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5.1 Hipóteses denegatórias ao estrangeiro no Superior Tribunal de Justiça

5.1.12 Pagamento de caução pelo estrangeiro para acesso à justiça

O direito ao acesso à justiça corresponde, em linhas gerais, a uma segurança da parte em ter um processo carregado de garantias processuais, com base em preceitos de equidade e que venha a terminar num prazo razoável e produza uma decisão eficaz. Esse direito encontra respaldo, no âmbito internacional, em normas como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 8: toda pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, 1: toda pessoa tem o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial) e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (art. XVIII: toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos).

A lei processual brasileira estipula, em contraponto, que o autor de uma ação judicial, brasileiro ou estrangeiro, que resida no exterior ou deixe de residir no Brasil ao longo da tramitação do processo deverá prestar caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, salvo estritas exceções266. Dentre elas, consta a possibilidade do Poder Judiciário aplicar tratado internacional que resguarde garantia judicial, com status hierárquico superior à referida norma legal, visando favorecer o acesso à justiça da parte. Embora o Superior Tribunal de Justiça também reconheça esse caráter não absoluto do dever de prestar caução, nem sempre vem aplicando essa regra às demandas que envolvem estrangeiro:

265 Vide, nesse sentido, os comentários na nota de rodapé nº. 217.

266 CPC, art. 83. O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento. § 1 Não se exigirá a caução de que trata o caput: I - quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte; II - na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença; III - na reconvenção.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ALEGADA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. AUTORES ESTRANGEIROS. CAUÇÃO ÀS CUSTAS E HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ART. 835 DO CPC. RESIDÊNCIA FORA DO BRASIL. AUSÊNCIA DE BENS IMÓVEIS NO BRASIL. CRITÉRIOS OBJETIVOS.

1. Na origem, trata-se de ação de indenização proposta por dois estrangeiros em virtude da alegada falha do serviço prestado por concessionária de distribuição de energia elétrica.

2. Cinge-se a controvérsia a definir se a prestação de caução prevista no artigo 835 do Código de Processo Civil é cogente/impositiva ou se pode ser dispensada pelo órgão julgador com base em critérios subjetivos.

3. O artigo 835 do Código de Processo Civil apresenta dois pressupostos objetivos e cumulativos a saber: (i) o autor não residir no Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda e (ii) não ter o autor bens imóveis no Brasil que assegurem o pagamento das custas e honorários de advogado da parte contrária em caso de sucumbência.

4. Segundo a doutrina especializada, a despeito de estar inserta no livro referente aos procedimentos cautelares, a caução às custas e honorários não ostenta natureza cautelar. O tema relaciona-se, de fato, com as despesas processuais. Logo, para a sua incidência não se exige a presença do fumus boni iuris ou do periculum in mora, mas, sim, a configuração dos requisitos objetivos que elenca.

5. Não se exclui a possibilidade de, excepcionalmente, e diante das peculiaridades de determinado caso concreto, dispensar-se a caução quando se conclua categoricamente a existência de hipótese de efetivo obstáculo ao acesso à jurisdição. Tal situação, contudo, não se verifica no caso em apreço.

6. Recurso especial provido (REsp 1479051/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26/05/2015 DJe 05/06/2015).

A tônica defendida neste estudo é que a exigência de caução não deve consistir em um empecilho ao acesso à justiça por parte do estrangeiro, especialmente na perspectiva restrita de acesso voltada ao acionamento do Poder Judiciário e à formulação de demandas judicializáveis. Mesmo porque a Corte Superior tem reconhecido, desde a égide do Código de Processo Civil anterior, a dispensabilidade dessa garantia ao estrangeiro em casos pontuais, cabendo a sua expansão, entende-se, para todos os demais pleitos em que o citado requisito procedimental possa ser configurado como denegatório de acesso:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CAUÇÃO PARA AS DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS. AUTOR QUE NÃO RESIDE NO PAÍS. ART. 835 E 836 DO CPC/1973. SENTENÇA ARBITRAL. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DISPENSABILIDADE DA GARANTIA.

1. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e aos honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que Ihes assegurem o pagamento (art. 835 do CPC/73).

2. O objetivo da caução é a garantia do recebimento dos honorários e o pagamento das custas do autor vencido, quando ainda indefinido o direito e consequentemente inexistente título executivo líquido, certo e exigível, dada a maior dificuldade, quiçá a impossibilidade, do recebimento dessas verbas de devedor não residente no país. 3. Apesar de o diploma processual dispensar a caução, expressamente, nos casos de execuções de título executivo extrajudicial e nas reconvenções, a exceção deve valer, também, para as execuções de título judicial, tendo em vista a certeza e a liquidez do direito.

4. Recurso especial não provido (REsp 1286878/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/06/2016 DJe 01/08/2016).

Nessa veia analítica, importa trazer, por fim que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que o benefício da justiça gratuita, coirmão do acesso à justiça, pode ser aplicado a estrangeiro residente no Brasil ou no exterior, importando apenas que a parte com insuficiência de recursos para pagar custas, despesas processuais e honorários advocatícios comprove a sua condição de hipossuficiência, na forma da lei, para ter direito à gratuidade em questão (REsp 1225854/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 04/11/2016).

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