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5.1 Hipóteses denegatórias ao estrangeiro no Superior Tribunal de Justiça

5.1.4 Impossibilidade de o estrangeiro recorrer em liberdade

A presunção de inocência é um garantia judicial de qualquer indivíduo sujeito ao jus persequendi e ao jus puniendi do Estado. É um cânone insculpido no direito de não ser preso arbitrariamente (DUDH, art. 9; PIDCP, art. 9; DADDH, art. XXV; CADH, art. 7, 3) e na própria garantia de não antecipação de pena à pessoa acusada de um ato delituoso até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as prerrogativas de defesa lhe sejam asseguradas (DUDH, art. 10; PIDCP, art. 14,2; DADDH, art. XXVI; CADH, art. 7, 2). Até mesmo porque toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito a recorrer da sentença condenatória a uma instância superior:

PIDCP, Art. 14. [...]

5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei. CADH, Art. 8. Garantias judiciais [...]

2. [...]

h. direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

A regra é que, se o réu respondeu ao processo em liberdade, a prisão contra ele decretada, fundada em condenação penal recorrível, somente se justifica se motivada por fato posterior que se ajuste, concretamente, a uma das hipóteses referidas no art. 312 do Código de Processo Penal brasileiro. Fora disso, está-se diante de uma execução provisória indevida da prisão, verdadeira antecipação de pena, que conflita flagrantemente com o princípio da presunção de inocência emanado do art. 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:

CADH, Art. 8. Garantias Judiciais. [...]

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas.

Em conformidade com essa previsão normativa, houve, no sistema jurídico nacional, a revogação do incongruente art. 594 do Código de Processo Penal brasileiro pela Lei nº. 11.719/2008, o qual instituía a necessidade do réu se recolher à prisão para recorrer235. Outrossim, antes mesmo da vigência dessa alteração legislativa no Brasil, já vigorava a Súmula nº. 347 do Superior Tribunal de Justiça, a qual indicava que o conhecimento da

235 CPP, art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime que se livre solto (BRASIL, 1941).

apelação do réu independeria da sua prisão, robustecendo a tese de que ao acusado é possível recorrer em liberdade236.

Não é de se imaginar que a regra em questão não se aplique ao estrangeiro, ante os preceitos de igualdade e não discriminação já indicados em rotunda gama de compromissos internacionais aperfeiçoados pelo Estado brasileiro. De todo modo, em alguns quadros, nem mesmo recursos ordinários para a segunda instância do mesmo tribunal, como é o caso da apelação criminal, são permitidos ao estrangeiro sem prévio encarceramento. No Superior Tribunal de Justiça perduram julgados nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA REVOGADA. DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS APLICADAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NEGATIVA DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTE. RÉU ESTRANGEIRO. RISCO DE FUGA. NECESSIDADE DE SEGREGAÇÃO PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E ASSEGURAMENTO DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. RECURSO DESPROVIDO. [...]

3. A constrição cautelar determinada na sentença condenatória encontra-se fundamentada na garantia da ordem pública, considerando a quantidade de substância entorpecente apreendida, o descumprimento das medidas cautelares alternativas e a condição de estrangeiro do recorrente, sem vínculos com o país, circunstâncias essas que apontam a gravidade concreta dos fatos, a periculosidade do acusado e o risco de aplicação da lei penal.

4. Condições subjetivas favoráveis ao recorrente não são impeditivas da sua prisão cautelar, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva ou subjetiva que autorizem a decretação do cárcere (Precedentes).

5. Recurso desprovido (RHC 55019/SP. Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/12/2015, DJe 16/12/2015)237.

Um posicionamento mais coadunado com as garantias do estrangeiro e com a sua prerrogativa de recorrer em liberdade, tal qual o nacional, ressalvadas as hipóteses legais de configuração da prisão preventiva, pode ser vislumbrado em acórdãos com o teor dos colacionados abaixo:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ESTRANGEIRO CONDENADO NO REGIME ABERTO. VEDADO O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AUSÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. [...] 2. Esta Corte firmou o entendimento no sentido de que a fixação do regime aberto para o inicio de cumprimento da pena é incompatível com a negativa do apelo em liberdade. Precedentes.

3. A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. (HC n. 94.016,

236 No que se refere a recursos a tribunais superiores, o Supremo Tribunal Federal tem entendido, desde o icônico julgamento do HC 126292, de relatoria do Min. Teori Zavascki, em 17 de fevereiro de 2016, que é possível a execução da pena de prisão após a condenação colegiada do réu em segunda instância.

237No mesmo sentido, AgRg no AREsp 451319/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 04/08/2016, DJe 12/08/2016.

Relator Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/9/2008, publicado em 27/2/2009).

4. No caso, a despeito de o paciente ter sido condenado à pena de 2 anos de reclusão, no regime aberto, a prisão cautelar foi mantida sem qualquer referência às exigências legais, previstas no art. 312 do Código de Processo penal, mas, tão somente, porque o réu respondeu preso ao processo e em razão do suposto risco de fuga pelo fato de ser estrangeiro.

5. Recurso ordinário a que se dá provimento para assegurar ao recorrente o direito de recorrer em liberdade, ressalvada a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, a serem estabelecidas pelo Juiz sentenciante (RHC 61664/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 05/11/2015, DJe 11/11/2015).

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS E USO DE DOCUMENTO FALSO. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. [...]

2. Hipótese em que a segregação cautelar dos recorrentes não se funda, exclusivamente, no fato de serem estrangeiros, mas em elementos concretos, notadamente a quantidade de droga apreendida (175 kg de maconha) e o modus operandi (ocultação do entorpecente em veículo e uso de documento de identificação argentino para encobrir a verdadeira nacionalidade), o que demonstra a periculosidade dos recorrentes e obsta a revogação da medida constritiva para a garantia da ordem pública. [...]

4. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido (RHC 59385/PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 24/11/2015, DJe 15/12/2015).

A condição de nacionalidade do réu jamais pode configurar um pré-requisito para a imposição do dever de recolher-se à prisão após a prolação de uma sentença de base. O direito a recorrer e a presunção de inocência devem ser sempre baluartes a regular essa atuação cautelar do Poder Judiciário, que somente pode impor ao não-nacional o dever de retirar-se à prisão se configurados os requisitos concessivos da prisão preventiva, não servindo o fato de o réu ser estrangeiro para esse desiderato.

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