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Perpassado, nos tópicos anteriores, todo um olhar panorâmico a respeito da evolução da ideia de responsabilidade na sociedade internacional e sobre a existência de

22 Tradução livre de “Responsibility interacts with the notion of sovereignty, and affects its definition, while, reciprocally, the omnipresence of sovereignty in international relations inevitably influences the conception of international responsibility. At the same time, responsibility has profoundly evolved together with international law itself: responsibility is the corollary on international law, the best proof of its existence and the most credible measure of its effectiveness”.

compatibilidade entre o atual conceito de soberania e o instituto da responsabilidade extrafronteiriça, é possível se ater agora, em particular, ao exame da teoria da responsabilidade internacional do Estado em suas nuances, uma vez que já incutidos os parâmetros modeladores da moderna concepção de responsabilidade estatal.

Um primeiro ponto a ser desenvolvido é a busca por um marco conceitual satisfatório a fim de estabelecer uma definição de responsabilidade jurídica lato sensu, capaz de auxiliar na construção de uma clara noção de responsabilidade internacional do Estado. Nesse sentido, toma-se como válido o conceito de Silva (2010, p. 642), para quem a responsabilidade consiste no dever jurídico decorrente de um acordo, de um fato ou de uma omissão, que é imputado à pessoa para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais que lhe são impostas. Stoco (2007, p. 114) acrescenta, ainda, que essa ideia de responsabilização é inerente à concepção de justiça e à existência da sociedade humana:

A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana.

Partindo desse pressuposto, percebe-se que é intrínseco a qualquer teoria da responsabilidade o fato de a pessoa a quem é imputado um ilícito auferir a obrigação de arcar com o encargo dele decorrente, em função do direito correlato do sujeito lesado de ver o seu dano ressarcido. Essa imposição tende a ser instituída no meio social pelos integrantes da própria comunidade que sofrera a lesão responsabilizável, a qual compete impor a todos o dever de responder por seus atos, reafirmando a concepção de justiça existente naquele grupo sedimentado. Situação essa que se entende, também, à hipótese do ilícito afrontar norma de Direito Internacional, já que a ideia de responsabilidade está na base de todo sistema social:

Nas relações internacionais, como em outras relações sociais, a invasão da esfera jurídica de um sujeito de Direito por outra pessoa jurídica gera responsabilidade que reveste várias formas definidas por um sistema jurídico particular. A responsabilidade internacional é normalmente considerada a propósito dos Estados como sujeitos comuns de Direito (BROWNLIE, 1997, p. 457).

Dentro da seara internacional, há elementos de conformação presentes na sociedade internacional que nela interagem de maneira a permitir-lhe um funcionamento regular e estável (MOREIRA NETO, 1988, p. 143). Esse conjunto de princípios delineia uma fronteira no campo do interesse coletivo, protegendo-o dos excessos e dos abusos antissociais das liberdades individuais (MOREIRA NETO, 1988, p. 145). A aplicação desse conceito

repercute no resguardo de direitos inerentes a qualquer sistema social, com o Direito Internacional regulando a sociedade na qual é instituído e a qual disciplina.

Essa sociedade internacional, conforme acentua Portela (2015, p. 36), possui identidade própria, sendo composta por atores, com vínculos jurídicos e dinâmica específicos, que reclamam o estabelecimento de uma ordem que lhes albergue direitos23. O sistema internacional é, portanto, a correspondência da convivência pública internacional, inerente ao funcionamento dessa mesma disposição juspolítica, pautada na defesa de regras e princípios que sustentam a sua existência regular e a preservação dos compromissos avençados.

O desenvolvimento desse valor social, dado inicialmente com a exteriorização de normas internas dos Estados que asseguram o cumprimento de obrigações contraídas, tem a sua extensão para a sociedade internacional a partir do século XX, com o aprimoramento de um quadro historicamente voltado à expansão de novos direitos para além do cenário nacional. No âmbito da sociedade internacional atual, em que atuam Estados, empresas, organizações internacionais e o sujeito humano, não se esvaiu esse clamor pela instituição de um sistema internacional que traga parâmetros mínimos aos povos e cumpra o dever de mediação quando haja conflitos relativos a responsabilidade.

Cabível é a aplicação, portanto, ao menos em princípio, da teoria da responsabilidade aos ilícitos praticados no seio da sociedade internacional, por representar uma segurança necessária às relações jurídicas extraterritoriais e a direitos que ultrapassem a esfera do sistema jurídico de um único Estado, conforme tem entendido majoritária doutrina internacionalista:

Deste modo, essa noção [de responsabilidade] penetrou, como não podia deixar de ser, em todos os ramos da ciência jurídica, inclusive no DI. [...] esta noção corresponde a uma “necessidade de equilíbrio social, de retribuição, de justiça, sendo esta a razão de o seu fundamento ser ético".

Na ordem jurídica internacional ela tem a mesma razão de ser. Nenhum sistema jurídico pode existir sem atribuir aos seus sujeitos deveres ao lado de direitos. Ela surge, como já vimos, quando o Estado viola uma norma internacional, isto é, quando o Estado viola o dever que tem de respeitá-la (MELLO, 2004, p. 526). Para haver essa espécie de responsabilização deverá ocorrer a plena consonância entre a imputação de responsabilidade ao agente e o seu dever de reparar o dano proporcionado, de maneira que, por se tratar o agente em questão de um sujeito de Direito Internacional, tal responsabilização recairá, necessariamente, na pessoa de um Estado ou de uma organização internacional, em razão do Direito em análise ter a peculiaridade de

23 Portela (2015, p. 36) conceitua a sociedade internacional como um conjunto de vínculos entre diversas pessoas e entidades interdependentes entre si, que coexistem por diversos motivos e estabelecem relações que reclamam a devida disciplina.

reconhecer apenas as pessoas jurídicas dantes mencionadas como capazes de responder civilmente frente à ordem internacional24.

Nesse condão, a responsabilidade internacional será conferida a esse sujeito de DIP em decorrência de conduta que, de um modo geral, tenha sido praticada por órgão ou funcionário do ente público no exercício de suas funções e seja tida como ilícita frente ao Direito Internacional, conforme adverte Pereira (2000, p. 41):

Autores clássicos [Anzilotti, Paul Fauchille e Akwyn Freeman] fundam suas Teses ou Teorias, no princípio de que se um Estado viola suas obrigações contra outro Estado ou súditos deste último o Estado infrator está obrigado a reparar o dano causado.

Será o Estado o responsável pelo ilícito internacional mesmo não sendo ele o autor imediato da antijuridicidade. Terá o dever de compensar os danos decorrentes dos atos praticados por seus órgãos internos, agentes políticos e particulares, desde que, neste último caso, seja observado o requisito da nacionalidade vinculada e outras condições indispensáveis25, como a omissão ilícita do Estado, a serem trabalhados em tópico específico desta obra26. Certo é que, no atual estágio do Direito Internacional, não há se falar em uma responsabilização civil do indivíduo, de forma personalíssima, pelo ilícito praticado27, ainda que, prima facie, seja ele o autor apriorístico do ato antijurídico em questão:

Assim, pode-se considerar como incontestável a regra de que o estado é internacionalmente responsável por todo ato ou omissão que lhe seja imputável e do qual resulte a violação de uma norma jurídica internacional ou de suas obrigações internacionais (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2008, p. 345).

De igual modo, esse sujeito, em sendo a parte lesada pelo ato antijurídico, também não poderá buscar, diretamente e em nome próprio, a reparação do dano sofrido junto aos tribunais internacionais. Em especial porque órgãos jurisdicionais como a Corte Internacional de Justiça28 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos29 não admitem pleitos realizados imediatamente pelo indivíduo, ainda que, no caso desta última, haja a possibilidade do acionamento de órgão preliminar e sem cunho jurisdicional pela pessoa humana, visando à

24 O indivíduo somente poderá ser responsabilizado internacionalmente em demandas de natureza penal (ETPI, art. 1º: “O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional”) ou arbitral (PAC, item 1: “as partes num contrato se obrigam, em matéria comercial ou em qualquer outra suscetível de ser resolvida por meio de arbitragem”), o que não é o recorte posto em análise.

25 “[...] é necessário, no plano internacional, que haja o endosso da reclamação do Estado nacional da vítima, ou, ainda, o Estado cujo particular cometeu o ilícito e que virá a ser responsabilizado.” (MELLO, 2004, p 523). 26 Vide tópico 2.5.

27 Ao menos não em sede das Cortes Internacionais (ex.: Corte Internacional de Justiça).

28 ECIJ, art. 34: “Só os Estados poderão ser partes em questões perante a Corte” (BRASIL, 1945).

29 CADH, art. 61, 1: “Somente os Estados Partes e a Comissão têm direito de submeter caso à decisão da Corte” (BRASIL, 1992).

proteção de seus direitos universais30. Com efeito, o indivíduo precisará da atuação mediata de um ente estatal para a validação da sua reclamação:

[...] a responsabilidade internacional é o vínculo jurídico que se forma entre o Estado que transgrediu uma norma de Direito Internacional e o Estado lesado, visando ao ressarcimento desse dano (DEL’OLMO, 2006, p 130).

Ante essas considerações, percebe-se que a responsabilidade internacional é um dos mecanismos basilares do Direito Internacional, envolvendo tanto os entes políticos, quanto os seus representados. Trata-se de uma técnica fundamental de sanção pela não-aplicação das normas internacionais pelo Estado. Observa a lógica de que o ente público civilmente responsável pela prática de ato em contrariedade ao Direito Internacional deve, a quem tenha causado dano, uma reparação adequada.

Salvo hipótese de excludente de responsabilidade31, ocorrerá a responsabilização internacional sempre que o Estado estiver praticado, através de seus órgãos, um ato ou fato ilícito32 que contrarie dever estabelecido em norma de Direito Internacional, positivada ou consuetudinária, e que afete com isso um Estado alienígena, súdito deste ou organização internacional. Daí se depreende que o Estado responde por qualquer violação de deveres internacionalmente impostos, pautadas na obrigação de respeitar os compromissos livremente assumidos (responsabilidade contratual) e de reparar todo o prejuízo injustamente causado (responsabilidade delituosa), mediante a observância de premissas de dignidade e respeito aos direitos dos demais Estados33.

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