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1.3 A PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO

1.3.4 A Forma nos Processos Administrativos e nos Atos Complexos

A doutrina em geral sempre cuidou de apontar a distinção entre o processo

administrativo e o chamado ato administrativo complexo, ao fundamento de que, neste, as

manifestações de vontade convergem para formar um único ato, ao passo que o processo

administrativo se caracteriza por uma seqüência preparatória de atos direcionados à produção de

um ato final.

174

Nessa esteira de pensamento, apesar de haver no ato complexo uma série de

passos para a formação final do ato, tais passos são parte de um todo funcional, de um único ato.

Assim, por exemplo, se um desses passos estiver viciado e se for o caso de nulidade, tal vício em

regra contaminará todo o ato, porquanto inválido em suas partes formadoras. No processo

administrativo, ao contrário, os atos que o compõe podem ter efeitos jurídicos próprios e,

portanto, podem ser individualmente desfeitos, sem que necessariamente esteja todo o processo

maculado.

No dizer de Egon Bockmann Moreira, processo e ato complexo são realidades

normativas absolutamente diversas, cada qual submetida a regime jurídico próprio.

175

Élio

174 Conceituam-se, assim, os atos complexos como “os que resultam da conjugação de vontades unificadas de órgãos diferentes”, cujo exemplo clássico é “a nomeação, procedida por autoridade de um dado órgão, que deve recair sobre pessoa cujo nome consta de lista tríplice elaborada por outro órgão”. Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, 14a edição, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 378. O ato complexo, nas palavras de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, “é formado pela manifestação de vontade, que se expressa pela participação de dois ou mais órgãos, cujas exteriorizações se verificam em uma só vontade (...) Há como um feixe unitário de impulsos volitivos, de forma que o ato jurídico é produto da ação conjugada da vontade desses órgãos. Nesse ato há unidade de conteúdo e unidade de fins de várias vontades que se congregam, operando em fases simultâneas ou sucessivas, para formar um único ato jurídico, como vontades concorrentes que cooperam na sua constituição. Tome-se, como exemplo, a lei, que, nos termos constitucionais, se perfaz com a participação de órgãos legislativos autônomos, a Assembléia Deliberante e o Presidente e seus Ministros, ou, o decreto, que resulta da ação conjugada de órgãos executivos autônomos, o Presidente e seus Ministros. Essa complexidade pode ser igual ou desigual, segundo a força dos órgãos que participam da sua formação. O ato complexo pressupõe operações de vontade de vários órgãos, que se completam para a sua criação. Elas são juridicamente homogêneas, pois agem pelos mesmos interesses, ou, por interesses idênticos. Portanto, ocorre fusão de vontades ideais de vários órgãos, que funcionam, destarte, como vontade única para formação de um ato jurídico”.

Princípios de direito administrativo.

175 Processo Administrativo, p. 56. Explica o autor que “ato complexo e ato coletivo não caracterizam uma seqüência procedimental. Existem de per si, apesar de praticados de forma que, muitas vezes, transcende a mera instantaneidade. Tais

Fazzalari também aponta critérios de distinção entre os procedimentos e os atos complexos,

considerando que “estes últimos são combinações que regulam, exatamente, um único ato – ou,

se se preferir, uma só ‘fatispécie’, enquanto o procedimento não pode ser delineado como

‘fatispécie’ unitária”.

176

Também enfocando tal diferenciação, Celso Antônio Bandeira de Mello

assinala que, nos atos complexos, as manifestações dos órgãos distintos se fundem em uma só

expressão, sendo que “as ‘vontades’ não cumprem funções distintas, tipificadas por objetivos

particulares de cada qual; ou seja: nenhuma delas possui, de per si, identidade funcional

autônoma na composição do ato”.

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Já no que concerne aos processos administrativos, os vários

atos visam “um fim distinto daquele da ou das declarações principais de vontade e, à vista disso,

devem ser delas ou dela distinguidas”.

178

Apesar de reconhecer que “a incerteza na definição do conceito é ainda hoje muito

grande”, Alberto Xavier

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considera que nos atos complexos apenas existem atos de

manifestação de vontade simples, com identidade de objeto e sem necessária obediência a uma

ordem cronológica, enquanto que os processos administrativos são formados por atos com

objetos distintos e por fatos jurídicos, os quais seguem uma ordem cronológica.

180

Ao que parece, todavia, a distinção entre atos complexos e processos administrativos

deve-se à concepção meramente formal que sempre esteve presente na tradicional doutrina

acerca do papel do procedimento, entendido como mero conjunto de formalidades extrínsecas

dirigidas à produção de determinado efeito jurídico. Mas, como reiteradamente defendido aqui,

cresce hoje a idéia na doutrina acerca de uma progressiva substancialização do procedimento

conceitos são antíteses dos atos ‘simples’ – praticados por uma só pessoa, em determinado momento. (...) “no processo administrativo há vários atos (não manifestações sem valor jurídico específico), praticados por um ou mais sujeitos, todos - agentes e atos – com competência, eficácia e validade autônomas. Não há fusão de manifestações, constitutivas de um ato (principal), e a finalidade dos atos processuais é dúplice: proferir decisão para as questões endoprocessuais (imediata) e da r seqüência ao processo, até a decisão final que produza efeitos extraprocessuais (mediata)”. Idem, p. 54-56.

176

Instituições de direito processual, p. 115. 177

Curso de direito administrativo, p. 434. Acrescenta Bandeira de Mello que “o correto, portanto, será dizer-se, com o mestre espanhol Tomás-Ramón Fernández, que o procedimento não é uma manifestação complexa de vontades, mas um complexo de atos. Em suma: no procedimento ou processo administrativo há vários atos, todos com finalidades específicas, distintas, sem prejuízo de possuírem também uma finalidade comum à generalidade deles. No ato complexo, diferentemente, há um só ato, que se forma pela conjugação de ‘vontades’ de órgãos diferentes, sendo que ditas vontades estão articuladas em uma única finalidade, sem que caiba discernir outra que lhes fosse, como inerência, diversa da que reside no ato”. Idem.

178

Ib idem. 179

Do procedimento administrativo, p. 95, nota de rodapé. 180

“O processo administrativo não deve ser concebido como um ato substancialmente unitário, quer seja qualificado como ato complexo, como operação administrativa ou como ato-procedimento. Os atos complexos são declarações de vontade resultantes da concorrência de vontades de vários órgãos aos quais cabe exercer um mesmo poder ou competência; daí que os elementos em que se decompõe tenham um objeto comum, que fornece o substrato indispensável à sua unificação jurídica. Ora, o processo administrativo, embora tenha de comum com o ato complexo a subordinação de todos os seus elementos a um fim unitário, distingue-se dele por vários aspectos. Enquanto que o ato complexo é necessariamente composto por declarações de vontade simples, o processo administrativo pode abranger além de atos, fatos jurídicos como o tempo em que os prazos se traduzem; e, se assim é, não se compreende a fusão de elementos heterogêneos num todo unitário. Se o ato complexo exige que os atos simples em que se decompõe tenham identidade de objeto, já isto não sucede nos processos administrativos, cujos elementos constitutivos visam realizar interesses distintos. Acresce ainda – e este é argumento decisivo – que os processos administrativos implicam que os seus elementos componentes se sucedam no tempo, isto é, que representem uma série, enquanto que uma ordem cronológica não é conceitualmente exigida nos atos complexos”. Idem, p. 95-96.

administrativo

181

, em cujos elementos formadores podem-se identificar a interdependência e a

unidade de desígnios com vistas à perfeição do ato final (elemento teleológico do processo

administrativo). Com isso, tudo leva a crer que, no que tange à essência, a idéia de processo

administrativo vem se aproximando muito da de ato complexo, enfraquecendo-se os critérios de

distinção conceitual apontados. Nesta contemporânea concepção, não mais haveria lugar para a

aludida postura clássica que considera que os vícios de forma contaminariam totalmente o ato

complexo e apenas parcialmente o processo administrativo. Fica cada vez mais difícil constatar

esse dogma na atualidade.

Por outro lado, ainda que se continue acolhendo tal distinção doutrinária, não se

olvida que o processo administrativo integra o elemento forma do ato final por ele produzido,

consoante assinala Odete Medauar.

182

Assim também escreve David Duarte, salientando que a

atual concepção da procedimento administrativo deita raízes históricas na acepção ampla do

conceito de vício de forma (“irregularité de procédure”) oriundo do Direito francês.

183

Sob esse prisma, em ambos os casos (atos complexos e processos administrativos)

tem-se presente, num sentido abrangente, o elemento forma na produção do ato: a seqüência de

manifestações dos distintos órgãos constitui a forma do ato complexo, ao passo que a seqüência

de atos preparatórios que integram o processo administrativo constitui a forma do ato final a ser

produzido. Sendo assim, no que tange ao método adequado a ser empregado pela Administração

181

Segundo David Duarte, “a explicação substancialista do procedimento, com origens na doutrina alemã, leva à nuclearidade da noção de ato complexo, como referência da decisão que engloba constitutivamente várias vontades e que representa substitutivamente o procedimento administrativo como um conjunto de atos necessários para a perfeição do ato final. (...) A introdução de componentes substancialistas na noção de procedimento como complexo de atos revela-se também na consideração do procedimento administrativo com uma ordenação externa, na qual a valoração e ponderação dos fatos, bem como a decisão final, dizem respeito ao processo intrínseco desenvolvido pela autoridade com poder de decisão. (...) Os dois vetores que se apresentam como essenciais na conceitualização do procedimento administrativo, complexo seqüencial de atos e unidade do procedimento pela relação de preparação da decisão, marcam já a orientação contemporânea de afastamento das concepções puramente formais. A idéia de que o procedimento administrativo é uma série de atos dirigidos à produção de um resultado não explica a individualidade do procedimento administrativo, nem permite captar a plenitude das suas funções na relação com a decisão”. Op. cit., p. 87-94.

182

Acerca dos pontos abrangidos pela expressão “forma do ato administrativo”, ensina Odete Medauar que “uma primeira corrente doutrinária inclui somente os requisitos necessários à declaração da vontade, tais como data, assinatura, motivação, a característica de ser escrito, enquanto outra orientação acresce o procedimento de formação da vontade e uma terceira menciona, além daqueles, os modos de comunicação ou divulgação do ato. Na verdade, forma do ato administrativo engloba tanto os modos de declarar a vontade como o procedimento preparatório e a comunicação aos administrados, pois todos dizem respeito à exteriorização do ato, independentemente do conteúdo. Stassinopoulos, nessa linha, denomina formas internas os elementos do corpo ou texto do ato (assinatura, data) e formas externas as operações ou atos que se encontram fora do ato (medidas preparatórias, publicação)”. Da retroatividade do ato administrativo, p. 12. Neste sentido também o entendimento de Juan Carlos Cassagne. Op. cit., p. 284.

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“O vício de forma compreende, tradicionalmente, duas vertentes: vícios relativos ao meio de exteriorização da decisão e vícios relativos ao conjunto de atos antecedentes à decisão e que se repercutem nesta. É desta acepção abrangente do conceito de vício de forma que se retira o ponto de partida do tratamento doutrinário e jurisprudencial do procedimento administrativo. Afastada a primeira vertente, o vício de forma compreende a chamada ‘irregularité de procédure’, que consubstancia a falta ou a insuficiência da prática de formalidades legalmente exigidas e que deviam anteceder a decisão. A idéia de irregularité de

procédure (ou de vice de procédure) vai possibilitar a percepção de que não interessa apenas a competência do autor do ato, a

forma prevista para a sua exteriorização, nem o quadro legal de finalidades e de proteções subjetivas. Ao mesmo tempo, a Administração está adstrita a um conjunto de atos de tramitação que se desenvolvem e canalizam rumo à decisão”. Op. cit., p. 48- 49.

em tais manifestações e seqüência de atos, os parâmetros de invalidade dependerão do

tratamento a ser dado ao vício de forma, sobretudo quanto aos seus efeitos.