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MAS QUAL É A “MORAL” DA NOSSA “ESTÓRIA”?

Apesar da atividade que analisamos ser simples, entendemos que ela aponta a potencialidade do uso da literatura infantil de autores com veia científica, de modo geral, e de Lobato, em particular, nos componentes voltados ao ensino das Ciências Naturais nos cursos de Pedagogia.

Destacamos, aqui, a riqueza das discussões que aconteceram durante na fase daleitura crítica em ciências, na qual as temáticas científicas presentes na obra foram identificadas, discutidas e que serviram de base para a escolha dos temas dos projetos de ensino. Surgiram, inclusive, novas possibi- lidades de abordagem que não foram percebidas por nós em nosso trabalho original de pesquisa com a literatura lobatiana na educação básica. A retirada do peso dos objetos por Emília e as possibilidades

MONTEIRO LOBATO E A FORMAçãO EM CIÊNCIA DE FUTUROS PEDAGOGOS Sílvia Regina Groto (UFRN)

de ensino que essa reforma possibilita é um exemplo. Para além dos temas científicos propriamente ditos, foi percebida a potencialidade para abordagens interdisciplinares que a leitura da obra suscita. Elementos de outras áreas do conhecimento também foram elencados, como os da história, da geografia, da matemática. Neste último caso, foi apontada a reforma do passarinho-ninho na qual Lobato/Emília menciona as formas côncava e convexa. Ela explica que o dorso dos pássaros possui uma forma côncava e na sua reforma ficariam com a forma convexa para abrigar os ovos dos pássaros. A leitura de A Reforma da Natureza contribuiu, também, para a sensibilização e contextuali- zação das temáticas científicas, potencializando a aprendizagem em ciências. Sensibilização porque a leitura estimulou a curiosidade dos alunos pelo “saber mais”, tornou-os curiosos, com vontade de pesquisar, ler sobre a ciência envolvida nas reformas da Emília.E esse “saber mais” foi sistematizado na elaboração dos projetos de ensino. Contextualização porque as temáticas científicas, os conceitos científicos possuíam uma história, faziam um certo sentido para os estudantes. Essa característica é particularmente interessante na educação básica, uma vez que os temas científicos normalmente surgem de forma estanque, individualizados, compartimentalizados pelos capítulos do livro didáticos. Na obra A Reforma da Natureza os “capítulos” e os conceitos científicos continham um enredo, estavam interligados.

A atividade contribuiu, também, para um dos objetivos elencados no componente curricular Ensino das Ciências Naturais, a saber: promover a articulação entre o “ensino” e o “estágio supervi- sionado”. Alguns alunos mencionaram o fato de terem utilizado a literatura em aulas, na educação básica, durante os estágios supervisionados e com resultados positivos.

Outra contribuição, já mencionada anteriormente, é o fato de que perceber as ciências por meio da literatura, além de auxiliar na aprendizagem de conceitos científicos, um dos desafios da formação em ciência dos pedagogos, pode contribuir, também, para que os graduandos vivenciem uma estratégia didática que poderá ser reproduzida por eles ao ensinar ciências para crianças. Neste sentido,os estudantes tiveram acesso ao “fazer”, para além da discussão do “como fazer”.

Mas nem tudo são flores. Apesar de perceberem a potencialidade da obra para abordagens interdisciplinares, a interdisciplinaridade não foi posta em prática por todos os grupos durante o desenvolvimento dos projetos de ensino. Essa é, também, uma dificuldade muito comum na educação básica que resulta, dentre outras coisas, de uma formação escolar disciplinar e da dificuldade com o trabalho no coletivo.

Fazemos, ainda, uma ressalva. A realização da leitura crítica em ciências é muito importante para se detectar possíveis erros conceituais. As obras literárias não existem para ensinar ciências e, neste sentido, não necessitam do rigor conceitual, que, muitas vezes, não é encontrado nem nos livros didáticos. Por outro lado, esses “erros” podem ser utilizados para problematizar os conceitos. Outra contribuição da atividade foi o incentivo à leitura/formação de leitores. Lembramos que todo professor é professor de leitura! Ao questionarmos sobre a prática da leitura literária pelos estudantes, alguns mencionaram que há alguns anos não liam literatura. Dois alunos, especifica- mente, mencionaram nunca ter lido literatura infantil antes da atividade que realizamos. Isso é particularmente preocupanteconsiderando que, futuramente, lecionarão para crianças.

Finalizando, concluímos que a leitura e discussão da obra A Reforma da Natureza, de Monteiro Lobato (2010), durante as aulas do componente curricular “Ensino das Ciências Naturais II” no curso de Licenciatura em Pedagogia da UFRN,auxiliou no ensino e na aprendizagem das Ciências Naturais. Sugerimos, entretanto, a realização de uma pesquisa mais sistematizada. Nesse sentido, é preciso deixar claro que Monteiro Lobato é um dos literatos brasileiros com veia científica. Seriaparticularmente interessante que essa pesquisa mais sistematizada abarcasse a identificação

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