• Nenhum resultado encontrado

“Era uma vez um livro que começava com uma paisagem muito bonita. De repente entrou na história o Gato-de-botas gritando bem alto: - Convocação geral!! Como ele estava dentro de um livro, logo, logo, todo mundo atendeu sua convocação...” Ziraldo e Zélio Alves Pinto – A Bela Borboleta

Foi durante o século XVIII que a literatura infantil teve o seu real aparecimento, em virtude do novo papel que se estabelecia entre os integrantes da sociedade desse período. A ascensão da burguesia no continente europeu, o crescimento de sua capacidade econômica e a consequente

LEITURA DE LITERATURA E A PROFESSORA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Laiza Karine Gonçalves (SEE/RS)

conquista de mais poder político fizeram com que se organizasse uma nova ordem social e cultural, com um espaço especial à criança.

Ela passou a assumir um lugar importante no meio familiar e tornou-se o centro das atenções. Os adultos começaram a se preocupar não só com a sua saúde, mas, também, com investimentos na sua educação, de forma a prepará-lo para a vida. Esse preparo, convencionado pela sociedade, competia à escola. Cabia a ela, então, ensinar regras, através de manuais de conduta e civilidade (a comer, a beber, a falar e a caminhar com certos gestos convenientes), normas “literárias” que tinham de ser ensinadas aos alunos nas primeiras lições de leitura e escrita. Eram assuntos nem sempre ligados à literatura para crianças, pois não se destinavam somente a elas, justamente pelo fato de que ainda não se tinha uma concepção de infância formada, mas um sentimento superficial em relação à criança. Por isso, o adulto se preocupava apenas com a preparação futura do pequeno, como bem afirma Ariès:

Encontramos aí ao mesmo tempo elementos de conduta infantil e conselhos morais, que hoje julgaríamos inacessíveis às crianças. Isso explica pelas origens dos manuais de civilidade, que eram, em suma, registros dos costumes da aprendizagem, ainda muito influenciados pelos hábitos de uma época em que não se dosava a matéria transmitida às crianças, em que estas eram logo completamente mergulhadas na sociedade: tudo lhes era dado desde o início. As crianças misturavam-se imediata- mente aos adultos (1981, p. 172).

Do mesmo modo que as crianças liam esses manuais de caráter pedagógico, as histórias que elas ouviam também apresentavam lições moralistas. Essas narrativas contadas tinham como objetivo lhes transmitir os valores da sociedade da época. As mais conhecidas eram as de Charles Perrault. Embora ainda tivessem como proposta orientar, principalmente, as meninas, em sua formação moral, já começavam a mostrar um interesse em querer divertir as crianças. Segundo Aguiar:

Apesar dessa mudança radical, foi mantido, nos contos, o elemento maravilhoso (presente nas fadas, nas bruxas e nos demais seres fantásticos), que endossa, de modo substantivo, a participação da criança no mundo adulto. Assim, por meio da magia, o infante foge às pressões familiares e realiza-se no sonho(2001, p. 80).

Então no século XIX a literatura infantil passou a se caracterizar como literatura destinada ao público mirim simplesmente pela arte de agradar, de despertar o interesse e prender a atenção do pequeno.

Agregados a essa nova ideia de escrever puramente para propiciar prazer às crianças, estavam os contos de fadas dos Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm; pois eles perceberam que as histórias registradas carregavam um mundo maravilhoso de fantasia, em que as crianças podiam imaginar brincando.

As histórias do brasileiro Monteiro Lobato, noséculo XX, também foram escritas para divertir os pequenos, tanto que o escritor procurou usar, em suas narrativas, uma linguagem que fosse compreensível e atraente para eles. Inclusive Lobato introduziu a oralidade na fala das personagens e no discurso do narrador, aproximando, dessa forma, as situações vividas pelas personagens da história e o mundo encantado vivido pela criança. Como afirma Magalhães:

O principal traço de diferenciação consiste em que a história de Monteiro Lobato procura interessar a criança, captar sua atenção e diverti-la. É bastante conhecido o seu ideal de livro: um lugar onde a criança possa morar. Para alcançá-lo, o Autor reconhecia a necessidade do gênero sofrer modificações e expressa essa intenção já na sua primeira obra (1984, p. 136).

Tais ideias mencionadas porMagalhãessão possíveis de serem percebidas na primeira obra de Monteiro Lobato Narizinho Arrebitado, e em O Marquês Rabicó, O Pó de Pirilimpimpim, Asreinações de Narizinho, Picapau Amarelo, A chave do tamanho, dentre outras. São nessas narrativas escritas em uma linguagem para crianças que se encaixam as aventuras, personagens e celebridades que nasceram da

LEITURA DE LITERATURA E A PROFESSORA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Laiza Karine Gonçalves (SEE/RS)

75

A poesia infantil, assim como as narrativas, nem sempre foi escrita para a criança, em razão de também ter origem na tradição popular folclórica adulta. Posteriormente é que esse gênero literário passou a ser dirigido ao público mirim, mas como instrumento pedagógico, com o objetivo de ensinar temas educativos e valores morais. Só anos mais tarde, período moderno, é que os escritores come- çaram a entender o mundo da criança, passaram a cultivar, em seus textos, temas e linguagens que tocam a sensibilidade infantil, garantindo, assim, a sua qualidade estética. Como menciona Aguiar:

Como todo texto lírico, o poema infantil é elaborado a partir de um funcionamento particular da linguagem: nele, as estruturas enunciativas, sintáticas, léxico-semânticas, fônicas, rítmico – meló- dicas e gráficas estão arranjadas em função dos sentidos que o poeta deseja trabalhar. A ambiguidade, a ênfase na pluralidade de significações, é muito importante porque permite que a criança faça uma leitura plural do poema, aproximando, opondo e descobrindo significados (2001, p. 111).

O gênero poético, assim como os outros gêneros literários, portanto, pode ser pensado a partir do efeito que causa no leitor mirim; pois o artista ao escrever consciente ou inconscientemente, cria jogos de palavras, sons e ritmos que provocam reações em quem lê. Seus versos podem ser puramente lúdicos, sem outra intenção além de divertir, dando a certeza de que nada é melhor do que brincar. Com essa mudança de pensamento na produção de livros literários infantis, a ilustração também passou a receber uma melhor atenção por parte dos ilustradores. Passaram a se colocar ao lado da criança, criando imagens que façam sentido para ela, que sejam adequadas às expectativas dela. É nesse contexto de ilustrações que os livros de imagem também assumem um papel importante na literatura.

As narrativas contadas por meio de imagens permitem que a criança faça a leitura dos elementos que estão sendo apresentados e atribua significados que considera relevantes de acordo com o seu conhecimento de mundo. Inclusive permite que o leitor faça relações com outras histórias infantis. Bem como afirma Camargo:

O livro de imagem não é um mero livrinho para crianças que não sabem ler. Segundo a experi- ência de cada um e das perguntas que cada leitor faz às imagens, ele pode se tornar o ponto de partida de muitas leituras, que podem significar um alargamento do campo de consciência: de nós mesmos, de nosso meio, de nossa cultura e do entrelaçamento da nossa com outras culturas, no tempo e no espaço (1995, p. 79).

Logo, a literatura infantil deve ser vista como um jogo lúdico importante na vida da criança. Para Magalhães:

Uma das ações mais ligadas à caracterização da infância é jogar. Não se trata de jogo na exclusiva acepção de atividade organizada segundo regras, execução de diferentes combinações segundo o sentido dicionarizado, mas de jogo como um modo e uma condição de realizar determinadas ações: exploração do mundo sem obrigatoriedade, apenas pela necessidade de adaptar-se e equilibrar a tensão (1984, p. 25).

Quando esse momento ocorre, respeitando o ludismo característico da infância e da leitura literária, a criança supera suas estreitas vivências, desenvolvendo sua imaginação criadora, pois ela expressa a sua fantasia para uma direção nova, que vale para toda vida. Tal atividade permite que os sentidos emocionais do pequeno sejam aprofundados, alargados e ordenados. Por isso é tão importante que a professora de Educação Infantil crie um espaço nesse ambiente para oportunizar as primeiras relações com o livro literário.

LEITURA DE LITERATURA E A PROFESSORA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Laiza Karine Gonçalves (SEE/RS)

Documentos relacionados