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4.3 O direito do estrangeiro e sua aplicação pelo Poder Judiciário brasileiro

4.3.3 Metodologia empregada na análise dos julgados

O critério metodológico utilizado para o exame das decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região inseridas nos recortes normativo e empírico propostos é a análise de conteúdo. Para Bardin (2009, p. 42), a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Nele busca- se apresentar o conteúdo emitido no processo de comunicação, seja por meio de falas ou de textos, de modo a estruturar uma técnica composta por procedimentos sistemáticos que proporcionem o levantamento de indicadores, quantitativos ou não, permitindo a realização de inferência de conhecimentos213.

Segundo Bardin (2009, p. 111), a análise de conteúdo é aprofundada na questão dos métodos e técnicas, voltada à organização da análise; à codificação de resultados; às categorizações; às inferências; e à informatização da análise das comunicações. O autor defende que, para uma aplicação coerente do método, de acordo com pressupostos de interpretação das mensagens e dos enunciados, o diagnóstico deve ter como ponto de partida uma organização, cabendo sistematizar as diferentes fases da análise de conteúdo em torno de três polos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados.

213 Nas palavras de Bardin (2009, p. 42), a análise de conteúdo corresponde ao “conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”.

Com base no método da análise de conteúdo, procurou-se realizar o recorte do texto e a categorização de enunciados semânticos a partir de objetivos estabelecidos para a interpretação e inferência de dados. Buscou-se efetuar uma leitura compreensiva do conjunto das decisões selecionadas, de forma exaustiva, a fim de atingir níveis mais completivos dos seus conteúdos expressos. A partir dessa leitura, intentou-se desenvolver uma visão de conjunto dos julgados; depreender as particularidades do conjunto dessas decisões; elaborar pressupostos que sirvam de baliza para a análise e a interpretação do material; escolher formas de classificação inicial; e determinar os conceitos teóricos que orientassem a análise.

Dentre as formas de classificação desenvolvidas para a análise dos dados colhidos na pesquisa foram estabelecidos alguns critérios uniformes para a categorização dos julgados. São eles: a existência de cidadão estrangeiro no polo ativo ou passivo da demanda; a ocorrência de denegação de justiça ao estrangeiro na decisão; e o ramo do direito no qual o conteúdo do acórdão está predominantemente inserido.

A primeira categoria, voltada a averiguar a existência, ou não, de cidadão estrangeiro no polo ativo ou passivo da demanda, tem por finalidade excluir do universo pesquisado, em uma análise qualitativa, aqueles julgados que se restringem a utilizar o termo “estrangeiro” como referência a legislação estrangeira, mercadoria estrangeira, cumprimento de pena no estrangeiro, entre outros que, não obstante se valham da terminologia indicada na chave de pesquisa, tenham como parte processual apenas nacionais brasileiros. Não foi levado em consideração nesta análise o fato de o estrangeiro ser o recorrente no acórdão, mas tão- somente a sua inserção em um dos polos da demanda.

A segunda categoria, voltada a identificar a ocorrência, ou não, de denegação de justiça ao estrangeiro, parte do conceito de que o termo “denegação” consiste na inobservância dos direitos indicados no início deste capítulo214, em sua acepção restrita215. Na análise proposta, considera-se havida denegação quando o aparelho judiciário não cumprir a sua finalidade precípua, em prejuízo ao estrangeiro, como nos casos em que se impede o seu acesso aos tribunais ou se lhe nega ou suprime parcelas de direitos acessíveis aos nacionais, e mesmo quando são proferidas decisões discriminatórias, detenções arbitrárias ou prolongadas, execuções sem julgamento e o descumprimento de qualquer direito ou garantia previsto em tratado internacional ou na legislação interna.

214 Vide tópico 4.1.

215 “A denegação da justiça pode ser tomada em duas acepções: uma ampla e a outra restrita. [...] Na segunda, que é a idéia corrente em direito internacional, é a impossibilidade para determinado estrangeiro de obter justiça ou a reparação de ofensa perante os tribunais de outro estado” (ACCIOLY, SILVA E CASELLA, 2008, p. 352).

A terceira categoria, voltada a avaliar o ramo do direito no qual o conteúdo do acórdão está predominantemente inserido, conta com a divisão desses julgados em 6 (seis) grandes grupos: penal, civil, administrativo, tributário, previdenciário e processo. O fator que determinará essa inserção será, inicialmente, a indicação contemplada na própria ementa dos acórdãos, que, no caso de dúplice indicativo, observará aquele ramo que foi essencial para o deslinde da controvérsia. Tal categorização tem a valia de demonstrar, em uma análise quali- quantitativa, em quais temas o Estado brasileiro apresenta o maior número de demandas envolvendo estrangeiros e em quais deles o Poder Judiciário nacional se mostra, porventura, mais denegatório.

Posteriormente, foram identificados os núcleos de sentido obtidos com essas classificações iniciais a fim de promover o diálogo entre as decisões exploradas e os pressupostos estabelecidos para a identificação de práticas denegatórias reincidentes na República Federativa do Brasil. Ao final, foi elaborada uma síntese interpretativa, com o escopo de responder ao problema de pesquisa apresentado, considerando-se os pressupostos teóricos instituídos nos tópicos antecedentes.

Os objetivos estabelecidos para a interpretação e inferência dos dados foram:

a) identificar, com base em análise quantitativa dos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, enquanto importante amostragem da base de julgados nacionais216, o total de demandas que envolvem estrangeiros em ambas as Cortes, dentro do marco temporal fixado, bem como enumerar quantos desses acórdãos se mostram denegatórios ao direito do estrangeiro e quantos se inserem em cada um dos ramos do Direito identificados por categorias como mais recorrentes dentro do universo da denegação de justiça.

b) identificar, no mesmo universo de julgados, em uma análise de ordem qualitativa, os argumentos políticos, morais e jurídicos trazidos pelos magistrados para a denegação de justiça ao não-nacional, em arrepio a critérios de isonomia e preservação do direito do estrangeiro, visando a categorizar os temas em que há maior predominância da atuação do Poder Judiciário brasileiro em contraponto a cânones de índole internacional que resguardam o acesso irrestrito e igualitário do estrangeiro à jurisdição.

Com base nesse aporte, tem-se que a análise dos resultados obtidos no curso desta investigação possui notória abordagem quanti-qualitativa:

216 Para Bardin (2009, p. 122), a pesquisa de análise de conteúdo parte de um “universo de documentos de análise”, tratando-se de reconhecer que, para um trabalho mais profícuo, é necessário restringir as amostragens. “A análise pode efetuar-se numa amostra desde que o material a isso se preste. A amostragem diz-se rigorosa se a amostra for uma parte representativa do universo inicial” (BARDIN, 2009, p.123).

A diferença entre abordagem quantitativa e qualitativa da realidade social é de natureza e não de escala hierárquica. Enquanto os cientistas sociais que trabalham com estatística visam a criar modelos abstratos ou a descrever e explicar fenômenos que produzem regularidades, são recorrentes e exteriores aos sujeitos, a abordagem qualitativa se aprofunda no mundo dos significados. [...] Os dois tipos de abordagem e os dados delas advindos, porém, não são incompatíveis. Entre eles há uma oposição complementar que, quando bem trabalhada teórica e praticamente, produz riqueza de informações, aprofundamento e maior fidedignidade interpretativa (MINAYO, 2009, p. 22).

Em relação aos métodos de procedimento utilizados nessa construção, importa destacar o uso eminente dos métodos histórico e comparativo (na análise com enfoque qualitativo) e o emprego do método estatístico na avaliação de dados jurisprudenciais sobre os casos que demonstram o descumprimento do direito do estrangeiro e dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (na análise com enfoque quantitativo).

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