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Márcia Walquiria Batista dos Santos 1 Ana Carla Bliacheriene

No documento Future law (páginas 195-200)

1. Introdução

As parcerias público-privadas são uma das principais alternativas para amenizar as limitações que os Estados possuem, na obtenção de recursos que permitam a realização de obras e certos serviços públicos, sem recorrer à privatização. Na perspectiva de se alcançar uma nova dimensão na captação de recursos que possibilitem aquilo que hoje o Poder Público não tem condições de realizar, é que surgem as parcerias público- privadas, buscando ampliar o campo de colaboração com o universo privado.

O objetivo principal deste estudo visa enfrentar as possibilidades jurídicas de arranjo para que as parcerias público-privadas possam contribuir para a formulação de conexões inteligentes na consolidação e implantação de smart cities no Brasil, a partir do tripé, Tecnologia da Informação, Gestão e Direito, levando em consideração a participação ativa não só do mercado mas, também, da sociedade civil. Como objetivos secundários analisaremos: a) o financiamento de projetos voltados aos contratos de Parcerias Público-Privadas e, b) tendo em vista o valor mínimo (de R$ 20 milhões) exigido pela Lei federal nº 11.079/2004, para que uma Parceria Público-Privada seja celebrada, sustentar a possibilidade de vários Municípios fazerem uso do Consórcio Público como alternativa de ajuste.

A metodologia que adotaremos será, primordialmente, de base teórica, complementada com o estudo de casos, no intuito de trazer experiência internacional e nacional de modelos de cidades inteligentes, buscando indagar se as parcerias público- privadas podem se constituir em uma forma de financiamento.

Emerge do universo de cooperação com o Poder Público a participação da sociedade civil, inclusive em segmentos mais restritos, com o objetivo específico de aumentar a produtividade e o fornecimento de serviços públicos ou de interesse público. A utilização das PPPs nos Municípios, como alternativa para superar a crise urbana, deve ser objeto de ampla discussão, em especial, diante da possibilidade de implementar políticas públicas que levem à criação de smart cities.

Ainda, merece análise o espaço a ser ocupado pela sociedade civil como atora importante no modelo de interação positiva, envolvendo as empresas e o Poder Público, bem como a viabilidade jurídica e social deste modelo, em atendimento às necessidade

1 Pós Doutoranda no curso de Gestão de Políticas Públicas na EACH/USP. Doutora em Direito do Estado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

2 Professora Associada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Livre-docente em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da USP. Mestre e doutora em Direito Social pela PUYC-SP.

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da população vulnerável das cidades que, mais do que pretendem, merecem viver numa cidade inteligente, saudável, sustentável e humana.

Espera-se como resultado da pesquisa apresentar uma proposta jurídica de solução administrativa e de financiamento para que Prefeitos e gestores viabilizem projetos essenciais para os Municípios, no intuito de transformá-los em cidades inteligentes, levando em consideração três aspectos: Tecnologia da Informação, Gestão e Direito. Os contratos de Parcerias Público-Privadas surgem como alternativa de captação de recursos advindos da iniciativa privada, os quais, juntamente com a utilização de consórcios públicos e o envolvimento da sociedade civil, possibilitam a participação de todos os segmentos do Estado: o Governo, as empresas e a população. Corroborando a ideia de que o modelo apresentado neste artigo é viável, são trazidas experiências e cases de três países que, de forma profícua, fazem uso das Parcerias Público-Privadas no contexto das Smart Cities: Reino Unido, Portugal e Chile.

Desta forma, este artigo estrutura-se em cinco seções, sendo a primeira delas a presente introdução, a qual sintetiza a contextualização, o problema, objetivo principal e secundário do estudo, metodologia e justificativa. Na segunda seção abordaremos o cabedal teórico do que se entende por contrato administrativo. Na terceira seção analisaremos os contornos do instituto das Parcerias Público-Privadas. O objeto da quarta seção será os contornos das Cidades Inteligentes ou smart cities. Na quinta e derradeira seção a abordagem será analisar as alternativas viáveis de operacionalização e financiamento das Parcerias Público-Privadas, por meio do consórcio público.

2. O contrato como forma de viabilizar o relacionamento entre o setor público e o privado: necessidade de cooperação

O progressivo e importante incremento das atuações do Estado, a partir da segunda metade do século XX, levou à necessidade de a Administração Pública utilizar, cada vez mais, a contratação com particulares para fazer frente à realização de determinados serviços. Por fim, quando tais contratações se generalizaram, surgiu definitivamente a figura jurídica dos contratos administrativos, diferenciados dos civis, com regulação específica própria, determinada por uma dupla exigência: as peculiaridades funcionais da Administração como organização e as peculiaridades derivadas do interesse público e da posição dominante da Administração, surgindo no seu regime contratual a observância do regime jurídico-administrativo próprio, com “prerrogativas e sujeições” (DI PIETRO (2001), p. 64).

Como decorrência, em virtude da necessidade de modificar o conteúdo dos direitos e obrigações dos acordos privados, para adaptá-los às peculiaridades de seu uso pela Administração Pública, adveio a figura dos contratos administrativos, diferenciados dos civis em função do sujeito, do objeto e da causa do contrato, com regulação jurídica específica, determinada fundamentalmente por uma dupla exigência: a) as peculiaridades dos procedimentos de atuação da Administração Pública, derivadas, entre outros motivos, da necessidade de controlar o gasto público, assim como garantir

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a igualdade de oportunidades de acesso aos serviços e bens públicos entre os cidadãos; b) as peculiaridades derivadas da salvaguarda do interesse público, no intuito de garantir a finalidade do objeto contratual, e, com efeito, as cláusulas que derivam da posição dominante da Administração Pública, única e exclusivamente para resguardar o interesse público.

Tendo esses critérios como referência, interessa ressaltar que, se a Administração Pública tiver necessidade de celebrar ajuste com um terceiro, ela o fará mediante um contrato administrativo ou mediante um contrato privado, dependendo da vontade do legislador e da determinação das modalidades de contratos que, em um certo momento social, adquiriram a condição de administrativos.

Prevalece atualmente, na doutrina administrativa sobre o tema, o entendimento de que a Administração Pública pode celebrar dois tipos de contratos diferentes: contrato administrativo e contrato privado.

Convém esclarecer que há quem sustente que todos os contratos celebrados pela Administração Pública são contratos administrativos, afastando dessa órbita os contratos de direito privado. É a posição defendida por TANAKA (2007), p. 493, in

verbis: “Em razão do fato de a Administração Pública não poder se despir de suas

prerrogativas, entendemos que a afirmativa de que ela pode celebrar contratos de Direito Privado é equivocada, posto, pressupor uma alienação que não pode efetivamente se concretizar”.

Numa posição diversa, alguns autores sugerem que os contratos administrativos (da Administração Pública regidos pelo Direito Público) não seriam contratos em sua essência, pois não há igualdade entre as partes na formação das cláusulas, sendo que este só existiria quando as partes têm igualdade. Faltaria, inclusive, autonomia de vontade, pois o contratado se obriga a assinar o contrato e a Administração Pública se vincula ao que fora estabelecido na licitação. Nesta linha de pensamento encontra-se MELLO (2004), p. 569, para quem as prerrogativas em pauta colocam o ‘contrato’ à mercê de uma das partes, tanto no que atina à continuidade quanto, dentro de certos limites, no que respeita às condições relativas à prestação devida pelo particular.

Em que pese as duas posições acima, contrárias à defesa da existência de dois tipos distintos de contratos celebrados pela Administração (público e privado), é exatamente o que prevalece atualmente na doutrina majoritária.

No direito brasileiro, foi desenhada uma estrutura legal a qual os Contratos Administrativos devem se amoldar, atualmente regulados pelas normas gerais

3 Acrescenta TANAKA, em outra obra: “Assim, sendo a Administração, uma das partes contratantes, o objeto do contrato sempre será a satisfação de algum interesse público. Em razão de suas prerrogativas, que são indeclináveis, ela sempre poderá alterar seus contratos, nos termos da lei, para a efetiva satisfação do interesse público, implicando a existência de uma relação de subordinação do particular contratada frente à Administração Pública. Pela mesma razão, tais contratos serão regidos pelo Direito Público (TANAKA, Sonia Yuriko, 2006, “Contratos Administrativos”, In: CARDOZO, José Eduardo Martin et ali (coord.) Curso de Direito Administrativo Econômico, Vol. III. São Paulo: Malheiros Editores, p. 706.

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instituídas pela Lei n. 8.666/1993 (arts. 54 a 80) e, supletivamente, pelos princípios da Teoria Geral dos Contratos e Disposições de Direito Privado.

3. Parcerias público-privadas

a) Definição, características e objeto dos contratos de parcerias público- privadas

A ideia de que no futuro o setor privado, em estreita cooperação com o setor público, deveria desempenhar um papel mais ativo e colaborativo na busca do desenvolvimento social e econômico de um país, foi o mote para o surgimento de novos arranjos institucionais com a Administração Pública, permitindo-se a prestação de serviços e/ou execução de atividades de interesse público, antes exclusivas do poder central do Estado.

Uma das formas de se materializarem esses novos arranjos institucionais foi efetivar a colaboração entre a Administração Pública e as empresas privadas, mediante os chamados programas e projetos de Parceria Público-Privada (PPP).

SOUTO (2005), p. 30, relata a amplitude do termo Parceria Público-Privada, pontuando que a primeira abordagem cabível é quanto à imprecisão do termo ‘Parcerias Público-Privadas (PPP)’, cuja amplitude poderia comportar, além das concessões e permissões comuns, outros tipos de terceirizações, acordos-de-programa, termos de parceria, contrato de gestão, sem falar nos convênios e consórcios.

Também adotando essa visão sobre a nomenclatura, MARQUES NETO (2011, p. 309) conceitua Parceria Público-Privada como o ajuste firmado entre a Administração Pública e a iniciativa privada, tendo por objeto a implantação e a oferta de empreendimento destinado à fruição direta ou indireta da coletividade, incumbindo-se a iniciativa privada da sua concepção, estruturação, financiamento, execução, conservação e operação.

Segundo o ordenamento brasileiro, ‘parceria público-privada é uma espécie de contrato administrativo de concessão patrocinada ou administrativa, que adota um regime jurídico especial, e que necessariamente deve envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado’ (art. 2º da Lei 11.079/2004).

Outra questão em pauta relaciona-se aos tipos de ajustes que poderão receber a incidência da Parceria Público-Privada. A lei 11.079/2004 foi clara, e trouxe em seu art. 2o a possibilidade, somente, de aplicação para as concessões patrocinadas e

administrativas. Tal lei, em seu art. 2o, define as concessões patrocinada e

administrativa.

Como quer o art. 2o, § 1o, da Lei das PPPs, concessão patrocinada é a concessão

de serviços públicos ou de obras públicas já previstas na Lei 8.987/1995 quando envolver, além das tarifas cobradas dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

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Na visão de NIEBUHR (2008), p. 194, o objeto de concessões patrocinadas são preponderantemente atividades autossustentáveis economicamente, que envolvam serviços e obras rodoviárias, ferroviárias, de portos, de fornecimento de luz elétrica, gás e água, em condições cuja demanda não seria suficiente à manutenção autônoma do serviço, com custeio exclusivo pelos usuários, por exemplo.

A concessão administrativa, por sua vez, é o contrato de prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, mesmo que haja execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

É notório que a Administração Pública toma serviços e adquire bens dos particulares para a consecução dos seus objetivos. A diferença entre a situação anterior (trazida pela Lei 8.987/95) e a nova (da Lei 11.079/2004), é que o Estado não será apenas um usuário, locatário ou comprador, de bens que o particular gerou pelos seus próprios meios, conta e risco. Esse novo regime jurídico permite que a Administração Pública se associe ao particular também na geração desses recursos, injetando dinheiro ou bens públicos. A modalidade pode ser aplicada na construção de presídios, por exemplo.

Na verdade, concessões administrativas nada mais são que pura prestação de serviços à Administração Pública. Note-se que é da natureza das concessões que se estabeleça uma relação jurídica triangular, entre a Administração Pública, o concessionário e os usuários dos serviços, que são terceiros com relação aos outros dois. No modelo inaugurado pelas PPPs cria-se uma insólita concessão em que as três partes são duas: a Administração Pública e o concessionário.

A Parceria Público-Privada pode ter como objeto a delegação, total ou parcial, da prestação ou exploração de serviço público, o desempenho de atividade de competência da Administração Pública, a execução de obra para a Administração Pública e a execução de obra para alienação, locação ou arrendamento à Administração Pública (art. 3o).

As alternativas apresentadas pela lei permitem uma grande quantidade de parcerias público-privadas, não somente nas áreas tradicionais (como estradas, saneamento básico, portos, hidrovias, irrigação etc.), como também em outros setores. Ressalvam-se apenas, por enquanto, as funções típicas do Estado, que só ele pode explorar.

Sem embargo, quanto à sua natureza jurídica, à primeira vista, se poderia ter a ideia de que a Parceria Público-Privada seria uma nova tipologia contratual, o que de plano pode-se negar. Na verdade, o que se tem é um novo regime jurídico para

determinadas espécies contratuais já existentes em nosso direito administrativo.

Destarte, contratos de obras públicas realizadas sob a égide desta Lei 11.079/2004 continuam a ser contratos de obra pública, bem como as concessões de serviços públicos continuam a ter esta natureza. A ressalva é que, quando submetida ao regime jurídico daquela lei, terão regras alteradas.

Portanto, não se cria, com a Lei nº 11.079/2004, um novo tipo de contrato, não há um contrato de Parceria Público-Privada – como parte da doutrina equivocadamente

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afirmou. Há, sim, um contrato de concessão sob o regime jurídico de parceria público- privada, ou seja, há um regime jurídico excepcional que traz novas regras e novas situações de disposição sobre contratos de concessão cuja tipologia já se encontram definidas no direito administrativo brasileiro.

b) Origem no direito comparado: algumas experiências internacionais e a experiência brasileira

i) Experiências internacionais

A partir deste momento colaciona-se a experiência de alguns países na condução de projetos de Parcerias Público-Privadas, que reputa-se serem experiências que merecem destaque.

A implantação deste instituto no Reino Unido tem como base projetos desenvolvidos sob uma fórmula denominada Private Finance Iniciative – PFI (em tradução livre: Iniciativa para o Investimento Privado), na qual o setor público mantém a responsabilidade pela provisão de parte dos serviços. O Governo contrata com o setor privado a oferta de serviços cujo retorno social é maior que o retorno financeiro (por exemplo, o setor privado constrói um hospital e o setor público fornece os médicos e pessoal). Esse modelo buscou alcançar mais eficiência na prestação de serviços públicos, associado ao fato do risco do empreendimento ser transferido para o setor privado. Grandes obras foram objeto de PPPs, tal como o Canal da Mancha, que não seria viável caso não houvesse investimentos privados envolvidos.

As características-chaves dos contratos de PPP foram as seguintes: a) A transferência para o setor privado dos riscos que ele está mais apto a administrar (riscos operacionais, obsolescência tecnológica e outros); b) Remuneração do setor privado apenas contra a prestação do serviço claramente especificado (nenhum pagamento é feito durante a fase de construção); c) O longo prazo de vigência dos contratos (tempo suficiente para a recuperação do investimento) e, d) A concorrência na licitação4.

O conceito de PFI foi introduzido no Reino Unido em 1992. Inicialmente, o objetivo era aumentar os investimentos nas áreas sociais, como a da saúde5.

4 Nas palavras de SILVA (2009): “Na Inglaterra, esse movimento teve grande visibilidade, e englobou não só a busca por financiamento privado, mas, também, a eficiência na contratação da prestação de serviços públicos. Pelo modelo britânico, o risco associado a um empreendimento seria transferido para os agentes privados e deveria privilegiar o bom emprego dos recursos. Não haveria taxas de retorno nem pisos de lucratividade asseguradas aos investidores. O projeto de maior envergadura e considerado bem sucedido foi a construção do túnel sob o Canal da Mancha, entre a Inglaterra e a França, que teria custado perto de seis bilhões de dólares.”

5 Segundo TAVARES (2012) p. 8, em relação à área da saúde, “em 31 de dezembro de 2011, no Reino Unido, existiam 192 hospitais públicos sob o signo da PFI, dos quais 152 se encontravam em funcionamento, tendo este projeto sido também alargado à rede de cuidados de saúde primários e cuidados continuados, (...). Apesar de existirem outras modalidades de PPP no Reino Unido, o modelo PFI é sem dúvida o mais frequente e o mais popular. (...) O parceiro privado fica encarregue das funções de concepção, construção, financiamento e gestão do equipamento, ao passo que o parceiro público é responsável pela prestação dos serviços clínicos. A duração típica destes contratos é de 30 anos.”

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