3.1 TRATAMENTO DOUTRINÁRIO
3.1.2 Princípio do Direito Administrativo ou Atributo dos Atos Administrativos?
Não tem sido uniforme o enquadramento dado pela doutrina ao instituto da presunção
de legitimidade no Direito Administrativo. Alguns juristas o tratam especificamente como uma
característica ou atributo dos atos administrativos decorrente do princípio da legalidade,
enquanto outros procuram lhe dar maior abrangência, situando-o como verdadeiro princípio
geral do Direito Administrativo.
No primeiro caso, mencionando a presunção de legitimidade especificamente ao
tratar dos atributos dos atos administrativos, Lúcia Valle Figueiredo assinala que “se os atos
administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (isto é, tornam-se obrigatórios
e executáveis), há de militar em seu favor a presunção juris tantum de legalidade.”
503Diógenes
Gasparini, por sua vez, aponta que a presunção de legitimidade “é a qualidade de todo e qualquer
forte, ou estrito, ou substancial, no qual qualquer poder deve ser limitado pela lei que lhe condiciona não somente as formas, mas também os conteúdos. (...) No primeiro sentido são Estados de direito todos os ordenamentos, mesmo autoritários, ou pior, totalitários, os quais, em todo caso, lex facit regem e o poder tem uma fonte e uma forma legal; no segundo sentido, que implica o primeiro, são, ao invés, somente os Estados constitucionais – e, em particular aqueles Estados de Constituição rígida, como é tipicamente o italiano -, os quais incorporam, nos níveis normativos superiores, limites não somente formais, mas, também, substanciais ao exercício de qualquer poder. Podemos, grosso modo, associar estes dois significados de ‘Estado de direito’ às duas noções aqui elaboradas a partir do princípio da legalidade: à legalidade em sentido lato, ou validade formal, que requer, tão somente, que todos os poderes dos sujeitos titulares sejam legalmente predeterminados, bem como as formas de exercício; e à legalidade em sentido estrito, ou validade substancial, que exige, outrossim, que lhe sejam legalmente preordenadas e circunscritas, mediante obrigações e vedações, as matérias de competência e os critérios de decisão. (...) Em todos os casos pode- se dizer que a mera legalidade, limitando-se a subordinar todos os atos às leis, quaisquer que sejam, coincide com a sua
legitimação formal, enquanto a estrita legalidade, subordinando todos os atos, inclusive as leis, aos conteúdos de direitos
fundamentais, coincide com a sua legitimação substancial”. Op. cit., p. 789-791. 503
ato administrativo de ser tido como verdadeiro e conforme o Direito. Milita em seu favor uma
presunção juris tantum de legitimidade, decorrente do princípio da legalidade.”
504Celso Antônio
Bandeira de Mello também parece seguir a mesma trilha quando alude à “qualidade, que reveste
tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário”
505,
acrescentando que “pela presunção de legitimidade, o ato administrativo, quer seja impositivo de
uma obrigação, quer seja atributivo de uma vantagem, é presumido como legítimo.”
506Noutra amplitude, salientado a natureza principiológica da presunção de legitimidade
no âmbito geral do Direito Administrativo, Odete Medauar ressalta que todas “as decisões da
Administração são editadas com o pressuposto de que estão conforme as normas legais e de que
seu conteúdo é verdadeiro.”
507Diogo de Figueiredo Moreira Neto considera que “o Estado funda
sua ação sobre pressupostos reais (realidade), em estrito cumprimento da lei (legalidade), voltado
às suas legítimas finalidades (legitimidade) e subordinado à moral (licitude).”
508Hely Lopes
Meirelles, por sua vez, acentua que “essa presunção decorre do princípio da legalidade da
Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental.”
509Maria Sylvia Zanella Di Pietro, numa espécie de fusão entre estes dois aspectos do
fenômeno, aponta a presunção de legitimidade como um princípio do ato administrativo,
acrescentando que a não existência deste princípio levaria a que toda a atividade administrativa
fosse diretamente questionável, “obstaculizando o cumprimento dos fins públicos, ao antepor um
interesse individual de natureza privada ao interesse coletivo ou social, em definitivo, o interesse
público”.
510Tais diferenças de abordagem certamente se devem ao fato de que também não existe
uniformidade teórica na conceituação do ato administrativo como categoria jurídica
511. Assim,
504
Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 72. 505
Curso de direito administrativo, p. 369. Celso Antônio ratifica este seu posicionamento em outra obra (Ato administrativo e
direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 23).
506
Idem, p. 371.
507 O direito administrativo moderno. 5. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 154. 508
Curso de direito administrativo, p. 88.
509 Direito administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 141. 510
Direito administrativo. 19ª ed..São Paulo: Atlas, 2006, p. 191. 511
Celso Antônio chama a atenção para isso ao salientar que, “tratando-se de uma noção teórica pela qual se busca abarcar sob uma denominação comum um certo número de atos que possuem afinidades recíprocas, compreende-se o surgimento de discrepâncias entre os estudiosos. De fato, nada há que obrigue, do ponto de vista lógico, a uma coincidência de opiniões sob re a qualidade ou o número dos traços de afinidade que devam ser compartilhados pelos atos designáveis por tal nome; isto é: pelo nome ‘ato administrativo’. Enquanto certos autores reputam suficiente uma dada quantidade de traços de similitude, outros requererão outra quantidade – maior ou menor – de aspectos comuns para, à vista deles, considerarem presente a figura tipológica que se propõem a batizar com o rótulo de ‘ato administrativo’. Além disso, podem divergir – e divergem – não apenas com relação à quantidade de elementos adotados como radical desta categoria de atos, mas também com relação ao critério seletivo; ou seja, divergem inclusive quanto à própria natureza dos traços a serem eleitos como fatores relevantes para determinação da similitude dos atos abarcáveis sob a denominação em apreço. Como as palavras são meros rótulos que sobrepomos às coisas, nenhum jurista pode reivindicar para si o direito de formular uma noção que seja ‘a verdadeira’, excludente de quaisquer outras, pois isto equivaleria a irrogar-se a qualidade de legislador, ou seja, a inculcar-se o poder (auto-atribuído) de delimitar o âmbito de abragência de uma expressão que a lei não circunscreveu de modo unívoco”. Curso de direito administrativo, p. 337.