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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Como docente do ensino superior em disciplinas da área de leitura e produção de textos, a primeira produção textual que solicito aos estudantes é uma autobiografia sobre as experiências e os hábitos deles em relação à leitura e à escrita. Essa atividade é proposta com vários objetivos, que incluem desde uma avaliação diagnóstica referente ao domínio das competências e habilidades de escrita que os estudantes apresentam ao ingressarem no ensino superior até a relação de afetividade que esses estudantes apresentam em relação à leitura e à escrita.

Inicialmente, para escrever, é preciso haver uma seleção de ideias e uma organização dessas ideias considerando um determinado propósito. De acordo com Koch e Elias (2011),

[...] a escrita é um trabalho no qual o sujeito tem algo a dizer e o faz sempre em relação a um outro (o seu interlocutor/leitor) com um certo propósito. Em razão do objetivo pretendido (para quê escrever?), do interlocutor/leitor (para quem escrever?), do quadro espacio-temporal (onde? quando?) e do suporte de veiculação, o produtor elabora um

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pragmáticas, cognitivas, discursivas e interacionais, vendo e revendo, no próprio percurso da atividade, a sua produção (KOCH, ELIAS 2011, p. 36).

Para Sautchuk (2003), o texto escrito é organizado em dois níveis, que correspondem à macro- estrutura e à microestrutura. Basicamente, a macroestrutura diz respeito à coerência textual1 e a microestrutura corresponde à coesão textual2. De modo mais específico:

A macroestrutura diz respeito a todos os componentes (predominantemente extralinguís- ticos) que possibilitam a organização global de sentido do texto e que são responsáveis por sua significação. São esses componentes que tornam possíveis o planejamento, a compre- ensão, a memorização e a reprodução das ideias do texto. À macroestrutura associam-se, portanto, todos os elementos e mecanismos que visam manter a coerência do texto. [...] (a microestrutura) é responsável pela estruturação linguística do texto, isto é, representa todo um sistema de instruções textualizadoras de superfície que auxilia na construção linear do texto por intermédio de palavras e de frases, organizadas como elementos e mecanismos de coesão” (SAUTCHUK, 2003, p. 22, grifos da autora).

Tanto o aspecto macroestrutural quanto o aspecto microestrutural de um texto escrito estão diretamente relacionados com o planejamento desse texto, inclusive na quantidade e no conteúdo dos parágrafos. O parágrafo, para Serafini (2000), pode ser definido como

[...] uma quantidade de texto delimitada por um ponto final; o texto continua a se desen- volver na outra linha, afastado da margem. Ele pode conter vários períodos separados por pontos e por vírgulas. O que importa é garantir que a cada parágrafo corresponda uma única ideia de roteiro (SERAFINI, 2000, p.55).

Portanto, o parágrafo é um elemento constitutivo do texto escrito. Esse elemento apresenta, fundamentalmente, tanto aspectos macroestruturais (relacionados ao tema/tópico discursivo e à coerência) quanto aspectos microestruturais (relacionados à coesão).

Considerando a produção de um relato autobiográfico escrito, destacamos que se trata de um gênero textual3 que apresenta uma sequência textual4 predominantemente narrativa. Segundo Cavalcante (2011, p.65), “a sequência narrativa tem como principal objetivo manter a atenção do leitor/ ouvinte em relação ao que se conta”.

Após a solicitação da produção escrita de relatos autobiográficos, algumas questões específicas foram as seguintes: será que os estudantes de diferentes cursos de nível superior gostam de ler e de

1 “[...] a coerência garante a lógica interna do texto [...] (e) ainda estabelece correspondência entre certos elementos do texto e referências ao mundo real” (GOLDSTEIN, LOUZADA E IVAMOTO 2009, p. 20).

2 “A coesão textual complementa o papel da coerência, criando elos pontuais entre as partes do texto. Isso ocorre de duas maneiras: a primeira, pela retomada de palavras já citadas no texto por meio da repetição ou da substituição por outros termos. A segunda, pelo emprego de conectivos entre frases, segmentos ou orações presentes no texto. Esses conectivos estabelecem vários tipos de relação, como oposição, causa, consequência etc” (GOLDSTEIN, LOUZADA E IVAMOTO, 2009, p. 25-26).

3 “[...] gênero textual [...] (é) uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI, 2010, p.23).

4 “Todo texto é constituído de sequências. [...] as sequências textuais são unidades estruturais, relativamente autônomas [...] se definem como uma ‘rede relacional hierárquica’ [...] dotada de uma organização interna formada de um conjunto de macroproposições [...] que, por sua vez, se constituem de proposições” (CAVALCANTE, 2011, p. 61-63).

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escrever? Como é a relação de afetividade desses estudantes em relação à leitura e à escrita? Será que eles tiveram algum trauma ou alguma dificuldade específica no aprendizado da leitura e da escrita? Antes de tentar responder essas questões, é importante definir o conceito de afetividade. Nas palavras de Tassoni (2013):

[...] a afetividade refere-se a uma gama de manifestações, revelando a capacidade do ser humano de ser afetado pelos acontecimentos, pelas situações, pelas reações das outras pessoas, bem como por disposições internas do próprio indivíduo. [...] (TASSONI, 2013, p. 525)

Além disso, a autora afirma “que os processos afetivos e cognitivos se constituem em um par inseparável e, participam igualmente dos processos de ensino e aprendizagem” (TASSONI, 2013, p. 527). Nesse sentido, selecionamos o gênero textual autobiografia/relato autobiográfico como um gênero textual privilegiado para identificar de que modo a afetividade interfere nos aspectos cognitivos da leitura e da escrita como objetos de aprendizagem. Em outras palavras,

[...] em se tratando de situações de ensino e aprendizagem, as experiências que evocam sentimentos agradáveis podem marcar de maneira positiva os objetos culturais. Portanto, as relações entre alunos, professores, conteúdos, livros, escrita, etc. não acontece pura- mente no campo cognitivo. Existe uma base afetiva permeando todas elas (TASSONI, 2013, p. 528).

Na seção seguinte, apresentaremos a metodologia do presente trabalho.

METODOLOGIA

Nas aulas de disciplinas referentes à prática de leitura e produção de textos em diferentes cursos do ensino superior da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no campus de Natal – RN, solicitamos aos estudantes uma primeira atividade de produção textual: a elaboração de um relato autobiográfico a respeito da experiência deles com a leitura e a escrita.

De modo mais específico, a proposta de produção escrita foi a seguinte:

Escreva um relato autobiográfico sobre sua experiência com a leitura e com a escrita ao longo da sua trajetória pessoal. Para isso, procure responder as questões a seguir, que servirão de roteiro para a elaboração do seu texto.

I. Como foi sua experiência com a leitura? II. Como foi sua experiência com a escrita? III. O que você costuma ler?

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Esperávamos que os estudantes redigissem relatos organizados em parágrafos (mínimo de um, máximo de cinco, sendo cada um correspondente a uma questão. Para os propósitos deste trabalho, o corpus foi constituído por 10 (dez) relatos de estudantes de 8 (oito) diferentes cursos (Artes Visuais; Ciências Sociais; Comunicação Social: jornalismo; Física; Filosofia; Matemática; Música; Pedagogia). O critério para seleção dos relatos foi a manifestação explícita de afetividade em relação à leitura e escrita. Explicando melhor, foram selecionados relatos nos quais havia menção clara ao fato de gostar ou não de ler e escrever e/ou ter ou não hábito de leitura e escrita.

Na análise dos relatos, foram investigadas as seguintes questões: como é a relação de afetividade desses estudantes com a leitura e a escrita? Eles gostam de ler e de escrever? A aprendizagem de leitura e escrita foi agradável ou traumática? Buscar a resposta para essas questões talvez possa ajudar a promover atividades mais envolventes de leitura e escrita no ensino superior.

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