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5.1 Hipóteses denegatórias ao estrangeiro no Superior Tribunal de Justiça

5.1.8 Validação de expulsão de estrangeiro com filho menor brasileiro

A expulsão de estrangeiro no Brasil é disciplinada pela Lei nº. 13.445/2017, a qual também traz a repatriação e a deportação como medidas de retirada compulsória do território

nacional. De acordo com o art. 54 da referida lei, a expulsão consiste em medida administrativa que converge com a saída obrigatória do não-nacional dos limites territoriais brasileiros e o impedimento de reingresso por prazo determinado, nos casos de condenação com sentença transitada em julgado concernente à prática de crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de agressão ou crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, uma vez consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional.

Existem algumas situações, entretanto, em que a Lei nº. 13.445/2017 não autoriza o Estado brasileiro a proceder com a expulsão do estrangeiro:

Lei nº. 13.445/2017, Art. 55. Não se procederá à expulsão quando: I - a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira; II - o expulsando:

a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;

b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente;

c) tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde então no País;

d) for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais de 10 (dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão; ou

e) (VETADO).

Entre as situações em destaque cabe consignar a hipótese em que o expulsando possui filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva. Quadro esse já consagrado desde 1963 com a Súmula nº. 1 do Supremo Tribunal Federal, a qual aduz que “é vedada a expulsão de estrangeiro casado com Brasileira, ou que tenha filho Brasileiro, dependente da economia paterna” (BRASIL, 1963).

Apesar da clara dicção da norma protetiva nacional e da existência de garantias internacionais de que o Brasil se compromete a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem interferências ilícitas (CDC, art. 8) e de que toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requerer por parte da sua família, da sociedade e do Estado (CADH, art. 19), o Superior Tribunal de Justiça, em parte dos seus julgados, tem apresentado entendimento diverso acerca da matéria:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE LITISCONSÓRCIO OU INTERVENÇÃO DE TERCEIROS, EM HABEAS CORPUS. PRECEDENTES DO STJ. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO APÓS O CUMPRIMENTO DA PENA E O DECRETO EXPULSÓRIO. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE EXCLUDENTE DE EXPULSABILIDADE. ART. 75, II, B, DA LEI 6.815/80. INADMISSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA, NA VIA ANGUSTA DO WRIT. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. [...]

III. Do exame dos autos verifica-se que, embora o paciente comprove que é pai da menor, brasileira, não foram trazidos elementos de convicção acerca do preenchimento dos requisitos legais para a exclusão de expulsabilidade, porquanto - como admite o próprio impetrante - o paciente não tem a guarda da menor, além de não restar demonstrada, de forma inequívoca, a dependência econômica de sua filha, consoante disposto no art. 75, II, b, da Lei 6.815/80, e conforme entendimento do Ministério Público Federal, no caso.

IV. Na forma da jurisprudência do STJ, "a expulsão do estrangeiro pode ser evitada para proteger os interesses do filho brasileiro, menor de idade. As hipóteses inibitórias da expulsão do estrangeiro não estão caracterizadas na espécie, porquanto o filho do impetrante não está sob a sua guarda e tampouco dele depende economicamente" (STJ, HC 269.859/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 18/02/2014). Em igual sentido: STJ, HC 239.329/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 02/06/2014; STJ, AgRg no HC 276.884/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 17/10/2013.

V. Ordem denegada (HC 292527/SP, Rel. Min. Assuseta Magalhães, Primeira Seção, julgado em 10/09/2014 DJe 17/09/2014).

HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO.

A expulsão do estrangeiro pode ser evitada para proteger os interesses do filho brasileiro, menor de idade. As hipóteses inibitórias da expulsão do estrangeiro não estão caracterizadas na espécie, porquanto o filho do impetrante não está sob a sua guarda e tampouco dele depende economicamente. Habeas Corpus denegado (HC 269859/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 12/02/2014 DJe 18/02/2014).

Sobram no Superior Tribunal de Justiça acórdãos em que o princípio do melhor interesse da criança (CDC, art. 12) não é considerado para a validação do ato expulsório de seu genitor. Premissas como a manutenção da base familiar, a preservação da identidade do menor e a dependência socioafetiva do infante em relação aos pais, prescritas nas normas acima, nem sempre são levadas em conta pelo julgador na tomada de decisões, como parece ter ocorrido nos acórdãos de relatoria do Ministro Og Fernandes (HC 309982/DF, DJe 19/03/2015)258, do Ministro Arnaldo Esteves Lima (HC 239329/DF, DJe 02/06/2014)259 e do Ministro Mauro Campbell Marques (AgRg no HC 276884/DF, DJe 17/10/2013)260.

De outra sorte, parcela dos julgados da Corte Superior acerca do tema parece ter absorvido o caráter humanitário do art. 55, II, b da Lei nº. 13.445/2017 e dos tratados internacionais protetivos à unidade familiar de que o Brasil é parte. São julgados que consagram os princípios da proteção integral e da manutenção do convívio familiar, de índole constitucional e convencional, independentemente de verificação da dependência econômica do menor com o genitor alvo do processo expulsório e do momento do nascimento do infante:

258 HC 309982/DF. Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 11/03/2015, DJe 19/03/2015. 259 HC 239329/DF. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/05/2014, DJe 02/06/2014. 260 AgRg no HC 276884/DF. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 09/10/2013, DJe 17/10/2013.

PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTERNACIONAL. HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRA QUE CUMPRIU PENA POR CRIME DE FURTO NO BRASIL. INGRESSO DA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS EM HABEAS CORPUS. PRECEDENTES DA CORTE. PACIENTE COM QUATRO FILHOS NASCIDOS NO PAÍS, UM DELES ANTES DO DECRETO EXPULSÓRIO. PRESUNÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E AFETIVA EM RELAÇÃO À MÃE, POR SE TRATAR DE FILHOS ENTRE 4 E 14 ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA AO CONVÍVIO FAMILIAR E À PROTEÇÃO INTEGRAL. CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, ENTRE OS QUAIS O DE MANTER RELAÇÕES PESSOAIS COM GENITORES. RECONHECIMENTO PELA AUTORIDADE IMPETRADA DE NÃO SER CASO DE EXPULSÃO EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROLE. [...]

2. Preenche um dos requisitos da não-expulsão a existência de filhos, mesmo que o parto tenha ocorrido depois do decreto expulsório. No presente caso, porém, a primeira filha da paciente nasceu antes do decreto de expulsão.

3. Os princípios da proteção integral e da manutenção do convívio familiar a que se referem o art. 227 da Constituição Federal e o princípio da preservação das relações pessoais familiares a que se refere a Convenção da ONU sobre os direitos da criança correm o risco de violação se concretizada a expulsão da mãe de quatro crianças nascidas no Brasil, atualmente com idade entre 4 e 14 anos.

4. Reconhecimento pela autoridade impetrada, com base em posição do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, de que, independentemente da averiguação quanto à dependência econômica, não se promove a expulsão, quando se tratar de estrangeira com prole no Brasil.

5. O Parecer do Ministério Público Federal, da lavra do eminente Subprocurador- Geral da República, BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS, é pela concessão da ordem.

6. Habeas Corpus concedido para anular o Decreto de expulsão (HC 304112/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 14/10/2015 DJe 22/10/2015).

ADMINISTRATIVO. HABEAS CORPUS CÍVEL. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. PACIENTE GENITOR DE FILHA BRASILEIRA DE TENRA IDADE. GUARDA E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADAS. INVIABILIDADE DA EXPULSÃO. EXEGESE DO ART. 75, II, b, DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO (LEI Nº 6.815/80). PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA NO ATENDIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL (ART. 1º DO ECA). CONCESSÃO DO REMÉDIO HERÓICO.

1. Não se viabiliza a expulsão de estrangeiro quando comprovado tratar-se de pai de criança brasileira, que se encontre sob sua guarda e dependência financeira.

2. Revela-se desinfluente a circunstância de o nascimento do filho ter ocorrido após o fato gerador do decreto de expulsão. Precedentes.

3. O princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos fundamentais concernentes à criança e ao adolescente, em cujo rol se inscreve o direito à convivência familiar (art. 227 da CF), direciona, in casu, para solução que privilegie a permanência do genitor em território brasileiro, em harmonia, ademais, com a doutrina da proteção integral (art. 1º do ECA).

4. Habeas Corpus concedido, com a consequente revogação da portaria de expulsão. (HC 293634/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 22/10/2014, DJe 29/10/2014).

É válido acentuar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já veio a reconhecer outras excludentes de expulsabilidade, além da existência de filho menor, como passíveis de desconstituição do decreto expulsório. O grave estado de saúde do estrangeiro (HC 301498/SP. Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 09/08/2017, DJe

16/08/2017) e a sua condição de refugiado (HC 333902/DF. Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 22/10/2015) foram argumentos que se mostraram hábeis para manter o não-nacional em território brasileiro, mesmo estando submetido a medida administrativa de expulsão.

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