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Para entender a posição da proposta algumas considerações sobre o contexto cultural, produtivo e tecnológico ajudam a esclarecer o percurso, tais como a desmaterialização da cultura; o transdisciplinar e o transensual bidirecional; o caráter do Tempo e Intervalo para só depois apresentar como isso resultou em experiência didática concreta. Ha em curso um processo de forte desmaterialização da cultura, com descolamento da informação de uma base material densa. A baixa adesão do material reprogramada em bits propõe um mundo omnipresente, em rede ponto a ponto, de infraestrutura e superestrutura móvel e sustentável, enfim do objeto rumo ao evento ampliando o caráter de signagem da cultura.

Resumo

O artigo busca uma abordagem de invenção artística onde a questão do tempo é entendida enquanto duração. Coloca como molas impulsionadoras a desmaterialização da cultura, o campo ampliado e transdisciplinar, além do tempo como duração em Bérgson. O intervalo enquanto duração permite uma autoria da ausência que relaciona essas questões em um campo experimental nomeados de Recombinantes Arquitetônicos e desenvolvidos com alunos de cursos de Arquitetura.

Palavras-chave: duração, arte, arquitetura, invenção

A espera

Esse artigo surgiu primeiro da implicação do Tempo nos trabalhos que desenvolvo na universidade e na necessidade de abordagem específica via temporalidade em um mundo cada vez mais desmaterializado, que transita do objeto para a escala do evento. Proponho a geração de Intervalos como Invenção em uma realidade de narrativas contínuas sem cortes, de temporalidade formada por instantes fragmentados desvinculada do emaranhado heterogêneo e complexo da memória e da própria vida. O presente é esvaziado, onde tudo é volátil e efêmero de roupas a ideologias. A espacialidade torna-se rasa, ríspida. Espacializa-se tudo inclusive o tempo, objetualizando tudo, tornando visível e manipulável o mundo dos objetos e das relações. Se vive assim e assim se inventa estruturado nessa e para essas convicções que nomeamos de realidade. A segunda origem que incorpora a primeira, foi daobservação de como rapidamente meus alunos dos cursos de Arquitetura e Artes resolviam os problemas a eles apresentados e perceber que quase sempre essa solução estava na primeira e única ideia que tiveram a respeito do problema. Não havia a Espera ou Demora reflexiva com possível aparecimento de novas ideias e o imbricamento nessas ideias provocadas e resultadas por desenhos, maquetes, falas e até a invenção de outras formas possíveis de pensar e projetar. A primeira solução quase sempre apresentada pelos alunos era de baixa complexidade, redundante e geralmente simbólica/figurativa. O estudante apresentava o que se esperava dele, ou o que ele acreditava que se esperava dele e que seria um consenso aprovável. O objetivo era acertar o que o professor queria como resultado, não havendo Tempo para o Erro, produzindo no aluno uma ausência anônima impositiva ao objeto e não uma autoria ausente, mas não alienada.

O Campo Expandido então, incorpora o transdisciplinar, traz potência na especificidade, faz conexões e continuidades entre campos disciplinares. (5) Nessa forma de pensar e agir, o artista propõe diversos arranjos espaços-temporais que estão articulados através de origens transdisciplinares. Onde se inventa o novo uma ação é parâmetro de outra em outra parte do campo. Essa posição Trans permite a mudança de um olhar perspectivado para um olhar tátil através dos desenhos e da produção das maquetes de estudos que trazem essa mudança. O espaço visual de um olhar perspectivado separa os objetos uns dos outros e uniformiza tempo e espaço pelo isolamento como canal receptor, tende a fazer uma leitura homogênea e continua, valorizando os objetos dentro de um campo preenchido e cheio. Já o espaço tátil sinestésico, promovido por outro olhar comprometido com outros sentidos e atento aos vazios, aos intervalos, separa o sujeito dos objetos mas é bidirecional, portanto nos faz perceber o espaço entre os objetos e a relação heterogênea dos percebidos e de quem percebe. Ao mesmo tempo estabelece uma continuidade úmida entre eles o que subjetiva os objetos e de certa forma barra a dicotomia sujeito/objeto Essa condição do observador atuante trouxe-me a memória uma fala em sala de aula nos anos da década de 70 da professora de semiótica Roth Nielba Turin, ao dizer que “alterando a forma de comunicação, alteramos o sistema de representação, que por sua vez altera o conteúdo comunicado”. A desalienação bidirecional entre sujeito e objeto é dada pela incorporação do vazio e portanto uma maior implicação do sujeito que desestabiliza o sistema de representação e o conteúdo comunicado. De certa forma nós olhamos o objeto que nos vê e nos lança além. Essa argumentação é reforçada pela posição de Fenollosa e Pound no pequeno livro “El caracter de La escritura china como médio poético” escrito em 1913 (6) que nos fala da diferença entre a língua ocidental não isolante e a língua ideográfica chinesa. A estrutura ocidental opera por contigüidade linear, garantida por uma separação entre tempo e espaço. As palavras são reduzidas a menor possibilidade de significado, são ríspidas. É abstrata e tem uma estrutura de subordinação para amarrar as ações de tempo que foram explodidas. O pensamento é sempre um fio amarrado a linearidade temporal, tal qual o princípio da perspectiva. Do ponto de vista histórico as tecnologias desmaterializantes

funcionam como mediadoras e aceleradoras da nossa percepção do tempo. O tempo do homem artesanal, é o tempo ligado aos ritmos da natureza, desde a sua respiração, pulsação, aos ciclos de vida e morte, das marés, do dia, das estações etc. O tempo desse homem é sincrônico com o da Natureza. A produção industrial nos colocou o tempo técnico, tempo fragmentário dentro de um ritmo corporal fragmentário com jornadas de trabalho e movimentos específicos e repetitivos nas máquinas. A Partir daí em direção ao pós-industrial ocorre que o tempo ficou reduzido a objeto, ele foi espacializado funcionalmente nas máquinas e entorno humano. É um tempo mensurável, isotrópico quantificável, objetivado, ou seja foi criada uma categoria de Tempo separada do sujeito.(1)

David Harvey coloca essas crises e transformações espaço- temporais, são frutos da necessidade de o Capital girar e ter retorno o mais rápido possível.

“Com efeito, o progresso implica a conquista do espaço, a derrubada de todas as barreiras espaciais e a aniquilação (última) do espaço através do tempo” (2).

Harvey especifica dizendo que o que há é a racionalização da organização espacial para 1. produção eficiente, estabelecer redes de circulação e 3. redes de consumo. Sendo o tempo lembrado, memorizado não como um fluxo, mas como lembranças de lugares vividos, esperimentados ocorre por esse efeito um colapso na cadeia significativa cujo objetivo é reduzir a experiência a “uma série de presentes relacionados no tempo” (3). A resultante é que os eventos são lisos, sem profundidade temporal. Essa intensa compressão do espaço-tempo, que nos traz um presente permanente, que de acordo com Harvey é pela ação generalizado do giro do capital cria volatilidade e efemeridade de tudo (moda, ideias,ideologias etc.) e também a descartabilidade, de produtos, valôres, lugares e edifícios, já que não há relações significantes entre ser e lugar.

Trocamos o firme pelo fluído e o espaço pelo tempo sem alterar as formas de produção e abordagem metodológica. Sob essa pressão do processo de desmaterialização e a construção do tempo como vertigem há o deslocamento valorativo para a qualidade da leveza. leveza que com novas técnicas construtivas nos traz o impermanente, o ágil, o transparente, o nômade e a fluidez através das formas mais líquidas.

Por outro lado a desmaterialização da cultura favorece a compreensão do conceito de campo expandido entre artes/ arquitetura como um lugar de continuidade e potência. Um lugar de troca das qualidades de linguagem disciplinar de uma arte para outra, ou entre meios e metameios que modificam/qualificam a carga poética, portanto, lugar de apropriação de outros procedimentos que aderem e modificam a prática e a resultante de outra arte ou linguagem. Qualidades geradas por contato e conflito entre meios e por outros procedimentos inter e transdisciplinares (4).

A segunda, é o que chama de intuitivo e pressupõe que entremos na coisa sem nenhuma ponte referenciada por valores simbólicos, mas espera atenta o que o objeto tem a oferecer. O pensador da fotografia Mauricio Lissovsky chama essa atitude de Expectação como a “dimensão pontual do tempo transformada em imagem” (9). Isso evidencia as diferenças claras, sendo no que o espaço pode-se enquadrar a partir de um ponto de vista, mas o tempo deve-se Expectar, esperar para que os aspectos apareçam.

O intervalo enquanto duração permite uma autoria da ausência. Esse intervalo durável é lugar móvel de contatos por similaridades no modo de pensar, projetar e construir. As qualidades, antes certas de seu lugar, flutuam e procuram outras conexões; conexões paratáticas, sem hierarquias simbólicas e lineares. Não se pré-concebe o que e onde se encaixará e posteriormente se desenha e projeta. O que ver e como ver ao desenhar é um aprendizado pois as linguagens são imbricadas.

Lembrando que a forma é um aspecto em geral entendido como e através de um ponto de vista, instante fragmentado e fixado da coisa movente, que de fato está em constante transformação no tempo.

Para dar um exemplo compreensível dessas posições remeto a experimentação didática: quando reduzo as variáveis de projeto arquitetônico pra se pensar os Recombinantes Arquitetônicos (página 6) São propostas variáveis e abertas tais como: o caráter arquitetônico do modelo; a gravidade como uma linguagem articuladora; as portas não são portas, mas aberturas; escalas são relativas ao material, ao caráter do espaço; cheios e vazios contínuos e descontínuos; deslocamentos animados pela gravidade ou pela repetição do piso e assim por diante. Minimizo a carga simbólica dos elementos do conjunto espaço/tempo significantes, deixando-os mais abertos a mudanças ou metamorfoses para a construção de significados. Questões essas pensadas por desenhos e maquetes adequadas. Nesse primeiro processo de análise, ao espacializar o tempo, como se o tempo tivesse as característica do espaço e assim analisado, perde-se a qualidade da mudança e portanto a duração no tempo. Perde-se o antes e o depois permanente do objeto. Por outro lado a opção de perceber o movente do objeto como um recombinante arquitetônico é a que propõe-se nos experimentos didáticos.

Para finalizar esse tema é preciso entender para concluir que hoje se apresenta um mundo e especialmente uma arquitetura, como nos diz Ignasi Morales, “cujo objetivo seja não o de ordenar a dimensão extensa, sim o movimento e a duração”...”e de dar forma física ao tempo”(10).