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A RECEPÇÃO DAS FÁBULAS “A CIGARRA E A FORMIGA” E “O LOBO E O CORDEIRO”

Para a recepção de algumas das fábulas de Lobato com os alunos do 5º ano, optou-se pelo Método Recepcional, de Bordini e Aguiar (1993), pautado nos pressupostos teóricos da Estética da Recepção (JAUSS, 1994; ISER, 1996, 1996). O método escolhido possui cinco etapas de produção: determinação, atendimento, ruptura, questionamento e ampliação do horizonte de expectativas.

O questionário apresentado anteriormente foi utilizado como ferramenta facilitadora de detecção da primeira etapa do Método, pois a partir dele,foram observadas as necessidades dos alunos, definindo assim estratégias para atingir o objetivo pretendido, neste caso, a leitura das fábulas, com posterior produção de histórias em quadrinhos. Em diálogo com a turma sobre os momentos de lazer e acesso a informações diversas, observou-se que, embora tivessem apontado que gostavam de ler, passavam a maior parte do tempo em redes sociais, jogos virtuais ou na casa de amigos. A internet é uma ferramenta de acesso à cultura, mas os alunos não a utilizam com a finalidade de ler textos

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literários, muito menos de Monteiro Lobato. Por meio dos depoimentos, percebeu-se que a maioria dos entrevistados não associava os conteúdos da internet com os conhecimentos escolares.

Para atender ao horizonte de expectativas – etapa dois –, fizemos uma leitura compartilhada das fábulas:“A cigarra e a formiga”, de Esopo (REVISTA PROSA VERSO E ARTE, 2019, s/p.), e “O lobo e o cordeiro”, de La Fontaine (apud FERREIRA et al., 2015, p.72). Após essas leituras, fizemos uma roda de conversa, em que cada aluno pôde se expressar. Inicialmente, discutimos acerca das características das fábulas, quem são seus personagens, qual é o significado e a função da moral, e a maneira como podemos entendê-la na atualidade. Buscamos mostrar aos alunos que a moral das fábulas, assim como o anonimato dos provérbios que ascompõem revelam sua filiação à tradição oral. Para Ferreira et al. (2015, p.71), o caráter universalizante das fábulas provém: “[...] não só do fato de serem um gêneroliterário muito antigo, presente em quase todos os períodos da história e em culturasdiversas, mas também do fato de ter grande ligação com a sabedoria popular. ”

Em seguida, fez-se necessário apresentar Monteiro Lobato aos alunos, suas obras infantis e personagens principais. As crianças demonstraram surpresa ao tomarem conhecimento de que, embora o escritor já tenha falecido há 70 anos, suas obras continuem sendo adaptadas para meios de comunicação diversos. Na idade delas, 70 anos representa “muito tempo”.

Conforme Bordini e Aguiar, na terceira etapa do Método Recepcional – ruptura dos horizontes de expectativa –, é preciso garantir a “[...] introdução de textos e atividades de leitura que abalem as certezas e costumes dos alunos, seja em termos de literatura ou de vivência cultural” (1993, p.89). Acredita-se que a ruptura deva ser feita, mas é preciso tomar certos cuidados, principalmente com a linguagem do texto, para não causar efeitos contrários e o aluno criar resistência à obra ou desejar abandoná-la.Calvino (2000) defende que o primeiro encontro entre jovens e clássicos não é tão animador, pois, pouco é absorvido, pelo fato de ser sua primeira apresentação e este tipo de leitor possuir, ainda, pouca experiência de vida. Todavia, é papel da escola propor o desafio e assegurar a democratização da cultura.

Inicialmente, foi lida a fábula “A cigarra e as formigas”, na versão lobatiana (1973, p.12) e posteriormente “O lobo e o cordeiro” (1973, p. 17). No texto de Lobato, como o próprio título revela, existem duas formigas; a boa e a má.A cigarra não é mostrada de modo depreciativo e merece o reconhecimento da formiga boa. Em relação à formiga má, no decorrer da narrativa, o próprio leitor reconhece sua maldade, através da narradora Dona Benta: “Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres” (1973, p.13). O que não acontece na criação de La Fontaine, na qual não existe compaixão pela cigarra: ““Oh! bravo!”, torna a formiga. / –Cantavas? Pois dança agora!” (REVISTAPROSA VERSO E ARTE, 2019, s/p.)

Ao decidir lançar seu livro de fábulas, Lobato imprime na sua produção modificações parodís- ticas em relação às fábulas de La Fontaine que, pelo viés crítico,representam característicaslibertárias próprias de seus textos pertencentes à literatura infantil. Uma das mudanças mais marcantes ocorre na linguagem que se torna mais informal, apresentando traços de oralidade. Há também uma mudança na estrutura das fábulas, há um espaço destinado às personagens do Sítio do Picapau Amarelo, para que explicitem seus pontos de vista.

Na quarta etapa – questionamento do horizonte de expectativas –, foi realizado um debate em sala de aula acerca dos posicionamentos das personagens das fábulas estudadas. A princípio, fizemos a interpretação da moral: “Que a razão do mais forte predomina. Esta fábula ensina.” (apud FERREIRA et al., 2015, p.72), retirada de “O lobo e o cordeiro”, de La Fontaine, e discutimos quais outras frases poderiam substituí-la. Em seguida, construímos uma nova versão da fábula, a partir do ponto de vista do cordeiro: como ele contaria essa história? Traria um final diferente? Utilizaria alguma estratégia

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Em um segundo momento, cada criança apresentou à sala a sua versão da história. Cada uma com seu argumento, para algumas o cordeiro, sabendo dos perigos da floresta não sairia sozinho sem ter uma arma para se defender. O cordeiro, inclusive, esconderia pregos em sua lã para enganar o lobo enquanto discutiam e depois fazê-lo ferir as patas de maneira que não conseguisse correr atrás do cordeiro. Outros disseram que não existe uma alternativa, sabendo que o lobo é bem mais forte e veloz, deveriam aceitar que a morte estava por vir, pois nada poderia ser mudado. Argumentaram ainda que o cordeiro tentaria enganar o lobo, dizendo que estava sofrendo com uma doença contagiosa e que qualquer aproximação poderia transmitir o vírus, fazendo com que o lobo também adoecesse. Na última etapa, de ampliação do horizonte de expectativas, os alunos deveriam transformar a fábula estudada em uma história em quadrinhos, podendo escolher se colocariam apenas imagens, para que o leitor pudesse fazer a sua versão da história ou recontariam a história.

Abaixo, apresentamosduas produções, uma em que o cordeiro não escapa à morte pelo lobo, outra, em que o lobo é bom e dá acesso a outros animais à água, inclusive aos seres humanos:

Produção 1 – A. 11 anos.

O nome do aluno foi omitido, por razões éticas.

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Desse modo, buscou-se associar a leitura ao lúdico e à produtividade, objetivando não que os alunos se tornassem grandes escritores, mas com o intuito de fazê-los sentir confiança ao escrever e expor suas ideias, de maneira a favorecer à socialização e interação.

CONCLUSÃO

Diante do que foi apresentado, pôde-se concluir que a produção literária de Lobato ainda é atual e tem potencialidades que podem emancipar o sujeito leitor de seus conceitos sobre as relações humanas em sociedade. Pelos depoimentos, os alunos perceberam a importância do escritor, bem como de suas obras no âmbito de uma memória cultural brasileira.

Pelos debates deflagrados pela recepção das fábulas, procurou-se assegurar, em consonância com Maria Angélica de Oliveira e Ivone Tavares de Lucena (2010, p.1879), que asfábulas são “[...] pequenos repositórios de sabedoria que, através do jogo fabulosoexemplar, têm se situado no limiar entre a moral e a denúncia, entre as técnicas de si e as técnicas de afrontamento.” Conforme as autoras (OLIVEIRA; LUCENA, 2010), apesardesses textos terem aparênciapueril, eles ultrapassam os limites do preceito moral, atuando em sala de aula como ferramentas de denúncia e crítica ao abuso do exercício do poder. Dessa forma,transitam dos domínios das técnicas de si aos domínios das técnicas de resistência.

Ao término das etapas do Método Recepcional (BORDINI; AGUIAR, 1993), permanece o desejo de trabalhar com as obras infantis de Lobato, como O Minotauro, Caçadas de Pedrinho, Reinações de Narizinho, entre outras. De fato, o Método jamais termina, antes, abre possibilidades para novas sequências didáticas ainda mais desafiadoras.

Pela leitura das fábulas clássicas e das adaptadas por Lobato, os alunos participaram ativamente das inovações desse escritor, compreendendo o conceito de paródia. Pelos debates e pela produção de HQs, puderam ampliar seus conhecimentos e repertórios, desenvolvendo autonomia para expressar seus anseios, produzir seus próprios textos e tomar decisões, tornando-se críticos e conscientes de seus papeis como leitores na sociedade.

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REFERÊNCIAS

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BLOGCAMP. Disponível em <https://blogcamp.com.br/sitio-do-picapau- amarelo-personagens/>. Acesso em: 8 out. 2018.

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REVISTA PROSA VERSO E ARTE. Disponível em: <https://www. revistaprosaversoearte.com/11702-2/>. Acesso em: 20 março 2019. SMOLKA, Neide. Esopo: fábulas completas – tradução direta do grego. Introd. e notasda autora. São Paulo: Moderna, 1994.

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