado o serviço; (ii) cabe-lhe obter e indicar os clientes disponíveis ao motorista, através da mesma aplicação informática; (iii) o motorista deve fornecer os seus dados e disponibilizar uma viatura que não pode

7 Acerca do tema GOMES, Julio, 2007, Direito do Trabalho, Volume I - Relações

Individuais de Trabalho, cit. pp. 104 e 131-132, 4ª edição, Coimbra Editora.

8 MARTINEZ, Pedro Romano, 2015, Direito do Trabalho, cit., pág. 327, 7º edição, Editora Almedina.

9 VASCONCELOS, Joana, 2015, "O caso das relações estabelecidas no contexto da economia on demand entre prestadores independentes de serviços e empresas tecnológicas

intermediárias no mercado”, pág. 04, in

http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/VII_Coloquio/profdrjoanavasconcelos.p df (06/03/2018)

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ter mais de 10 anos, podendo a empresa controlar a qualidade do serviço através da avaliação dos clientes (uma avaliação inferior a 4,6 estrelas pode levar até mesmo ao cancelamento do acesso à plataforma informática); (iv) o preço da viagem é fixado pela empresa, a qual paga periodicamente aos motoristas um valor previamente determinado; (v) os motoristas não devem receber gorjetas; e (vi) os motoristas estão sujeitos a um conjunto de regras impostas pelo dono da aplicação, em especial em relação ao contacto com os clientes, dress code e indicação de equipamentos/materiais vedados. Tal caracterização torna difícil o não reconhecimento de vinculo laboral entre a Uber e os motoristas, mesmo diante das alegações dos donos da plataforma de que não ha sujeição a qualquer horário de trabalho, os equipamentos e instrumentos pertencem aos próprios prestadores de serviço e estes não estão exclusivamente vinculados a plataforma, podendo aceder ao mercado e prestar a actividade através de empresas concorrentes.

Isto, porque há fortes indícios de que a sujeição da prestação da actividade a regras de organização do trabalho e ao controlo e supervisão do desempenho sejam sinônimos da ausência de autodeterminação dos prestadores de serviço. O papel assumido pelo dono da aplicação não se esgota numa mera intermediação, antes se concretizando na conformação, direcção e controlo do desempenho dos prestadores, com vistas a submete-los a padrões de serviço e de qualidade que, indiscutivelmente, apontam ser outro o bem oferecido a clientela no mercado, sob marca e imagem próprias: a prestação de serviços de transporte.10

Fato é que, certamente visando um maior ganho financeiro, as plataformas virtuais de prestação de serviço de transporte a todo o tempo tentam se esquivar da legislação trabalhista dos mais diversos países, elaborando um método fragmentado de exploração de mão-de-obra, acreditando que assim os profissionais contratados não serão considerados seus empregados pelos respectivos ordenamentos jurídicos.

Merece destaque também o fato de que, não dispondo de regulamentação que atenda as características peculiares de sua relação, os motoristas da Uber em Portugal tem vivenciado condições precárias de trabalho, com jornadas exaustivas e baixos salários, que muitas vezes sequer atingem o mínimo. Grande parte dos condutores são contratados pelo regime de “recibos verdes” e não tem direito a subsidio de ferias, de Natal, de alimentação, ou sequer descontos para a Segurança Social. Também inexiste um contingente máximo de motoristas a serem contratados pela empresa que gere a aplicação digital (como ocorre com os taxis), pelo que o excesso de contratações pode resultar em condições ainda piores de trabalho, tendo em vista o aumento da concorrência dentro da própria empresa.11

10 VASCONCELOS, Joana, 2015, "O caso das relações estabelecidas no contexto da economia on demand entre prestadores independentes de serviços e empresas tecnológicas

intermediárias no mercado”, pág. 10, in

http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/VII_Coloquio/profdrjoanavasconcelos.pdf (06/03/2018)

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As características enumeradas demonstram que a Uber se insere de forma decisiva em toda a dinâmica da prestação de serviço de transporte. Inclusive a jurisprudência brasileira, em uma breve menção comparativa, tem se curvado a tendência de que é imperativo o reconhecimento de vinculo de emprego entre motoristas e Uber, com destaque para a decisão do juiz Márcio Toledo Gonçalves, titular da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, e do juiz Eduardo Rockenbach Pires, titular da 13ª Vara do Trabalho de Sao Paulo. A primeira decisão foi publicada em fevereiro de 2017 e a segunda em abril do mesmo ano, restando ainda varias ações em curso com pedidos e causas de pedir semelhantes. Tais sentenças tem o poder de abrir um precedente que pode ate mesmo inviabilizar o modelo de negócios do aplicativo no Brasil. 12

Neste mesmo sentido, vale consignar outras experiências jurisprudenciais internacionais, devido ao caráter global deste fenômeno. O Tribunal do Reino Unido, o

Employment Tribunal de Londres, há pouco mais de um ano decidiu que os chamados self-drivers, que prestam serviços para a Uber, não se constituem como autônomos,

tratando-se, em realidade, de uma típica relação de emprego subordinado (dependent

work relationship).13

A Comissão de Trabalho do Estado da Califórnia também decidiu que os motoristas que operam com o polemico aplicativo não podem ser considerados meros parceiros da companhia, mas sim, seus empregados. A decisão da Comissão foi tomada em março de 2015, mas só se tornou pública após o Uber apelar contra a medida. Ainda não ha decisão definitiva no referido processo.14

Países como o Brasil, o Reino Unido e os Estados Unidos da América, dentre outras tantas nações, possuem um núcleo de definição do contrato de trabalho extremamente próximo ao português. Tal fato não deve surpreender, na medida em que o Direito do Trabalho é consequência de um mesmo fenômeno, qual seja, a expropriação do trabalho humano auferida pelo capital desde os primórdios do surgimento do capitalismo; daí a importância em se mencionar as experiências internacionais.

motoristas da Uber, in http://observador.pt/especiais/excesso-de-horas-precariedade-baixos-salarios-a-

vida-dos-motoristas-da-uber/ (30/11/2017); Pedro Pinto, 2017, Motoristas portugueses queixam-se

de exploração, in https://pplware.sapo.pt/informacao/uber-funcionarios-portugueses-sao-explorados-

pela-empresa/ (30/11/17)

12 BRASIL. 33ª. Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Reclamação Trabalhista nº 0011359-34.2016.5.03.0112/MG - Belo Horizonte. Julgador: Juiz Márcio Toledo Gonçalves. Pesquisa de Jurisprudência, Sentença, 13 fev. 2017, in http://pje.trt3.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17013114275439000 000038127039 (25/112017). BRASIL. 13ª. Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Reclamação Trabalhista nº 1001492-33.2016.5.02.0013/SP - São Paulo. Julgador: Juiz Eduardo Rockenbach Pires. Pesquisa de Jurisprudência, Sentença, 11 abr. 2017, in

http://pje.trt2.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=170330 08332297200000061601335 (25/11/2017)

13 UK, Case Nº 2202550/2015 and others, Employment Tribunals, in https://www.judiciary.gov.uk/wp-content/uploads/2016/10/aslam-and-farrar-v-uber-reasons-

20161028.pdf (24/11/17)

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4. O Direito Laboral surgiu como um instrumento regulador da exploração da força de trabalho, no contexto da sempre conflituosa relação entre os donos dos meios de produção e os trabalhadores. Assim, ele assumiu a relevante incumbência de promover condições dignas de trabalho a todo ser humano, equilibrando relações jurídicas desequilibradas por natureza.

No entanto, a relação de emprego tipicamente industrial, na qual o empregado é totalmente submisso ao poderio econômico do dono dos meios de produção, contexto no qual as bases normativas do Direito do Trabalho foram criadas, representa hoje uma ínfima parcela da população economicamente ativa.

Nesse sentido, como qualquer outro ramo do direito, o laboral também deve se mostrar dinâmico para escoltar as transformações sociais, com o fito de regular adequadamente as relações jurídicas, que se modificam rapidamente, acompanhando o contexto socioeconômico de cada país em cada época. A atual flexibilização das relações de trabalho não pode se dar de forma a negar as garantias e proteções tradicionais, conquistadas historicamente pela classe trabalhadora, que se encontram internacional e constitucionalmente reconhecidas como fundamentais à manutenção de um mínimo existencial.

Note-se que não há labor humano que não tenha nascido sob a égide do conhecimento e da tecnologia. Essa é exatamente uma das marcas do capitalismo. No entanto, necessário se faz ressaltar que, ao longo de todo esse processo de evolução tecnológica, uma dinâmica tem permanecido, qual seja, a existência de extração de valor da força de trabalho. Assim, há que se compreender o presente conflito segundo os traços de contemporaneidade que marcam a utilização das tecnologias disruptivas no desdobramento da relação capital-trabalho.15

É neste contexto que se deve perceber o papel essencial do Direito do Trabalho como um mediador no âmbito do capitalismo, que tem como objetivo regular o mercado de trabalho de forma a preservar um “patamar civilizatório mínimo” ao trabalhador, por meio da aplicação de suas normas, princípios e regras, fundados, em ultima análise, no principio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, qualquer relação econômica que possua, em sua essência material, extração e apropriação do valor do trabalho, deve atrair a aplicação de alguma forma de regulação, sob risco de acarretar retrocesso civilizatório. Assim, devemos estar atentos à necessidade de atualização do Direito Laboral, essa estrutura normativa que nasceu da necessidade social de regulação dos processos capitalistas de apropriação e aplicação do lucro sobre a mão de obra.

15 BRASIL. 33ª. Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Reclamação Trabalhista nº 0011359-34.2016.5.03.0112/MG - Belo Horizonte. Julgador: Juiz Márcio Toledo Gonçalves. Pesquisa de Jurisprudência, Sentença, 13 fev. 2017, in http://pje.trt3.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17013114275439000 000038127039 (25/112017)

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Não se trata, pois, de questionar ou redefinir a noção de subordinação, de modo a nela inserir estes novos casos, mas de promover a sua reinterpretação e conferir-lhe novo conteúdo condizente com os princípios da valorização do trabalho e da dignidade humana, a fim de cumprir o programa estabelecido pela Constituição da Republica Portuguesa de 1976, no sentido de garantir desenvolvimento social e econômico ao Estado de Direito Democrático.

Enfim, o Direito Laboral deve vestir-se de novas roupagens que sejam capazes de efetivamente inserir o homem trabalhador na sociedade capitalista contemporânea, de modo que presentes os elementos caracterizadores do contrato de trabalho no caso

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