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1.4 A APLICAÇÃO DO DIREITO E AS PROVAS

1.4.6 O Ônus da Prova

1.4.6.4 Efeitos antecipados das normas sobre ônus da prova

A eficácia das normas jurídicas que fixam critérios de distribuição do ônus da prova

não se restringe ao campo do processo contencioso, lançando efeitos, ainda que indiretamente,

na conduta das pessoas em suas relações sociais quando não exista ainda litígio configurado. Não

se trata de prova nos sentidos já mencionados no item 1.3.6 retro, isto é, como elemento de

percepção do juiz no deslinde de controvérsias (aspecto processual) ou elemento constitutivo do

conducta para las partes, porque indirectamente les señala cuáles son los hechos que a cada una le interesa probar (a falta d e prueba aducida oficiosamente o por la parte contraria), para que sean considerados como ciertos por el juez y sirvan de fundamento a sus pretenciones o excepciones”. Cargas probatorias dinámicas. In: Peyrano, Jorge W. Cargas probatorias

dinámicas. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni Editores, 2004, p. 157.

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Segundo Inés Lépori White, “la virtud esencial de toda la normativa sobre la carga de la prueba reside entonces en esta

instrucción dada al juez sobre el contenido de la sentencia que debe pronunciar, en todos aquellos supuestos en que no puede

comprobarse la verdad de una afirmación de hecho de importancia determinante para la resolución. La decisión deberá dictarse, en consecuencia, en contra de la parte sobre la cual recae la carga de la prueba con respecto a las afirmaciones de hecho no probadas o no debidamente aclaradas en dicho proceso. El juez no tiene outra opción en sus manos y ante el supuesto enunciado deberá decidir siempre en contra de dicha parte”. Op. cit., p. 51.

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Apud María Belén Tepsich. Op. cit., p. 156. Na mesma linha de pensamento, Sergio Barberio assinala que “las reglas de distribución de la carga de la prueba sólo tienen importancia cuando, precisamente, no hay prueba”. Cargas probatorias dinámicas: Qué debe probar el que no puede probar? In: Peyrano, Jorge W. Cargas probatorias dinâmicas. Santa Fe: Rubinzal- Culzoni Editores, 2004, p. 102.

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Op. cit., p. 41. Acrescenta o autor italiano que “não importa que, em definitivo, a busca segura e econômica da realidade seja, na maioria dos casos, o objeto principal da disciplina jurídica; a consideração dessa finalidade pertence ao campo da política legislativa e não ao da interpretação. Não importa que às vezes, ou melhor dito, na maioria das vezes, dita finalidade se alc ance praticamente, no sentido de que a utilização dos meios jurídicos da busca conduza ao mesmo resultado que se alcançaria com a utilização dos puros meios lógicos, de tal maneira que a determinação formal obtida mediante àqueles se corresponda com a verdade material descoberta mediante estes: trata-se, em todo caso, de uma coincidência por completo contingente e não

necessária, diante da ordem jurídica, que prescreve a posição de um fato na sentença, não quando seja verdadeiro, senão quando

próprio direito segundo as formas previstas na lei material (aspecto substancial). Trata-se, agora

sim, de extrair reflexos que o regime jurídico probatório produz na conduta das pessoas, com a

finalidade de se prevenir futuros litígios ou resguardar o direito de defesa para o caso de eventual

processo contencioso.

Não se pode ignorar este efeito social que as regras sobre ônus da prova produzem

antes mesmo da ocorrência de qualquer lide posta a julgamento, pois, ainda no momento da

formação dos atos jurídicos, as pessoas têm interesse em regular as suas condutas segundo os

elementos constitutivos e comprobatórios das diversas situações nas quais se envolvem

diariamente.

Assim, por exemplo, a consciência jurídica de que existem normas legais segundo as

quais “a entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento” e “o devedor que paga

tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada”

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tem o

efeito prático de fazer com que o credor cuide de não efetuar a entrega do título ou dar recibo de

quitação enquanto não receber efetivamente a quantia devida, levando por sua vez o devedor a

exigir a entrega do título ou de recibo de quitação no momento do pagamento. Essas condutas do

credor e do devedor, com nítido intuito probatório

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, buscam viabilizar a demonstração fática do

descumprimento ou do cumprimento da obrigação em caso de eventual processo contencioso,

quando, segundo os critérios de distribuição, seria de cada um, respectivamente, o ônus da prova.

Aplicando ao campo do Direito Público este raciocínio e observadas as peculiaridades

do regime jurídico-administrativo, tem-se que os atos da Administração Pública somente podem

ser reputados válidos se respeitados os pressupostos procedimentais previstos na legislação e,

sobretudo, inspirados em princípios constitucionais de modo a se garantir aos administrados a

possibilidade de defesa em caso de impugnação do ato. Ora, nada mais lógico do que, estando os

particulares sujeitos à imperatividade da atuação administrativa e aos ritos unilateralmente

escolhidos e empregados pelos agentes públicos (mormente nos casos em que atuam com

considerável margem de discricionariedade), cabe à Administração zelar também pelos

interesses comprobatórios dos administrados. O tema voltará a ser abordado no último capítulo

deste estudo, quando se tratará dos processos de formação de atos administrativos e a adoção de

adequados mecanismos de registro da atividade administrativa.

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Artigos 324 e 329 do Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002). 299

Conforme os ensinamentos de Orlando Gomes, “a prova tem de ser cabal, produzindo-se com a demonstração de que a prestação cumprida corresponde integralmente ao objeto da obrigação a que se refere. Não há dificuldade na prova do pagamento se o devedor tem recibo de plena e irrevogável quitação. Exigindo a lei que esse documento contenha disposições a respeito do valor e da espécie da dívida, torna-se fácil a prova da correspondência e devendo ser assinado pelo credor, não há meio melhor de repelir suas pretensões a novo recebimento”. Obrigações. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 133.