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Artista Anaisa Franco e a obra Onirical Reflections Facade (2013)

O projeto Onirical Reflections Facade (2013) [1], da artista brasileira Anaisa Franco, em parceria com o arquiteto espanhol Jordi Puig, é uma instalação interativa pública que pressupõe a presença do usuário para constituir-se enquanto composição imagética. Ao se aproximarem do dispositivo–um frame retangular embedado com sensores– disposto na Avenida Paulista da cidade de São Paulo, os indivíduos disparam uma projeção que se constrói por uma série de interferências gráficas sobre a captura simultânea do próprio rosto (Figura 3), via webcam.

Figura 3: Projeção do rosto do usuário na fachada do prédio da FIESP. Fonte: http://www.anaisafranco.com/oniricalreflectionsfacade Um software de rastreamento de rosto reconhece a imagem capturada e define elementos visuais, como linhas e planos de cor, figuras, movimentos, enquanto camadas de texturas sobrepostas, para, em seguida, expor a construção visual, em grande escala, na parede frontal do prédio da FIESP. Importa-nos a partir desta obra pensar sobre os processos da cultura, movimentos interativos de codificação e decodificação, que atualizam a nossa rotina diária e permitem exercícios de visualidades não previsíveis através de um algoritmo. Estas configurações dinâmicas dos rostos, anônimos que se formam na cidade de São Paulo, materializam estes diálogos em distintas redes, percursos na malha urbana e trocas nas redes sociais.

Em função dos mecanismos utilizados na produção poética desses trabalhos, seus efeitos são bastante similares ao que foi proposto pelo artista pop Andy Warhol. Fez parte dos experimentos desse artista reproduzir em telas fatos divulgados inicialmente pela mídia impressa. Interessava a ele temas como desastres de avião (e.g. 129 mortos – catástrofe aérea, 1962) e a violência policial (e.g. Daily News, 1962). Suas técnicas variavam entre pintura (a partir da projeção em tela das notícias e fotografias) e serigrafia. Ao assim fazer, o artista inseria uma nova mediação entre acontecimento e espectador, o que contribuía para o distanciamento contemplativo da temática. Como coloca HONNEF (2005):

Ao isolar e ampliar os elementos sintomáticos dos mass media, Warhol aguça a consciência do observador para o caráter de segunda mão de qualquer realidade. A realidade, produzida em massa e preparada para ser assimilada, perde aí os seus aspectos horríveis e pode, assim, ser consumida em grande quantidade (HONNEF, 2005, p. 46). Como Warhol, Éder também está interessado nos efeitos provocados pelos meios de comunicação na sociedade. O paraense aborda a forma como a mídia determina a figura do criminoso e a maneira como colabora para manter a discriminação das raças no país (MAIA, 2014). Nas ruas, o elemento midiático se perde, pois falta a informação da origem daquela imagem ao transeunte. Por outro lado, este pode ser tomado por sensações díspares. Em primeiro lugar, o estranhamento com relação àquele rosto. Há algo que o leva para o universo da fotografia, da pose, mas não uma pose de entrega ao fotógrafo, mas de acuamento. São poses também padronizadas, o que remete a alguma lógica sistemática de produção de imagens. Em seguida, paira a dúvida da razão pela qual um rosto marginalizado como aquele ganha um lugar de destaque nas ruas.

Quando levada à galeria de arte, a obra Sem Título deixa ainda mais claro esse estranhamento. Ali o visitante pode notar mais facilmente que aquele não é, a princípio, um lugar ao qual pertençam aqueles rostos. Além de serem marginalizados, quando transportados para o ambiente paulista de uma galeria, aqueles rostos falam de uma brasilidade exótica, quase próxima daquela que quer contar as origens do povo brasileiro. Na galeria, porém, o visitante é informado sobre a origem daquelas imagens (fotografias de sessões policiais de jornais paraenses). Então, o exotismo se esvai, ficando mais clara a ideia de exclusão e segregação racial existente no Brasil.

Warhol também trouxe para os salões de arte fotos de indivíduos procurados pela polícia. Na série Thirteen Most Wanted Men (1964), produzida para ficar na frente do New York State Pavillon, na Exposição Universal daquele ano, Warhol recolheu cartazes espalhados pela cidade de homens procurados pela polícia e os reproduziu em forma de quadros. No conjunto, 13 quadros formaram um painel que foi colocado em frente ao pavilhão. A exibição dos rostos causou polêmica pois vários daqueles homens tinham descendência italiana (o que causou questionamentos com relação ao caráter discriminatório da obra). Além disso, muitos deles não estavam mais sendo perseguidos.

Convive-se com uma produção imagética que reforça a condição anunciada por CALVINO (1990, p. 107) quando escreveu “hoje somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na televisão”. Os indivíduos organizam-se socialmente também pelas interfaces tecnológicas – performam encontros profissionais e conversas pessoais – promovendo outras fronteiras dependentes da dimensão temporal, das condições de acesso, que necessitam serem compreendidas, exploradas, para serem, então, ultrapassadas. A utilização de rostos em grandes dimensões na paisagem urbana provoca reflexões sobre o viver em conjunto, deixa em evidência as disparidades do convívio nas grandes cidades e a influência dos fluxos de comunicação sobre a nossa percepção de mundo.

Notas

[1] Obra apresentada no ‘SpUrban Digital Festival’ durante o período de

4 a 28 de novembro de 2013. Mais informações podem ser encontradas em http://www.anaisafranco.com/oniricalreflectionsfacade

Referências

AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade . Campinas: Papirus, 2012.

___________. Por uma antropologia da mobilidade. . Maceió: EDUFAL, UNESP, 2010.

CALVINO, Italo.Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

HAYLES, N. Katherine. Writing machines. Cambridge, MA; London, UK: The MIT Press, 2002.

HONNEF, Klaus. Andy Warhol (1928-1987): a comercialização da arte. Taschen, 2005.

LEFEBVRE, Henri. The theory of moments and the construction of situations. Internationale Situationniste #4. 1960. Disponível em <http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/moments.html>. Acesso em 21 julho 2015.

MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo. Rio de Janeiro: Record, 2001.

_______________. Saturação. São Paulo: Iluminuras / Itaú Cultural, 2010.

MAIA, Ana Maria. Sem Título (Éder Oliveira). 31a Bienal de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2014. Catálogo de exposição.

MANOVICH, Lev. Software takes command. 2013. Bloomssbury Academic. Disponível em <http://issuu.com/bloomsburypublishing/ docs/ 9781623566722_web>. Acesso em 21 julho 2015.

SP_URBAN. Obras interativas. Disponível em <artistas/>. Acesso em 21 julho 2015.

Inicialmente, aponta-se o software como “técnicas contemporâneas de controle, comunicação, representação, simulação, análise, tomadas de decisão, memória, visualidade, escrita e interação” (MANOVICH, 2008, p. 8, tradução nossa), que se constituem enquanto camadas significativas na sociedade contemporânea, e, portanto, potencialmente, são capazes de evocar transformações perceptivas e comportamentais. Assim, de objetos diversos (cartões de crédito, celulares, carros) às redes de transporte coletivo (metro, ônibus, avião, trem), de segurança (câmeras de vigilância), de entretenimento (sistema televisivo e de rádio), financeiras (intranets de bancos), de comunicação (e-mails, redes sociais), percebem-se outros modos de agenciamento do cotidiano, que são operados por scripts, aplicações, e/ou linguagens de programação.

A obra revela o código computacional como inscrição tecnológica (HAYLES, 2002), pois aponta uma ordenação formal entre um conjunto de dados e visualidades, e busca enfatizar o caráter social destas mediações tecnológicas, conforme a artista afirma “o rosto como um recurso de projeção de imagens e re-projeção da realidade” (SP_ URBAN, 2013). Percebe-se uma investigação estética da linguagem visual, em processos de mediação, articulando o texto computacional. Um artefato poético, que, conforme LEFEBVRE (1960) afirma, opera com momentos experienciados a serem repetidos enquanto se constitui. Assim, estes modelos de construção e produção formal podem evocar outras atitudes, práticas e metodologias quando passam a estruturar processos de criação. Importa pontuar que não há como prever alguns comportamentos dos softwares, a não ser quando os mesmos começam a executar as rotinas. Assim, suas características não determinísticas podem produzir resultados menos previsíveis, e desta forma o fazer valida a poética tomando certa incerteza como um processo a ser experienciado. No contexto simbólico, a poética discute o tema ‘Cidadão Digital’ proposto no festival, reforçando o questionamento de AUGÉ (2010, p. 8) sobre a “ideologia do presente”, com suas imagens e mensagens instantâneas, que norteiam o nosso consumo por uma condição de existência sempre do atual. Esta situação espaço-tempo organizada por sistemas sincrônicos (como Twitter, MSM, Instagram, entre outros) permite uma circulação simultânea e frenética de conteúdos, que também opera sobre a paisagem urbana; esta compreendida como um tecido social organizado por práticas culturais ideológicas “da aparência, da evidência e do presente”(Ibid., p. 16).

Os artistas desta obra recriam a paisagem cosmopolita da cidade de São Paulo expandida pela manipulação de escalas dos rostos de transeuntes, não mais conformados pela percepção do contato físico, mas projetados e ampliados como nos ambientes das redes sociais digitais. Neste sentido, a cidade transforma-se ao assegurar a circulação da imagem do visitante, que ocupa a fachada dos prédios e redefine as relações de compartilhamento no espaço urbano, pautando estas nas redes distribuídas de comunicação. Faz- se necessário compreender o urbanismo como fenômeno da mobilidade contemporânea, na qual a condição periférica não significa somente a distância geográfica, mas também não estar integrado ou conectado ao fluxo da informação.