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4.3 O direito do estrangeiro e sua aplicação pelo Poder Judiciário brasileiro

4.3.2 Definição do marco empírico para escolha dos julgados

Estabelecido o marco normativo para a escolha das decisões a serem analisadas, fincado na competência constitucional do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Federal para apreciar julgados envolvendo estrangeiros, passa-se a enunciar os parâmetros de natureza empírica utilizados na estruturação do recorte proposto. São padrões de ordem temporal,

201 CRFB, art. 102, I, g. 202 CRFB, art. 102, III, b.

203 De acordo com a norma constitucional anterior, presente na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que editou o texto da Constituição Federal de 1967, tem-se: Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal.

204 Súmulas 1, 60, 61, 62, 64, 420 e 692 do STF. 205 Súmula 692, de 2003.

206 Os dados em questão foram extraídos de pesquisa por jurisprudência no site dos próprios órgãos jurisdicionais referenciados, tendo com chave de pesquisa o termo “estrangeiro”, bem como sinônimos e plurais, fazendo-se a opção pela busca somente de acórdãos.

local, terminológica e valorativa que foram empregados como balizas para a execução da pesquisa documental nesses acórdãos que envolvem o direito do estrangeiro.

No aspecto temporal, levou-se em consideração as decisões proferidas no período em que se deu o maior crescimento do ingresso de estrangeiros no Brasil em sua história recente. Conforme já aduzido, ocorreram em terras brasileiras, nos últimos 5 (cinco) anos, alguns dos principais eventos esportivos do planeta: a Copa das Confederações FIFA (2013), a Copa do Mundo FIFA (2014), os Jogos da XXXI Olimpíadas de Verão (2016) e os Jogos Paralímpicos (2016), desencadeando um fluxo migratório e de visitação contínua de estrangeiros no território nacional, que representa, apesar de sua transitoriedade, uma aptidão iminente a gerar processos no Poder Judiciário.

Além dos dados acima, que sinalizam uma tendência temporária de crescimento do fluxo de estrangeiros para o Brasil, há também a migração de pessoas em situação de vulnerabilidade, que buscam as terras nacionais com animus de definitividade e a vista de oportunidade de emprego e sobrevivência, como é o caso dos refugiados. Esse contexto se acentua no momento em que o Estado brasileiro passa a ter um maior protagonismo no cenário internacional207, capitaneando ações como a Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti. Isso acrescido ao fato de a humanidade vivenciar, desde 2014, a maior crise de refugiados da história, como reflexo da Guerra na Síria; de a África enviar, historicamente, número significativo de refugiados para todo o globo; e de a América do Sul ter perpassado por recente crise democrática em diversos países, o que reflete uma massiva entrada de estrangeiros no Brasil em busca de trabalho, renda e paz, gerando, como consequência, um potencial aumento de demandas judiciais que envolvam esse nicho populacional.

Com base nesse contexto fático, foi possível fixar como termo inicial de pesquisa o dia 01 de junho de 2013, mês em que se iniciou o primeiro evento esportivo internacional passível de gerar significativo acréscimo às demandas judiciais envolvendo estrangeiros: a Copa das Confederações FIFA. Até mesmo porque o torneio esportivo em questão, não obstante tivesse amplitude em todo o território nacional e eventuais litígios com o estrangeiro pudessem recair na competência recursal do Superior Tribunal de Justiça, ainda apresentou, dentre as suas cidades-sede, Brasília/DF, Belo Horizonte/MG e Salvador/BA208, as quais integram a área de abrangência da Justiça Federal da 1ª Região.

207 “[...] entre 2006 e 2014, é nítido o aumento crescente de imigrantes, em parte explicado pelo momento econômico do Brasil. Existe uma centralidade para entender esse movimento: olhar para o mercado de trabalho, que acaba sendo um termômetro desses números. E o Brasil estava se projetando internacionalmente, havia uma demanda de empregos" (G1, 2016).

Em relação ao termo final da pesquisa, optou-se pela data de 01 de outubro de 2017, que corresponde ao mês imediatamente posterior à declaração, pelo Brasil, do encerramento da sua participação na Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti209. A escolha desse marco temporal se deu em razão do significativo contingente populacional de haitianos que pediram refúgio ao Brasil nos anos em que foi mantida a missão humanitária, tendo-se constituído o principal grupo de estrangeiros a ter essa mobilidade210. Ademais, a dilação do prazo de coleta de dados em 1 (um) mês para além da data de proclamação da retirada das tropas brasileiras justifica-se na medida em que o prazo fixado pela ONU para a remoção integral das forças de paz da região encerrou-se somente em outubro de 2017, tendo sido gradual a retirada dos militares daquele contingenciamento humanitário (O GLOBO, 2017).

O período de 01 de junho de 2013 a 01 de outubro de 2017 mostra-se, portanto, razoável para verificar a evolução do comportamento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região no trato com o direito do estrangeiro. Notadamente se verificado que esse período contempla o transcurso de todos os eventos esportivos passíveis de visitação internacional massiva ao Brasil já referenciados, assim como os eventos de âmbito mundial e regional que desencadearam a grave crise humanitária vivida na segunda metade da década de 2010.

No que se refere ao local da coleta de dados, a pesquisa tem como base exclusivamente as informações obtidas junto aos endereços eletrônicos do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. No primeiro, fora selecionada no site “http://www.stj.jus.br” a aba “JURISPRUDÊNCIA” e, posteriormente, a opção “Jurisprudência do STJ”, com o direcionamento de busca para a página “http://www.stj.jus.br/SCON/”. No segundo, fora selecionada no site “http://portal.trf1.jus.br” a aba “Jurisprudência” e, posteriormente, a opção “Pesquisa Jurisprudência”, com o direcionamento de busca para a página “http://jurisprudencia.trf1.jus.br/busca/”.

Em ambos os casos, a chave de pesquisa utilizada a fim de viabilizar uma verificação mais ampla do fenômeno examinado foi o termo “estrangeiro”. A adoção desse critério terminológico se justifica na medida em que o foco desta fase da investigação é constatar, de maneira vasta, o modo como o nacional de outra soberania tem o tratamento dos seus direitos

209 O Brasil anunciou que em 1º de setembro de 2017 encarraria a sua atuação junto à Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti, comprometendo-se com o prazo final para a retirada da MINUSTAH em 15 de outubro de 2017 (JORNAL DO BRASIL, 2017).

210 No período da Missão de Paz da ONU no Haiti (MINUSTAH), houve significativo acréscimo, ano a ano, dos pedidos de refúgio de haitianos ao Brasil: em 2010, foram 442 pedidos; em 2011, foram 2991 pedidos; em 2012, foram 6301 pedidos; em 2013, foram 17991 pedidos; em 2014, foram 34770 pedidos; e a projeção para 2015, caso não se estivesse instituído o Despacho Conjunto do CONARE, CNIg e Departamento de Migrações, ter-se- ia o número de 43871 pedidos de refúgio.

junto ao Poder Judiciário da República Federativa do Brasil, nas diversas demandas em que envolvido, de natureza civil, penal, administrativa, tributária, previdenciária ou processual.

No site do Superior Tribunal de Justiça, o termo “estrangeiro” foi utilizado como chave de pesquisa no campo “Pesquisa Livre”, com os botões “Ativar explicações”, “Pesquisar sinônimos” e “Pesquisa plurais” ativados, e com a opção do “Operador padrão” “e” também ativada. Na área “Pesquisa por campos específicos” não se fez qualquer inserção de termos nos campos “Número”, “Ministro(a)”, “Órgão Julgador”, “Ementa/Indexação”, “Legislação” ou “Notas”, já que essa distinção não se mostra relevante para o objeto desta pesquisa. Apenas fora feita a inserção do intervalo “01/06/2013 a 01/10/2017” no campo “Data”, para permitir o refino da busca pelo período fixado nesta investigação, com a opção “julgamento” selecionada (filtrar pela data do julgamento).

Foram encontrados 3 (três) “Acórdãos de Repetitivos”, 469 (quatrocentos e sessenta e nove) “Acórdãos” e 24 (vinte e quatro) “Informativos de Jurisprudência”, não havendo “Súmulas” ou “Decisões Monocráticas”211.

No site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o procedimento de coleta de dados também utilizou o termo “estrangeiro” como chave de pesquisa no campo “Pesquisa Livre”, sem realizar a ativação dos botões “e, ou, adj, não, prox, mesmo ou $”. Na área “Pesquisa por campo específico” não se fez qualquer inserção de termos nos campos “Número”, “Relator”, “Tipo do processo”, “Órgão julgador”, “Ementa/indexação” ou “Legislação”. Apenas fora feita a inserção do intervalo “01/06/2013 a 01/10/2017” no campo “Data”, para permitir o refino da busca pelo período fixado nesta investigação, com a opção “decisão” selecionada (filtrar pela data do julgamento).

Foram encontrados 422 (quatrocentos e vinte e dois) “Acórdãos”212, não dispondo o site de busca de indexação por data de “Arguições”, “Súmulas”, “Decisões Monocráticas”, “Súmulas JEF” e “Acórdãos JEF”, tal qual o proposto.

A pesquisa jurisprudencial limitou-se aos acórdãos, tanto para os julgados do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, quanto para os do Superior Tribunal de Justiça. Razões de ordem prática, como os acórdãos serem decisões colegiadas e refletirem uma visão decisória mais plural de dado tribunal; a impossibilidade de pesquisa de outras formas decisórias com indexação de data, que não acórdãos, no site da Corte Regional; e a necessidade de correlação e similitude da pesquisa em ambos os tribunais, levaram à exclusão

211 De acordo com o site do STJ, o “argumento de pesquisa não é aplicável à base de Decisões Monocráticas”. 212 Dos 422 (quatrocentos e vinte e dois) acórdãos encontrados com a chave de busca, 11 (onze) mostraram-se em duplicidade e 1 (um) com repetição tríplice, restando o número líquido de 409 (quatrocentos e nove) julgados inéditos.

das demais modalidades decisórias nesta abordagem, ressalvados os acórdãos de repetitivos da Corte Superior, que, bem da verdade, já se encontram contemplados no quantitativo intrínseco à terminologia de “acórdão”.

Em um aspecto valorativo, a apreciação das decisões selecionadas considerou, inicialmente, o conteúdo expresso nas ementas dos próprios julgados. Naqueles em que houvesse maior dúvida acerca do seu cerne ou sobre a inserção de pessoa estrangeira como parte, ou mesmo trouxesse a necessidade de uma investigação mais detida a respeito da existência de prática denegatória ao estrangeiro, esses tiveram o inteiro teor da decisão analisados, com os respectivos relatórios e votos, demonstrando o comprometimento deste estudo com a profundidade da abordagem e com a adoção de critérios que dialogassem com a metodologia empregada na análise de julgados referenciada no tópico subsequente.

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