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2.4 Marco teórico da responsabilidade internacional

2.4.1 A teoria da responsabilidade internacional em García Amador

No ano de 1954, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução nº 799 (VIII), que recomendou à Comissão de Direito Internacional a codificação de princípios jurídicos vigentes, relacionados à responsabilidade internacional do Estado (ONU, 1954). Em cumprimento ao estabelecido na Resolução, a CDI iniciou seus trabalhos, em 1956, tendo o jurista García Amador como relator especial deste tópico38. Durante os 5 (cinco) anos que desempenhou esta função, García Amador produziu 6 (seis) relatórios que, em linhas gerais, focalizaram o tema da responsabilidade do Estado a partir da óptica dos danos causados aos estrangeiros e a seus bens.

Dentro do período compreendido entre 1956 e 1961, García Amador apresentou propostas para discussão que se centraram no debate da responsabilidade do Estado por danos causados em seu território à pessoa estrangeira. O enfoque idealizado para o instituto era, portanto, limitado. Amador mantivera o fato gerador da responsabilidade internacional calcado na existência de um dano material ou moral ocasionado a um Estado por ato internacionalmente ilícito. Esses primeiros esforços de codificação do tema tratavam de uma responsabilidade oriunda apenas de danos causados ao não-nacional. Nesse sentido, o direito da responsabilidade internacional foi usado, na primeira metade do século XX, como um instrumento de proteção de indivíduos e empresas no exterior (SLOBODA, 2017).

Garcia Amador buscou, em seus relatórios, a codificação da ideia de responsabilidade internacional reinante a seu tempo, pautada em construção doutrinária originária de Anzilotti (1902, pp. 95-96), para quem o Estado lesado teria o direito de ter o seu dano reparado, ainda que não existisse qualquer direito de subjugar outro Estado por meio de punição, com base numa lógica de subordinação. Nesse cenário, o dano passa a elemento central na teoria de Anzilotti e no pensamento desenvolvido por Amador, o qual defende que a nova relação jurídica criada pela responsabilidade internacional passa a ser o direito de reparação do Estado, e não de punição.

O dano causado aos nacionais de outro Estado é, pois, o ponto fulcral do início da concepção de responsabilidade internacional. Aliás, mais da metade dos projetos de

38 O relator especial é um perito independente nomeado pelo Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas para examinar e relatar uma situação ou questão específica de direito internacional. Este cargo é honorário e o especialista não é membro da equipe das Nações Unidas ou pago pelo seu trabalho.

codificação do tema realizados no início do século XX foram nesse sentido, com destaque para a Resolução do Institut de Droit International de 1927 e para o projeto elaborado por Harvard em 1929 (LAITHIER, 2010, p. 53). Também o Comitê Preparatório da Conferência de Codificação da Haia de 1930 manifestou adesão unânime à ideia de que a responsabilidade é criada a partir de dano causado a estrangeiros e a seus bens. Essa Conferência fora convocada sob a égide da Sociedade das Nações e deveria promover a codificação do tema, não tendo alcançado, entretanto, resultados concretos (BORIES, 2010, p. 61).

Esse tema, conforme visto, também elencado nos primeiros relatórios da Comissão de Direito Internacional da ONU, perdurou como base das discussões internacionalistas sobre responsabilidade em grande parte do século XX. García Amador estava propenso a conferir ao indivíduo um novo status no Direito Internacional e, para tanto, propôs, no artigo 21 de seu projeto (ONU, 1961, p. 46), que a pessoa estrangeira tivesse, enquanto detentor de direito violado pelo Estado, o natural direito de recorrer aos órgãos internacionais competentes. Esses órgãos passariam a ser criados a partir de acordos entre o Estado violador e o Estado da nacionalidade do indivíduo.

As propostas de García Amador eram, nesse aspecto, por demais vanguardistas para serem aceitas pelos juristas da época, ainda apegados a um conservadorismo de matriz europeia (SLOBODA, 2017). Embora houvesse precedentes internacionais39, mostrou-se de difícil execução o reconhecimento de direitos subjetivos ao indivíduo no seio da Comissão de Direito Internacional. Notadamente, o da capacidade postulatória. Tratava-se de construção ideológica distante de juristas influenciados por pensamentos enraizados no sistema soberanista da Paz de Vestfália, razão pela qual o projeto de Amador acabou rejeitado.

Para Ramos (2003, p. 68), os trabalhos desenvolvidos na relatoria de García Amador em prol da responsabilização internacional do Estado teriam deixado como legado a ideia de que o instituto em questão se mostra propício a disciplinar obrigações bilaterais em que um Estado, ao violar o direito de outro, geraria a este o interesse jurídico de obter a restituição à situação imediatamente anterior ou, se impossível, a uma indenização. Ainda que se trate de uma maneira simplória de vislumbrar a questão, foram esses os alicerces para a construção das teorias subsequentes.

Dando seguimento aos trabalhos da Comissão, a Assembleia Geral das Nações Unidas determinou, por meio da Resolução nº 1686 (XVI), de 1961, que a CDI continuasse com o trabalho de codificação da responsabilidade internacional do Estado40. Com a entrega

39 Como a Corte Centro-Americana de Justiça, que funcionou de 1908 a 1918 (SLOBODA, 2017).

do relatório pela subcomissão, em 1963, os membros identificaram a necessidade de priorizar a definição de regras gerais sobre o tema e, ao fazê-lo, considerar o papel que a evolução do Direito Internacional proporcionou ao assunto. O relatório desencorajou, ademais, a realização de estudos por área temática, devendo a visão ser tomada em conjunto. O documento propôs, ainda, que se evitasse tratar a matéria tendo em consideração outros sujeitos do Direito Internacional que não o Estado. Após a aprovação do parecer, os membros elegeram Roberto Ago como novo relator especial para o tópico.

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