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imputabilidade e o dano são os elementos indispensáveis à configuração da responsabilidade internacional (SOARES, 2004; MAZZUOLI, 2016). Accioly, Silva e Casella (2008, p. 345) abordam a questão de modo sistemático, aduzindo que a responsabilidade jurídica do Estado

71 No caso de danos nucleares, a responsabilidade é sempre dos exploradores do empreendimento, somente respondendo o Estado, subsidiariamente, se o explorador originário não tiver os meios adequados para indenizar. 72 No Direito Espacial, a responsabilidade é feita pelo Estado lançador do engenho, mesmo quando o lançamento é feito por particular.

dar-se-á quando, em se tratando de ato ilícito, houver dano a direito alheio com imputação de responsabilidade ao Estado, reafirmando as construções elementares de Garcia Amador73.

A Comissão de Direito Internacional da ONU tem consagrado, no entanto, desde a relatoria de Roberto Ago, uma metodologia um tanto diferenciada ao trabalhar a matéria. O art. 2º do Projeto da CDI sobre Responsabilidade Internacional do Estado, cunhado segundo os parâmetros das teorias de Ago (1970) e Crawford (2003; 2010), prescreve:

Há um ato internacionalmente ilícito do Estado quando a conduta consistindo de uma ação ou omissão:

a) é atribuível ao Estado consoante o Direito Internacional; e b) constitui uma violação de uma obrigação internacional do Estado.

Para a referida Comissão, a responsabilidade internacional estaria respaldada em apenas dois elementos de conformação: um de caráter objetivo (a violação de uma obrigação internacional pelo Estado) e outro de caráter subjetivo (a atribuição desta violação ao ente estatal)74. Nessa conjectura, torna-se claro que o dano passou de integrante da definição de responsabilidade a pressuposto desta mesma responsabilização, demonstrando que a atual concepção de responsabilidade internacional do Estado funda-se na violação de um direito posto e que o dano, em verdade, é consequência dessa violação.

Não sendo o dano um elemento intrínseco à responsabilidade internacional, caberá enquadrá-lo, rigorosamente, segundo a perspectiva da CDI, como incorporado ao ato causador do evento danoso ou do prejuízo jurídico. Aliás, defende Pereira (2000, p. 26) que a Comissão de Direito Internacional da ONU, ao retirar a expressão “dano” dentre os elementos da responsabilidade internacional, pretendeu dar maior amplitude a esse termo. Precisamente porque, se a violação do Direito acarreta, pela novel teoria, a responsabilização internacional imediata do Estado, significa dizer que a violação do Direito Internacional é em si mesma um prejuízo que dá ao sujeito lesado o direito de restabelecer a ordem jurídica vigente.

Tanto é assim que, na hipótese do ato praticado ser eminentemente ilícito, caberá a responsabilização do Estado infrator mesmo sem a prova da existência do dano, posto que, em o Estado vitimado sofrendo um prejuízo jurídico, haverá sempre a presunção iuris tantum de que ele terá o interesse de ver o Direito Internacional respeitado (MELLO, 2004, p. 525). Diferentemente ocorrerá, entretanto, no caso da prática de ato não proibido pelo ordenamento internacional, ocasião em que se farão indispensáveis, enquanto pressupostos da violação do

73 Vide tópico 2.4.1.

74 “Ela [Comissão de DI da ONU] considera que há um fato internacionalmente ilícito quando existe: um comportamento (ação ou omissão) atribuível ao Estado conforme o direito internacional e este comportamento é uma violação de obrigação internacional” (MELLO, 2004, pp. 524-525).

direito, a prova da existência de dano efetivo75 e da recusa na sua compensação pelo ente estatal, para, a partir de então, restar configurada a responsabilidade do Estado.

Vale elucidar, por fim, que, independe de haver ou não um fato ilícito a ensejar a conduta estatal reparatória, o dano efetivamente causado à vítima deve ser entendido como o resultado não só de um dano material (aspecto patrimonial), mas também de uma ofensa ou violação moral ao Estado ou a seu nacional (aspecto moral).

2.7.1 Do elemento objetivo: o fato ilícito

É necessário consignar de início que a Comissão de Direito Internacional da ONU preferiu utilizar o termo “fato ilícito” à nomenclatura tradicional “ato ilícito” para sintetizar o elemento objetivo da responsabilidade internacional. Crawford (2010, p. 47) concebeu que a primeira acepção se mostraria mais ampla e suficiente à consubstanciação da violação de um direito. Englobaria, conjuntamente, os fatos jurídicos em sentido estrito, os atos jurídicos em sentido estrito e os negócios jurídicos, cuja distinção advém da teoria civilista.

Se avaliado que a expressão “ato ilícito” (em seu sentido estrito de comportamento humano em que a vontade atua na formação do ato) exclui a responsabilização do Estado por negócios jurídicos76 (comportamentos humanos em que há vontade na criação e no efeito do ato) e por fatos jurídicos77 (acontecimento independente de vontade lato sensu), há que se conceder a correção da terminologia adotada pela CDI das Nações Unidas, a qual engloba todas as categorias anteriores.

Ante essa perspectiva, o fato internacionalmente ilícito ocorrerá quando ao Estado couber a atribuição de um comportamento que importe em violação a obrigação de Direito Internacional78, seja qual for a sua origem ou natureza, de modo que não fará diferença para a materialização da violação internacional se a conduta em vislumbre se encontrar ou não em consonância com o direito interno do Estado, importando tão-somente se há incongruência entre o fato antijurídico e o regramento internacional.

75 “[...] se o dano desapareceu do Projeto [da CDI], ele reaparece na questão da responsabilidade não interditada pelo Direito Internacional, pois, neste caso o dano é o fato gerador no tocante à responsabilidade por risco” (PEREIRA, 2000, pp. 26-27).

76 Exemplos clássicos de negócios jurídicos no Direito Internacional são os tratados, acordos e compromissos internacionais.

77 Cabe a responsabilização do Estado por fato ilícito em sentido estrito na hipótese de acontecimento natural aglutinado à omissão estatal.

78 O art. 13 do Projeto da CDI prescreve que “um ato de um Estado não constitui uma violação de uma obrigação, a menos que o Estado esteja vinculado pela obrigação em questão no momento em que o ato ocorre”.

Esse parâmetro retratado possui respaldo, tanto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969 – a qual prescreve que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um compromisso internacional (art. 27) –, quanto no próprio Projeto da CDI sobre Responsabilidade Internacional dos Estados, de 2001 – o qual institui que a definição de um ato de Estado como internacionalmente ilícito é regida pelo Direito Internacional, não sendo tal caracterização afetada pela definição do mesmo ato como lícito pelo direito interno (art. 3).

Forte nesse argumento também é a proposição abrigada por Rezek (2005, p. 271), para quem o Estado será responsável por qualquer ação ou omissão de órgão, agente ou particular sobre sua jurisdição que comprometa o Direito Internacional, independente de a norma violada encontrar lastro interno:

A responsabilidade de uma pessoa jurídica de direito internacional público – Estado ou organização – resulta necessariamente de uma conduta ilícita, tomando-se aquele direito (e não o direito interno) como ponto de referência. Assim, não há excusa para o ato internacionalmente ilícito no argumento de sua licitude ante a ordem jurídica local.

Em acréscimo ao posicionamento alhures, cumpre rememorar que a doutrina internacionalista tem consagrado a responsabilidade supranacional do Estado mesmo em situações nas quais não há a ocorrência de fato ilícito, como nos casos de atividades lícitas que apresentam riscos excepcionais79.

2.7.2 Do elemento subjetivo: a atribuição

Embora amplamente consagrado pela teoria clássica, outro vocábulo que tem perdido espaço na moderna teoria da responsabilidade internacional é a “imputabilidade”. O maior argumento dos defensores dessa sub-rogação terminológica concentra-se na suposta diferença de sentido entre o termo epigrafado e o conceito de “atribuição”. Segundo alega Casella (2008), há a busca, nessa substituição, pela dissolução de qualquer espécie de vínculo entre o conceito de atribuição do ilícito (responsabilização do sujeito de DIP) e a autoria imediata da ilicitude, já que, conforme verificado, o Estado, em razão de preceitos de soberania, embora não pratique imediatamente a antijuridicidade, responde pelos atos praticados por seus funcionários, em nome próprio.

79 “Há situações em que mesmo atos lícitos na esfera internacional podem gerar responsabilidade de seu agente. O uso pacífico de energia nuclear, assim como a poluição marítima por hidrocarbonetos, conduzem à responsabilidade, sobretudo das empresas privadas, enquanto o lançamento de engenhos espaciais admite a responsabilidade objetiva do Estado” (DEL’OLMO, 2006, p. 130).

Fato é que, para a teoria moderna, enquanto a imputação é o nexo que liga o ilícito a quem o promove diretamente – ou seja, é o elo entre a ação e seu agente ou entre a omissão e a pessoa que causou dano com a sua inação –, a atribuição reflete a circunstância de que o Direito Internacional se restringe a imputar ao Estado as consequências legais desse ato. De todo modo, com o fito de estatuir uma posição mais coesa acerca do tema, importa confrontar, adiante, se o mencionado conceito de imputabilidade diverge, realmente, daquele presente na teoria tradicional:

Quanto à imputabilidade, esta resulta, naturalmente, de ato ou omissão que possam ser atribuídos ao estado, em decorrência de comportamento deste. [...] a imputabilidade exige certo nexo jurídico entre o agente do dano e o estado, é preciso que o agente tenha praticado o ato na qualidade oficial de órgão do estado ou com meios de que dispõe em virtude de tal qualidade (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2008, pp. 345-346).

Observa-se, de plano, que mesmo no padrão da teoria tradicional o termo imputabilidade já não era compreendido como a vinculação imediata do Estado ao ato ilícito, pois, na qualidade de pessoa jurídica de direito público, o ente estatal não age, tal qual o particular, por ato próprio em sentido estrito, mas sim por meio de órgãos, entidades ou agentes públicos a si adstritos e, por essa razão, a imputação sempre consistirá em uma autoria mediata do ilícito por parte do Estado.

Ambos os vocábulos carregam, assim, o mesmo conceito de nexo causal em relação ao ilícito e possuem a aptidão para conferir ao Estado o dever de reparação. Trata-se de verdadeira sinonímia de termos, a rigor do defendido por Mello (2004, p. 525):

O estado pratica um ato ilícito quando há uma conduta de ação ou omissão que possa ser atribuível ao Estado conforme o DI; ou ainda, quando é o rompimento de uma obrigação do Estado. O elemento de atribuição é denominado de subjetivo. A obrigação pode ser oriunda de um tratado ou de um costume. A atribuição pode ser substituída por imputação.

Para que incorra em responsabilidade internacional, bastará ao Estado que cometa, por certo, um ato internacionalmente ilícito, nos termos previstos no art. 2 do Projeto da CDI de 2001. Este ato deterá dois elementos característicos: o objetivo, que consiste em conduta comissiva ou omissiva incompatível com uma obrigação internacional (fato ilícito), e o subjetivo, que é a associação dessa conduta ao Estado (atribuição ou imputação).

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