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UM REVOLUCIONÁRIO EM PROL DA LITERATURA INFANTIL

Antes de Lobato, reinava no Brasil certa visão romântica oitocentista do livro, que o colocava na condição de objeto sagrado, cujo acesso estava reservado à elite. Sem dizer que a literatura ou, em outros termos, a arte de bem escrever era tida como uma prática acadêmica e oficial, exclusiva dos homens de ciência. O que mais chama a atenção na obra de Monteiro Lobato é o fato de que ele concebeu um projeto estritamente literário e educativo. A novidade do projeto literário de Lobato é o seu desdobramento em duas frentes igualmente importantes: a própria escrita literária e o empreendimento editorial.

Lobato encontrou um novo caminho para a literatura infantil, pois rompe com as convenções estereotipadas e abre as portas para a inovação literária que o nosso século exigia. Preocupava-se igualmente com renovação literária, no sentido de encontrar a autêntica realidade brasileira. Lobato acreditava que o pensamento infantil é aquele que está sintonizado com esse pulsar pelas vias do imaginário. Grande parte da literatura de Lobato sempre foi direcionada aos leitores pequeninos, com a intenção de ajudar na formação intelectual e moral da juventude.

Em uma época em que os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa, Lobato tornou-se também editor. Com isso, ele implantou uma série de inovações nos livros didáticos e infantis. Este notável escritor é bastante conhecido entre as crianças, pois se dedicou a um estilo de escrita com linguagem simples em que realidade e fantasia estão lado a lado. Pode-se dizer que ele foi o precursor da literatura infantil em nosso país,poisescreveu sobre temas especificamente brasileiros. Sua produção foge a um nacionalismo exacerbado, apresentandocompreensão de nossos problemas evalo- rização de nossa cultura. A imagem de Lobato como pioneiro na literatura infantojuvenil nacional está atrelada àsua produção literária, o que a torna um referencial para o público brasileiro. Seus personagens são críticos. Emília, por exemplo, é um alter-ego de Lobato. Seu sarcasmo esplêndido, a ironia perfurante e a atitude provocadora fazem dessa bonequinha de pano,personagem unidae com características a tornaram muito instigante da literatura infantil produzida no Brasil. Para Darnton, um livro infantil de Lobato:

Em vez de afugentar o leitor, prende-o. Em vez de ser tarefa, que a criança decifra por necessidade, é a leitura agradável, que lhe dá a mostra do que podem os livros. (...) De fato, a historieta fantasiada por Monteiro Lobato, falando à imaginação, interessando e comovendo o pequeno leitor, faz o que não fazem as mais sábias lições morais e instrutivas: desenvolve-lhe a personalidade, libertando-a e animando-a para cabal eclosão, fim natural da escola. (1995, p.112).

MONTEIRO LOBATO, NO PAÍS DAS FÁBULAS Alyne Maciel Morais da Silva

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Monteiro Lobato não podia viver sem se comunicar com as pessoas, principalmente com as crianças. Suas obras incitam ao diálogo e à busca de parceiros para as brincadeiras. Quando escrevia em jornais, fazia questionários e pedia a opinião de seus leitores.A literatura infantil de Monteiro Lobato é, toda ela, um campo fecundo, em que realidade e ficção se articulam. Ele construiu na literatura infantil um arsenal de pequenas obras-primas de encanto e seriedade que desde a segunda década deste século vem imprimindo sua marca nos sonhos dos brasileiros. Os méritos do escritor ultrapassam em muito os do bom contador de histórias: seus personagens são cuidadosamente elaborados e os enredos tecidos com paciência.

No que classificou como “literatura geral” para diferençar as obras destinadas aos adultos das dedicadas às crianças, Lobato apresenta escritos atraentes em que se aliam simplicidade e elegantes construções verbais. Na sua produção nota-se a linguagem exata, o texto enxuto,sem ornamentos e excessos, que atinge diretamente o leitor, pois o incorpora ao próprio texto. Sua maneira clara e direta de escrever,atingia a um de seus objetivos: ampliar o número de leitores. Para tanto, preconizava uma estética de fácil apreensão, o cultivo de um estilo que refletisse uma oralidade tipicamente nacional, livre de imitações e da erudição basbaque.

A literatura lobatiana valoriza os traços orais da linguagem, incorporando um sem número de expressões regionais, os coloquialismos e brasileirismos típicos da fala popular. Seu projeto literário foi responsável pela criação denovoshábitosliterário, que toma o leitor como potencialidade, como parte integrante da produção cultural. O público - a partir de Lobato -, com toda sua heterogeneidade e pluralidade, passou a constituir o alvo de escritores e editores.Preocupado com a literatura infantil, Lobato publicou, em 1957, Fábulas livro de leitura para crianças. Nessa coletânea, Lobato já trazia as diretrizes de uma literatura infanto-juvenil: o apelo à imaginação em harmonia com o complexo ecológico nacional; a movimentação dos diálogos, a utilização ampla, o enredo, a linguagem visual e concreta, a graça na expressão – toda uma soma de valores temáticos e linguísticos que renovava inteiramente o conceito de literatura infantil noBrasil (ARROYO, 1968, p.198).

Podemos dizer que Lobato foi o pioneiro a pensar na literatura infantil enquanto algo que deveria ser estimulado na criança, de modo que ela adquirisse o hábito e o prazer pela leitura, não mais se restringindo à obrigação pedagógica dos livros didáticos. Esse escritor tinha a preocupação de relacionar a literatura infanto-juvenil com a educação, tentando conciliar tradição e inovação, tendo em mente, porém, produzir histórias que fossem além dos limites das paredes de uma sala de aula. Mesmo suas histórias consideradas “de diversão” apresentam embutidas questões argumentativas e persuasivas. Como afirma Eliana Yunes: “A intertextualidade constante das formações discursivas anula as fronteiras entre o real e o sonho” (YUNES, 1982, p.47). Ainda com respeito ao ato de ler, a visão de Lobato acerca do leitor era a de alguém atuante, um crítico que não aceita o texto escrito como uma realidade fechada em si e portador de uma verdade. Essa compreensão é possível de ser percebida no livro Fábulas (1972), principalmente nas situações de discussão entre os personagens.

O leitor presente na obra do autor de Taubaté protesta, propõe revisões, altera os desfechos, julga, desconfia. É o que podemos constatar no livro Fábulas(1972), no qual, ao final de cada fábula contada por Dona Benta, os ouvintes opinam, criticam e se posicionam diante do texto recebido. E vão mais além, tornam-se autores, na medida em que também criam suas próprias fábulas.Lobato resgata nessa obra uma prática atemporal e comum na tradição das narrativas infantis: a figura do contador de histórias, e uma prática marcadamente histórica: a troca de argumentosentre os leitores e ouvintes.

Nas palavras de Huizinga (1971, p.143), “toda argumentação presente no livro tem origem no jogo persuasivo entre os personagens cujo jogo marcial da competição argumentativa, do combativo da emulação, troca e da invectiva, o jogo ligeiro do humor e da prontidão persuasiva”. Pensar a literatura

MONTEIRO LOBATO, NO PAÍS DAS FÁBULAS Alyne Maciel Morais da Silva

infantil a partir das atividades que a criança desenvolve ao ler um texto,leva-nos a relacionar o ato lúdico à iniciação literária.

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