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2.3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.3.2 Jeremy Bentham e o Menor Incômodo na Busca da Prova

Muito próximo do que hoje pregam os defensores da doutrina das cargas probatórias

dinâmicas está o pensamento do jusfilósofo inglês Jeremy Bentham, que há muito tempo atrás se

destacou por defender que “la carga de la prueba debe ser impuesta, en cada caso concreto, a

aquellas de las partes que la prueba aportar con menos inconvenientes, es decidir, con menos

dilaciones, vejámenes y gastos”.

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Rechaçando as fórmulas rígidas de distribuição do ônus

probatório, sobretudo aquelas que atribuem precipuamente ao autor o encargo de provar,

Bentham pugnou pela adoção de procedimentos simples, de acordo com as possibilidades de

cada uma das partes em colaborar com o juiz na busca da verdade.

O Tratado das Provas escrito por Bentham é uma obra rica em coerência, tanto que

considerada por Vittorio Denti como “la gran obra que está en el inicio de la moderna evolución

del derecho probatorio”.

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Críticas, porém, não lhe faltaram, tal como fez Pescatore ao ressaltar “a superioridade

do critério distributivo fundado na lei, em vez de deixá-lo ao arbítrio judicial, privilegiando a

certeza”.

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Amaral Santos considera que a teoria de Bentham somente encontraria espaço em

processos inquisitórios

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Rodrigo Xavier Leonardo assinala a dificuldade de Bentham em

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Tratado de las pruebas judiciales. Buenos Aires: Ejea, 1971. v 2, p. 149. Segundo João Batista Lopes, na doutrina de Bentham “a prova deve ser feita por quem possa satisfazer mais fácil, menos inconveniente e menos dispendiosamente”. Op. cit., p. 41. Assim também comenta Moacir Amaral Santos: “Bentham, partindo do pressuposto de que se deve proteger o autor e não o réu, porque o primeiro não se atreveria a propor a ação senão quando convencido da sua justiça, enquanto que o segundo, no mais das vezes, não tem outro intuito senão contrariar a demanda, aparta-se do princípio romano, que incumbe ao autor fazer a prova do alegado – actore incumbit probatio. Para o filósofo inglês, a obrigação da prova, num sistema de justiça franco e simples, de procedimento natural, ‘deve ser imposto, em cada caso, à parte que puder satisfazê-la com menores inconvenientes, isto é, menor perda de tempo, menores incômodos e menores despesas”. Op. cit., p. 100.

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Op. cit., p. 237.

457 Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, op. cit., p. 84. Sobre a obra de Bentham, assim escreve o autor: “Bentham baseia a sua doutrina num dos princípios que Bar e Laband afirmam ter acolhida no direito barbárico, observando que, no sistema de justiça franco e simples, a obrigação da prova deve ser imposta, caso a caso, à parte que puder satisfazê-la com menos inconveniente, vale dizer, menores despesas, menor perda de tempo e menor incômodo. O renomado jurista parte do pressuposto de que se deve proteger o autor e não o réu, este sempre interessado em contrariar, ao passo que aquele não se aventuraria em uma lide senão quando certo de vencê-la. Desse modo, se distancia do princípio romano segundo o qual ao autor incumbe a prova do alegado, o que merece a crítica de Pescatore, para quem o princípio romano é penhor de segurança: se o autor sabe que a prova dos fatos articulados lhe incumbe, deve proceder cautelosamente; caso contrário, os mais ‘temerários e audazes se aventurarão a tentar fortuna nos arbítrios e erros dos tribunais’ (...) Analisando a doutrina de Bentham, Carlos Lessona afirma que se poderia confiar ao juiz, de dois modos, a escolha da parte inumbida da prova: criando presunções contra certas pessoas (pobre, ébrio etc.) ou deixando a seu critério a avaliação da honestidade das partes. Ele descarta a aplicação de ambos, preferindo acolher o princípio romano, ‘vero e giusto’, onus probandi incumbit ei qui dicit”. Idem, p. 84-85.

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“Uma tal teoria seria tão-somente justificável nos sistemas processuais que atribuíssem ao juiz o predomínio absoluto na orientação da instrução (processo inquisitório). Não haveria propriamente um princípio norteador da distribuição do ônus probatório, mas ficaria ao juiz examinar caso por caso e deliberar livremente a qual das partes cumpriria trazer a prova dos fatos. (...) Em suma, a teoria de Bentham suprime o princípio dispositivo em relação à distribuição do ônus probatório, para dar lugar ao instituto da ‘investigação da verdade’, da essência do princípio inquisitório”. Op. cit., p. 100-101.

“delimitar, mediante mecanismos técnicos, qual seria a parte em situação mais favorável para

produzir a prova”.

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Fabiana Tomé, por sua vez, reputa a posição de Bentham demasiadamente

ampla e de difícil adoção, já que “na realidade, não haveria, propriamente, regra norteadora da

distribuição do ônus, visto que ao julgador caberia, caso a caso, deliberar livremente sobre a que

parte incumbiria constituir prova dos fatos”.

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Malgrado as críticas dirigidas às idéias de Bentham e a propagação de modelos

probatórios rígidos adotados por códigos processuais de vários países, o seu pensamento volta e

meia veio sendo invocado pela jurisprudência naquelas situações peculiares em que a exegese

literal das normas legais produziriam flagrante injustiça. Tal como anteriormente argumentado

no tocante à distribuição dinâmica do ônus da prova, não se justifica o temor de que a adoção das

idéias de Bentham acabe produzindo insegurança por se deixar a escolha de critérios ao arbítrio

do juiz.

A uma, porque já se mostrou ser ilusória a concepção mecanicista de que o juiz seria

apenas “a boca que pronuncia as palavras da lei”. Ora, a simples atividade hermenêutica e de

percepção dos fatos já traduz necessariamente uma valoração pelo aplicador da norma jurídica,

com vistas à situação concreta posta à incidência do dispositivo legal, e isso não é diferente em

se tratando de parâmetros de fixação do ônus probatório.

A duas, porque se pode perfeitamente adaptar a concepção de Bentham a conviver

com o sistema tradicional de distribuição do ônus da prova, de modo que, a exemplo do que

dizem os defensores da doutrina das cargas probatórias dinâmicas, seja motivada subdisidiaria e

excepcionalmente naquelas situações específicas em que os critérios rígidos não funcionam bem.

Em terceiro lugar, é justamente para se evitar o cometimento de arbitrariedades que

se torna necessária a adoção de um procedimento devidamente fundamentado, por meio do qual

o aplicador deixe claras as razões que justificaram, naquele caso, o direcionamento do encargo

probatório para determinado litigante (devido processo legal formal). Outrossim, esta relativa

liberdade dada ao aplicador na definição da regra de distribuição adequada ao caso concreto

encontra limites racionais e de razoabilidade que devem impedir o cometimento de

arbitrariedades (devido processo legal substancial).

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Op. cit., p.98. Aduz o autor: “Bentham não discorda do princípio de que a imputação do ônus da prova recai sobre a parte que formula a correspondente alegação. O autor, porém, constata que quanto maior a rigidez na aplicação desse princípio, mais o processo tem-se afastado de suas finalidades, em razão das maiores dilações probatórias, dos incômodos e gastos, de maneira que tal aforismo mais criou dificuldades do que as resolveu”. Idem, p. 98-99.

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