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3.2 PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E EXECUTORIEDADE

3.2.2 Fundamentos Políticos e Jurídicos da Executoriedade

Ao se falar em fundamentos políticos, de um lado, e fundamentos jurídicos, de outro,

tratando-os como categorias distintas, não se está com isso ignorando a estreita relação entre

ambas.

Na atual concepção do Estado de Direito

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, não é mais tão nítida a fronteira entre o

que há de político e o que há de jurídico nas decisões públicas. Esta distinção, que já encontrou

maior clareza de percepção em sistemas concebidos sob o modelo do positivismo mecanicista e

da chamada jurisprudência dos conceitos

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– em que se tinha por “jurídico” apenas aquilo

extraído diretamente dos textos legais vinculantes (referencial legislativo formal), enquanto o

lhe pague a hospedagem. É o caso de exigibilidade do pagamento. Por este meio indireto ele induz o hóspede a saldar a sua conta, mas não pode compelir fisicamente à entrega do dinheiro nem pode sacá-lo do bolso do cliente, pelo quê não se pode falar em executoriedade; já a retomada da posse de um bem imóvel, imediatamente após o esbulho, facultada a quem sofra tal violação de direito, é caso de executoriedade, pois, nesta hipótese, o ofendido pode, por si mesmo, com o uso da força se necessário, garantir-se a posse do bem. Tais casos, entretanto, são excepcionalíssimos no Direito Privado”. Ib idem, p. 372.

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Vide o que se disse no item 3.1.1 retro acerca da evolução na delimitação semântica do que se entende por “Estado de Direito”, na lição de Luigi Ferrajoli.

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O positivismo jurídico, calcado na lógica formal típica do racionalismo científico, deu origem à chamada “jurisprudência dos conceitos”, buscando interpretar as normas do ordenamento jurídico como se este fosse um sistema isolado e imune à influência de elementos externos ao seu campo de estudo. Nas palavras de Margarida Lacombe Camargo, “essa base conceitual passa a ser fundamental ao princípio da completude da ordem jurídica. Cientificamente, é importante que o direito se baste, uma vez que a auto-integração mediante processo autônomo, lógico e sistemático, baseado em princípios gerais, evitaria a influência de elementos externos descaracterizadores do direito”. Hermenêutica e argumentação, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 86. Na dogmática da jurisprudência dos conceitos, os fatos sociais são analisados abstratamente, com conteúdo exaustivamente definido, e as normas jurídicas, objeto de extensa codificação, devem conter conceitos gerais a serem interpretados sem qualquer valoração subjetiva pelo aplicador. Conforme leciona Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a jurisprudência dos conceitos “acentua-se e desenvolve-se com Puchta e sua pirâmide de conceitos, o qual enfatiza o caráter lógico-dedutivo do sistema jurídico, enquanto desdobramento de conceitos e normas abstratas da generalidade para a singularidade, em termos de uma totalidade fechada e acabada”. Introdução ao estudo do direito, p. 79. Alf Ross explica do que se tratou a jurisprudência dos conceitos: “Pensa-se que os efeitos jurídicos possíveis são determinados por um número limitado de dados conceitos reconhecidos, e a solução é logo deduzida, de acordo com os efeitos jurídicos contidos por aquele conceito. A doutrina alemã e francesa do século XIX, em particular, constituíram exemplos representativos de uma ‘jurisprudência conceitual’ desse tipo”. Direito e justiça, p. 186. Karl Larenz também ensina que “foi Putcha quem, com inequívoca determinação, conclamou a ciência jurídica do seu tempo a tomar o caminho de um sistema lógico no estilo de uma ‘pirâmide de conceitos’, decidindo assim a sua evolução no sentido de uma ‘jurisprudência dos conceitos formal’. (...) A idéia de Putcha é a seguinte: cada conceito superior autoriza certas afirmações (por ex., o conceito de direito subjetivo é de que se trata de ‘um poder sobre um objecto’); por conseguinte, se um conceito inferior se subsumir ao superior, valerão para ele ‘forçosamente’ todas as afirmações que se fizerem sobre o conceito superior (para o crédito, como uma espécie de direito subjetivo, significa isto, por ex., que ele é um ‘poder sobre um objecto que esteja suje ito à vontade do credor e que se poderá então vislumbrar, ou na pessoa do devedor, ou no comportamento devido por este último’). A ‘genealogia dos conceitos’ ensina, portanto, que o conceito supremo, de que se deduzem todos os outros, codetermina os restantes através de seu conteúdo”. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 23-25. Assim, nessa corrente do positivismo, a hermenêutica jurídica se revelaria como uma ciência da interpretação revestida de metodologia formal-dedutiva, consubstanciada em um mero exercício de subsunção entre fatos e normas.

“político” se referia às decisões que definiam os rumos do governo –, tornou-se cada vez mais

imperceptível nos modelos jurídicos contemporâneos, fundados que estão em normas

constitucionais de textura aberta e com forte carga axiológica.

Ora, a própria Constituição, tratada como Carta Política, é um instrumento jurídico,

aliás, o Maior deles. É, nas palavras de Jorge Miranda, o “estatuto jurídico do político”

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, daí se

inferindo que, salvo a atividade originária do poder constituinte (potência, no dizer de Edvaldo

Brito

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), nada pode ser concebido como político sem ser, ao mesmo tempo, jurídico.

Por outro lado, não se olvida que o próprio Direito contempla certo espaço de

liberdade na tomada das decisões estatais, sendo algumas delas dotadas de alta carga

discricionária diante da grande quantidade de interesses sociais a serem assegurados por

intervenção do Estado. Têm sido por isso chamadas de decisões políticas (preferimos dizer

jurídico-políticas, para deixar claro que, apesar de políticas, são respaldadas pelo Direito), das

quais se destacam as decisões relativas ao exercício da função legislativa. Quando se fala em

decisão política do legislador, cumpre ter em mira aquela opção tomada pelo corpo legislativo

ao inovar na ordem jurídica, mas que deve estar necessariamente balizada pelos vetores jurídico-

constitucionais. Em outras palavras, a decisão se dá dentre as opções postas à escolha do

legislador, o que não significa, é claro, qualquer escolha. Sem dúvida há escolhas políticas que

não devem ser feitas, sob pena de afronta aos ditames jurídicos da Constituição, porque o

constituinte originário já fez outras escolhas políticas em sentido contrário. Por isso o legislador

deve seguir não apenas o devido processo legal formal, mas, também o devido processo legal

substancial (substantive due process of law).

Destarte, infere-se que, na aplicação do Direito posto, o fundamento jurídico é ao

mesmo tempo anterior e posterior ao fundamento político. Anterior, porque as escolhas políticas

dos órgãos e agentes dos poderes constituídos estão vinculadas aos ditames jurídicos da

Constituição. Posterior, porque a própria Constituição inevitavelmente assegura certo espaço de

escolha discricionária aos aplicadores das suas normas, cuja moldura servirá para se traçar os

padrões possíveis de conduta estatal (standards).

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“De uma perspectiva material, a Constituição consiste no estatuto jurídico do Estado ou, doutro prisma, no estatuto jurídico do

político, estrutura o Estado e Direito do Estado”. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.321.

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Para Brito, “por ser potência o poder constituinte é o denominado fundacional ou originário, porque ou inaugura uma ordem constitucional ou instaura uma outra ordem completamente nova ao acionar a sua eficácia atual. Não há, assim, poder constitui nte constituído ou derivado. Há, sim, órgãos com competência para promover modificações na Constituição jurídica, observados os

limites dessas atribuições”. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1993, p.71. Não obstante, o

jurista baiano discorda de que o poder constituinte seja um mero fato político, considerando que “o seu mundo é o da Teoria da Constituição, o qual formula axiomas a partir de comportamentos aceitos como verdades históricas, acolhidas em termos de proposições normativas ou como princípios não positivados, mas com eficácia jurídica. (...) não é um mero fato; é um poder

Essa juridicização do político ou politização do jurídico, porém, não impede que

ainda se repute útil a distinção entre as duas figuras. Os fundamentos políticos se inspiram

teoricamente nos anseios dos cidadãos que elegem democraticamente os seus representantes e,

assim, definem indiretamente os rumos que toda a sociedade (incluindo o próprio Estado) deve

tomar, a fim de se alcançar os objetivos traçados pelo legislador constituinte. Já os fundamentos

jurídicos, embora devam coincidir teleologicamente com os fundamentos políticos, funcionam

como instrumentos de concretização organizados através de métodos e dispostos em categorias

consagradas pela Ciência do Direito. Para tanto, o sistema jurídico cuida de prever uma série de

institutos

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, destacando-se, dentre eles, o devido processo legal.

É nessa esteira que Willis Santiago Guerra Filho – com amparo na teoria de Robert

Alexy que identifica os princípios como mandamentos de otimização – faz a correlação entre o

princípio da proporcionalidade, a cláusula do devido processo legal e o sistema de direitos e

garantias fundamentais, enfocando a necessidade de se estabelecer “uma correspondência entre o

fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado que seja juridicamente o

melhor possível”

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.

Em síntese, pode-se afirmar que os fundamentos políticos, sobretudo aqueles

definidos pelo poder constituinte, legitimam os fins da atuação estatal, enquanto os fundamentos

jurídicos servem de parâmetro de legitimação dos meios empregados pelos poderes constituídos

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Os institutos jurídicos são identificados a partir de conjuntos de relações jurídicas convergentes e interligadas por aspectos comuns tais como um mesmo objeto ou de um mesmo sujeito e sujeitas a um mesmo conjunto de normas. De forma mais simplificada, podemos dizer que os institutos jurídicos são unidades lógicas de regras jurídicas. Na lição de Orlando Gomes, “a locução instituto jurídico usa-se em dois sentidos: ora para designar a matéria que constitui o objeto de disciplina jurídica por normas agrupadas e coordenadas, ora para qualificá-las. A coordenação processa-se pela afinidade do conteúdo. Os institutos jurídicos desdobram-se mediante particularizações, que decorrem da sistematização das leis, ganhando autonomia, embora se conservem unidos aos que têm maior cunho de generalidade. Assim, o matrimônio é instituto jurídico autônomo, porque constitui matéria disciplinada por um complexo de normas coordenadas, mas, nem por isso, deixa de estar integrado no institut o mais amplo da família”. Introdução ao direito civil, p. 11. Também segundo, Miguel Reale, “as normas da mesma natureza, em virtude de uma comunhão de fins, articulam-se em modelos que se denominam institutos, como, por exemplo, os institutos do

penhor, da hipoteca, da letra de câmbio, da falência, da apropriação indébita. Os institutos representam, por conseguinte,

estruturas normativas complexas, mas homogêneas, formadas pela subordinação de uma pluralidade de normas ou modelos jurídicos menores a determinadas exigências comuns de ordem ou a certos princípios superiores, relativos a uma dada esfera da experiência jurídica”. Lições preliminares de direito, p. 191.

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Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 266. “Nossa proposta, então, é de que se considere o princípio da proporcionalidade – da mesma forma que, por exemplo, princípios como o da isonomia e da razoabilidade – necessário ao aperfeiçoamento daquele ‘sistema de proteção organizado pelos autores de nossa Lei Fundamental em segurança da pessoa humana, da vida humana, da liberdade humana’, como refere Rui Barbosa as garantias constitucionais em sentido estrito – as quais, para nós, não são essencialmente diversas dos direitos fundamentais propriamente ditos, que sem esse sistema de tutela, essa dimensão processual, não se aperfeiçoam enquanto direitos. Assim sendo, o princípio da proporcionalidade se consubstanciaria em uma garantia fundamental, ou seja, direito fundamental com uma dimensão processual, de tutela de outros direitos – e garantias – fundamentais, passível de se derivar da ‘cláusula do devido processo legal’. A estreita correlação entre o princípio da proporcionalidade e o sistema de direitos e garantias fundamentais vem assinalada por autor que realizou um dos maiores esforços, em tempos recentes, para desenvolver teoria jurídica tendo tal sistema por objeto – nomeadamente, Robert Alexy, especialmente em sua Theorie der

Grundrechte (1985). É assim que, no Postscript que escreveu para a tradução inglesa desta obra, logo na primeira fase, Alexy

aponta como tese central da mesma a assertiva de que direitos constitucionais são princípios e que princípios são determinaçõ es de otimização (Optimierungsgebote, optimization requirements) – tais determinações, de que se realizem os direitos (e garantias) fundamentais na medida do que for jurídica e faticamente possível, enunciam precisamente o princípio da proporcionalidade em sentido amplo”. Idem, p. 266-267.

em suas escolhas. De modo equilibrado e proporcional, estes aspectos devem co-existir no

Estado Democrático de Direito, não se admitindo, por isso, que os fins possam justificar a

adoção de qualquer meio, nem que os meios adotados estejam desgarrados do adequado alcance

dos fins.

A título de exemplo, quando um juiz declara a perda do direito de ação pelo decurso

do tempo associado à inação do acionante, a sua decisão encontra motivação direta no instituto

da prescrição (fundamento jurídico), previsto no texto legal porque o legislador prestigiou a paz

social, que certamente seria abalada acaso permitida ad perpetuam a instauração de litígios

(fundamento político); e esta vontade do legislador ao instituir a prescrição, por sua vez,

encontra amparo na ponderação de valores constitucionais que, no caso, admitem

proporcionalmente a preponderância do interesse público na pacificação social em confronto

com os interesses patrimoniais dos credores (fundamento jurídico-constitucional). Vale dizer,

reputa-se o instituto jurídico da prescrição como um dos meios constitucionalmente adequados

para o fim consistente no alcance da paz social.

Na lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, este constante equilíbrio entre os ideais

políticos e os instrumentos jurídicos torna-se necessário para que “as exigências do Estado Social

se jurisfaçam nos contornos do Estado de Direito”, impedindo a todo custo que “as funções

sociais do Estado se transformem em funções de dominação”.

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Partindo disso, conclui que “o

exercício de funções sociais, na forma da lei, deve obedecer a certos princípios que, por

exemplo, a dogmática constitucional alemã chama de ‘proibição de excesso’,

‘proporcionalidade’ e ‘exigibilidade’”.

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Tendo vista o objeto específico do presente estudo, são deveras interessantes as

ponderações de Tércio Ferraz ao assinalar que a legítima aplicação do princípio da proibição do

excesso impõe que “cabe ao Poder Público o ônus da prova da exigibilidade do interesse público

565 Legitimidade na Constituição de 1988. In: Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia. Supremacia. São Paulo: Atlas, 1989, p. 56. Assim discorre Tércio Sampaio: “Ora, o grande drama do reconhecimento constitucional do Estado Democrático de Direito está no modo como as exigências do Estado Social se jurisfaçam nos contornos do Estado de Direito. E o princípio legitimador, ainda que abstrato e genérico, desta compatibilização só pode ser um único: impedir a todo custo que a s chamadas funções sociais do Estado se transformem em funções de dominação (Forsthoff, 1976:55). É preciso, pois, ver no reconhecimento do Estado Democrático de Direito um claro repúdio à utilização desvirtuada de necessárias funções sociais como instrumentos de poder. Isto, de um lado, destrói o Estado de Direito e, de outro, perverte o Estado Social, desnaturando, em conseqüência, o Estado Democrático de Direito constitucionalmente reconhecido. Ora, não há outro meio jurídico para a realização deste princípio senão uma compreensão das funções do Estado fortemente ancorada numa hermenêutica constitucional que saiba lhe impor as diretrizes”. Idem.

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Ib idem. Aduz Ferraz que “pelo princípio da exigibilidade, o Poder Público assume certas finalidades como exigências maiores do interesse coletivo inerentes ao Estado Social e as estabelece como constantes, em função das quais variam os meios. Isto, porém, é temperado pelo princípio da proporcionalidade, que nos obriga a ver fins e meios como variáveis mutuamente dependentes e adequadas uma à outra. Assim, não obstante a fixação de uma finalidade, esta não deve ser estabel ecida sem se levar em consideração os meios disponíveis, nem estes devem ser invocados caso nos levem para além das finalidades. Os dois princípios, porém, mormente o segundo, têm um caráter meramente formal, que exige um novo temperamento, que é dado pelo princípio da proibição do excesso”. Ib idem.

tornado relevante, e da proporcionalidade da relação meio/fim, toda vez que uma medida seja

limitadora de uma liberdade constitucional”.

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Com efeito, não raro se observa a Administração

Pública adotar meios de ação extremamente invasivos dos direitos e garantias individuais sem

que, contudo, se apresente a devida motivação fundada em fatos que efetivamente justifiquem tal

grau de agressão.

É assim que, v.g., na cidade de Salvador instituiu-se uma famigerada prática de blitz

policial em ônibus urbanos, adotando-se um procedimento por meio do qual todos os passageiros

são obrigados a descer do veículo, postar-se com as mãos para cima a fim de serem revistados.

Não bastasse o longo tempo de espera necessário para a conclusão desta operação (agressão à

liberdade de locomoção), a cena por si só expõe todas aquelas pessoas, pelo simples fato de se

utilizarem do transporte urbano, a toques corporais nem sempre sutis e educados (agressão à

intimidade) e ao ridículo de serem tratadas como potenciais criminosos (agressão à imagem e à

presunção de inocência). Poder-se-ia alegar, nesse caso, que a atitude da polícia seria

presumidamente legítima na medida em que assim estaria agindo em benefício do interesse

público, buscando apreender armas de fogo em poder de bandidos e, com isso, prevenindo

assaltos a ônibus. É o que comumente se ouve como justificativa dada pelas autoridades públicas

e até mesmo por estudiosos da Ciência Jurídica. Mas não parece ser essa, com a devida venia, a

correta aplicação do Direito Administrativo.

Ora, conforme se defendeu acima, com esteio na autorizada lição de Tércio Ferraz, é

preciso que haja um necessário equilíbrio entre os fins políticos definidores do interesse público

e os meios jurídicos adotados pela Administração para alcançá-los. No Estado Democrático de

Direito nem tudo é possível em nome do interesse público, até porque, se tudo fosse possível,

estaria sob risco o próprio interesse público concernente ao respeito aos direitos e garantias

individuais. Para se justificar o alto grau de agressão na atuação do poder de polícia, faz-se

necessário muito mais do que a simples presunção de legitimidade da atividade administrativa. E

é da Administração, como disse Tércio Ferraz, o ônus da prova de demonstrar claramente que o

procedimento adotado revela-se adequado ao fim público perseguido.

No caso em tela, seria então preciso, num primeiro momento, demonstrar, com

recurso a algum método criterioso de percepção racional (estudos estatísticos, por exemplo), que

a blitz policial que atinge a todos os que andam de ônibus na cidade de Salvador se justifica

diante do número de assaltos que vem ocorrendo nesse meio de transporte. Mas isso só não

basta, porque a proporcionalidade do meio deve ser balizada tendo em conta também a sua

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eficiência. Logo, em um segundo momento, seria preciso ainda que a Administração

demonstrasse como andam os resultados da sua atuação repressiva, pelo que, na situação

enfocada, caberia recorrer mais uma vez a métodos racionais que revelassem a quantidade de

armas apreendidas nestas operações e, sobretudo, se isso tem efetivamente diminuído a

ocorrência de assaltos a coletivos. Acrescente-se que, em tempos nos quais tanto se fala em

administração participativa, seria bem vinda ainda uma pesquisa de opinião pública junto aos

usuários do transporte urbano, porque ninguém melhor do que eles para sopesar os prejuízos que

pessoalmente sentem com a ação policial e os supostos benefícios daí decorrentes. Tudo isso

serviria para conferir o maior grau possível de legitimidade à atividade estatal.

Feitos estes esclarecimentos, volta-se ao tema dos fundamentos políticos e jurídicos

da executoriedade. Consoante escreve José dos Santos Carvalho Filho, a auto-executoriedade