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LITERATURA EM AULAS DE CIÊNCIAS: QUE “ESTÓRIA” É ESSA?

A defesa da necessidade de uma aproximação entre a ciência e a literatura não érecente. Snow, em 1959, durante a polêmica Palestra Rede, proferida por eleem Cambridge, já argumentavaque aproximar as “duas culturas”, a cultura científica e a humanística, esta última representa pela literatura,poderia contribuir para a formação de cidadãos com maior capacidade de compreender o mundo (SNOW, 1995). No Brasil, a aproximação entre a literatura e a ciência, representada pela física,vem sendo defendida há 30 anos (1979, com a defesa da Tese “Física também é cultura”) pelo físico João Zanetic. O pesquisador argumenta, dentre outras coisas, que compreender a física por meio da literatura pode atrair aqueles estudantes que não se sentem motivados pela física excessi- vamenteconteudista e matematizada,normalmente ensinada nas escolas.

Mais recentemente, outros autores também têm se debruçado em pensar a aproximação das “duas culturas”, bem como a sua inserção na educação científica. Dentre as obras literárias que têm sido sugeridas, destacam-se as de Monteiro Lobato, considerado “um literato com veia científica” (ZANETIC, 2007). Destacamos aquialguns estudosque abordam a utilização da literatura adulta e infantil de Lobato no ensino das ciências naturais, são eles: Carvalho (2007) que versa sobre a interface

MONTEIRO LOBATO E A FORMAçãO EM CIÊNCIA DE FUTUROS PEDAGOGOS Sílvia Regina Groto (UFRN)

literatura e educação ambiental; Silveira (2013), sobre o ensino da química; Oliveira (2012) e Groto e Martins (2015, 2017), que discutem o ensino de ciências de modo mais geral. Cabe destacar, ainda, o trabalho de Campos (2018) que discute a utilização da literatura lobatiana no ensino de ciências das escolas da educação básica da cidade natal de autor, Taubaté. Parte desses trabalhos argumenta que a literatura lobatiana contribuiria com os processos de ensino e aprendizagem das ciências naturais, notadamente, pela dialogicidade e pelo estímulo à curiosidade epistemológica (FREIRE, 2008)que proporcionam;e pela contextualização e problematização de temáticas científicas e metacientíficas que contêm.

A pesquisa de Groto e Martins (2017), por exemplo, relata e discute uma atividade interdis- ciplinar realizada em turmas do Ensino Fundamental II em uma escola pública do Rio Grande do Norte. Nesta atividade, as obras A Reforma da Natureza e Serões de Dona Benta foram lidas durante as aulas de língua portuguesa e as temáticas científicas presentes nas obras foram discutidas nas aulas de ciências, em turmas de8º e 9º anos, respectivamente. Os resultados apontam que a leitura e a discussão das obras incrementaram adialogicidade das aulas, bem como a contextualização de conceitos científicos. Segundo os autores, mesmo quando alguns conceitos científicos surgiam nas histórias com equívocos conceituais, a leitura e a discussão durante as aulaspossibilitaram a proble- matização desses mesmos conceitos, auxiliando na sua aprendizagem. Isso aconteceucom alguns conceitos que aparecem na obra Serões de Dona Benta, como os de massa e peso, por exemplo. Para além da contribuição para o ensino e a aprendizagem das temáticas científicas, os resultados apontaram, também, que a literatura lobatianaauxiliou na discussão de temas mais amplos,colaborando para oprocesso de humanizaçãodos estudantes, como compreendido por Freire (2009;2011) e Cândido (1989). Foi possível, por exemplo, discutir a forma como tia Nastácia era tratada em um trecho da obra Serões de Dona Benta, considerada como preconceituosa por um dos estudantes.

Lembramos que, em 2010, um parecer do Conselho Nacional de Educação, revisto posterior- mente, foi contrário à aquisição da obra Caçadas de Pedrinho, por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). A obra foi acusada de conter trechos que evidenciavam preconceito étnico-racial contraTia Nastácia. Entendemos que as obras literárias são produtos de um tempo e de um espaço, carregando ideias e pensamentos da época em que foram produzidas. Neste sentido, a presença de certas ideias e pensamentos, hoje considerados equivocados/não aceitos pela sociedade, poderia ser utilizada para a sua própria problematização. Abordar questões étnico-raciais, ao nível do ensino fundamental, não é uma tarefa fácil e problematizá-las por meio da literatura pode ser interessante. Os trabalhos que elencamos anteriormente se referem, notadamente, ao ensino das ciências naturais ao nível da educação básica. Poderia a literatura infantil de Lobato auxiliar, também,no ensino e na aprendizagem das ciências naturais no nível superior? Para nós, trazer a literatura de Monteiro Lobato para o ensino das Ciências Naturais nos cursos de Licenciatura em Pedagogia parece ser interessante, em princípio, por dois motivos: O primeiro, podemos dizer,está mais relacionado à aprendizagem das Ciências Naturais. Vários são os autores que apontam as dificuldades dos peda- gogoscom os conteúdos científicos como um dos desafios do ensino de ciências das séries iniciais do ensino fundamental. Longhini (2008), por exemplo, esclarece que, apesar dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) enfatizarem a importância do ensino das Ciências Naturais nas séries iniciais do Ensino Fundamental, grande parte dos pedagogos privilegiam o ensino da Língua Portuguesa e da Matemática. Uma das razões, segundo o autor, seria o escasso contato dos professores, deste nível de ensino, com os conteúdos científicos. Assim, muitas vezes, os pedagogosse veem obrigados a recorrer ao repertório de conhecimento que possuíam na época em que foram estudantes da educação básica. Outras vezes, utilizam o livro didático de ciências das séries iniciais para a sua aprendizagem.

MONTEIRO LOBATO E A FORMAçãO EM CIÊNCIA DE FUTUROS PEDAGOGOS Sílvia Regina Groto (UFRN)

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Por sua vez, Ovigli e Bertucci (2009), em um estudo sobre aspectos que norteiam a formação em ciência dos futuros pedagogos em cursos de graduação de instituições públicas no estado de São Paulo, apontam que os componentes curriculares voltados ao ensino das Ciências Naturais privilegiam os aspectos metodológicos em detrimento dos conteúdos específicos da área, o que, de certa forma, não contribuiria muito para enfrentar o desafio elencado acima. A dificuldade com os conteúdos científicos, de professoras das séries iniciais em exercício também foi apontada em pesquisa realizada por Augusto e Amaral (2015). Segundo os autores a ausência de conhecimento prévio de conteúdos específicos daárea das Ciências Naturais foi um dos fatores que contribuiu para que não atingissem o resultado almejado no estudo.

O segundomotivo para trazer a literatura de Monteiro Lobato para o ensino das Ciências Naturais nos cursos de Pedagogia está mais relacionado ao ensino das Ciências Naturais. O uso da literatura lobatiana, para além da aprendizagem de conteúdos científicos, oportunizaria, também, aos futuros pedagogos, a vivência em uma estratégia didática que poderia ser reproduzida ao ensinar ciências para crianças.Dessa forma, a discussão de aspectos didáticos e metodológicospoderiam se dar juntamente da abordagem de conteúdos específicos da área.

A seguir descrevemos e discutimos a atividade que realizamos em sala de aula. Antes, porém, julgamos necessário discorrer, brevemente, sobre o nosso autor, Monteiro Lobato. Por que Lobato vem sendo estudado pelos pesquisadores da área do ensino de ciências?

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