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2.4 Marco teórico da responsabilidade internacional

2.4.2 A teoria da responsabilidade internacional em Roberto Ago

No período compreendido entre 1962 a 1980, com a criação do subcomitê para tratar do projeto de artigos sobre responsabilidade do Estado e a nomeação de Roberto Ago como relator especial, a CDI obteve significativo desenvolvimento na matéria. A incumbência do subcomitê era concentrar seus trabalhos na definição de regras gerais que orientassem o tema da responsabilidade internacional do Estado, atentando-se, para tanto, às regras secundárias sobre responsabilidade geral. Durante o seu mandato, Roberto Ago produziu 8 (oito) relatórios e a CDI adotou, provisoriamente, os 35 (trinta e cinco) artigos que compunham a primeira parte do projeto de artigos referentes à origem da responsabilidade do Estado.

Sucessivas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas incitaram a CDI a que desse continuidade aos esforços de codificação anteriores. Roberto Ago (1969, pp. 125- 126) submeteu o seu primeiro relatório à Comissão em 1969, o qual continha a síntese do trabalho até então realizado por diferentes órgãos e entidades sobre responsabilidade internacional. Após examinar o trabalho, a CDI solicitou ao relator o estudo do assunto sob dupla perspectiva: a origem da responsabilidade internacional (que fatos e circunstâncias configuram um ato ilícito em desconformidade com o Direito Internacional) e o conteúdo de tal responsabilidade (quais são as consequências e graus de responsabilidade à vista do Direito Internacional).

Roberto Ago apresentou, em 1970, conclusões acerca do método, da substância e da terminologia essencial sobre a parte um do projeto, intitulada “a origem da responsabilidade

responsabilização merecia prioridade em sua atuação, todavia, essa primazia não teria sido dada, segundo Garcia (2004, p. 279), em razão do modo como o assunto foi abordado. Enveredou-se, assim, pelo debate na Comissão acerca da exata abrangência que os trabalhos deveriam ter, criando-se subcomissão com a finalidade de submeter relatório ao colegiado sobre a dimensão e a forma de abordagem que o futuro estudo deveria apresentar.

internacional”41. Na visão do relator, o assunto deve ser abordado considerando apenas a prática de atos ilícitos, a ponto de enfatizar que a expressão “responsabilidade do Estado” deve ser entendida como a “responsabilidade dos Estados pela prática de ato ilícito internacional”42. Ago reafirma esse entendimento no desenvolvimento do seu projeto junto a CDI, somente passando a estender, a partir de 1978, a imputação de responsabilidade por atos não proibidos pelo Direito Internacional (SOARES, 2003, p. 730).

Alguns avanços foram verificados nos relatórios produzidos por Roberto Ago, como o fato de o ideal de responsabilidade internacional por ele defendido ter se perpetuado nos projetos de codificação seguintes43. Para esse autor, “todo ato internacionalmente ilícito praticado por um Estado dá ensejo à responsabilidade internacional deste Estado”44. Essa definição trazida por Ago (1970) prescinde do elemento dano, cabendo a responsabilização internacional do Estado, no seu entender, pela simples violação da norma internacional, partilhando com Anzilotti (1902, p. 85) a exclusão da elementar culpa do conceito de responsabilidade internacional.

Ainda é comum, no entanto, alguns conceitos de responsabilidade internacional considerarem, mesmo na atualidade, o dano como requisito indispensável à responsabilidade internacional do Estado. Historicamente, o dano dava-se como o próprio fato gerador da responsabilidade e, conforme visto, a tentativa de sistematização da matéria por Anzilotti (1902, p. 89) tinha o dano como elemento central, e todos os projetos de codificação empreendidos até a década de 1970 centravam-se na responsabilidade internacional como a obrigação de reparar os danos causados, como regra, ao estrangeiro e a seus bens. Essa concepção tradicional foi abandonada, todavia, com a chamada “Revolução Ago” (SLOBODA, 2017).

O dano passa, com essa lógica, a não ser mais o fato gerador da responsabilidade internacional45. O Direito Internacional ultrapassa a concepção de mera teia de normas intersubjetivas, dedicadas a resguardar interesses particulares dos Estados, tornando-se um verdadeiro sistema jurídico passível de garantir não apenas a coexistência dos Estados, mas

41 A estrutura do projeto é composta por 1ª Parte: origem da responsabilidade internacional; 2ª Parte: conteúdos, formas e graus da responsabilidade internacional; e 3ª Parte: aplicação das regras sobre responsabilidade internacional e resoluções de controvérsias (AGO, 1970).

42 Tradução livre de: “responsibility of States for internationally wrongful acts” (AGO, 1970).

43 O artigo 1 do anteprojeto de Ago, que definiu o conceito de responsabilidade internacional do Estado, foi confirmado em 1980 pela CDI e adotado, tanto na versão preliminar do projeto, de 1996, quanto em sua versão definitiva, por James Crawford, em 2001.

44 Tradução livre de: “Every internationally wrongful act of a State entails the international responsibility of that State” (AGO, 1970).

45 A eliminação do dano como fato gerador da responsabilidade contribui para a amalgamação do jus inter gentes soberanista em um novo jus gentium, pautado por interesses comuns (TRINDADE, 2002, p. 1039).

também seus interesses comuns. Ao se reconhecer a responsabilidade por qualquer ato ilícito, começa-se a abandonar o bilateralismo rígido do sistema de Vestfália, representado por Anzilotti (1902), para se aproximar de uma construção comunitária do direito internacional. Passa-se a admitir a criação de uma nova relação jurídica não apenas entre o Estado violador e o lesado, mas também entre o responsável pelo ilícito e outros sujeitos internacionais.

Outros pontos colhidos com a nominada “Revolução Ago” foram: o estabelecimento de uma distinção clara, em Direito Internacional, entre as responsabilidades civil e penal do Estado; a superação do enfoque às consequências do ilícito e à reparação do dano na responsabilidade internacional46; a realização de um estudo sistemático sobre a natureza do delito internacional e sobre a origem da responsabilidade internacional; a inclusão de todas as formas de relações jurídicas derivadas de atos internacionalmente ilícitos, sem se limitar aos danos causados a estrangeiros; e a existência de obrigações internacionais essenciais para a salvaguarda dos interesses fundamentais da comunidade internacional.

Os sucessores de Roberto Ago, os relatores Willen Riphangen (1980-1986) e Arangio-Ruiz (1987-1996), acabaram por concluir as partes dois e três do projeto que tratam, respectivamente, dos “conteúdos, formas e graus da responsabilidade internacional” e da “solução de controvérsias”. Eles confirmaram, em sua trajetória na CDI, o modo de pensar de Ago. O projeto em questão, embora aprovado em uma primeira leitura na Comissão, no ano de 1996, foi submetido aos governos dos Estados e à Assembleia Geral para comentários, não obtendo posterior unanimidade. Ele foi fonte de controvérsias entre os membros do órgão, bem assim de reações desfavoráveis de diferentes governos (GARCIA, 2004, p. 280).

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