• Nenhum resultado encontrado

Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira (UNESP – ASSIS) Fabricia Jeanini Cirino Pinto (UNESP – ASSIS)

INTRODUÇÃO

A leitura é imprescindível para que a criança construa seu conhecimento de mundo, desenvolva sua imaginação e criatividade. A formação da criança efetiva-se por meio de uma experiência significativa com a leitura, em que a mesma seja apresentada de maneira prazerosa e lúdica através de livros que possam despertar o prazer no sujeito que lê, constituindo um diálogo constante com o texto. Para Antonio Candido, Monteiro Lobato produziu uma obra complexa e muitas vezes polêmica:

[...] Como acontece em relação aos grandes escritores, cada leitor vê nele exatamente a qualidade que mais lhe agrada. Iconoclasta violento, para os modernos é o precursor do modernismo. Para os mais velhos, é um escritor seivoso e correto, tradicionalista e antimoderno. Todos têm razão. O sr. Monteiro Lobato é uma espécie de ponto de união, de elo entre dois períodos, sendo preciso encará-lo sob o tríplice aspecto de contista, autor para crianças e homem de negócios. [...] Do ponto de vista da ação, portanto, foi de fato um antirotineiro[sic], quase um revolucionário. Como o é na literatura infantil, campo em que realizou uma obra, cheia de graves defeitos na sua última fase, é certo, mas desbravadora e útil, levando à criança brasileira desde a poesia forte desta a obra prima que é o “Saci” até a vulgarização nem sempre feliz dos livros mais recentes. (Folha

da Manhã – 10/12/1944 – p.7, apud LOPES, 2006, p.128)

Contudo, como se pode observar, Candido afirma que Lobato define-se como todo grande escritor. De fato, sua produção é pioneira e se instala em uma tradição literária. Vale destacar que, em quatro de julho de 2018, a morte de José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948), um dos mais importantes escritores de literatura no Brasil, em especial, infantil, completou 70 anos. Desse modo, a partir de primeiro de janeiro deste ano – 2019 –, sua obra pertence ao domínio público e ao imaginário coletivo. Essa pertença aparecenas quatro edições da pesquisa Retratos da Leitura, do Instituto Pró-Livro que mapeou, desde 2001, os livros mencionados pelos leitores brasileiros. Em sua quarta edição, a pesquisa (FAILLA, 2016) detectou que Lobato foi novamente o escritor mais lembrado entre os entrevistados.

Em termos de mercado, a vitalidade da obra lobatiana pode ser atestada pelos 4,2 milhões de exemplares vendidos pela Globo Livros entre 2008 e 2017 (PORTAL INTELECTUAL, 2018). Apesar dessas elevadas vendas, neste texto, apresentam-se os resultados obtidos em uma pesquisa de campo com crianças do Ensino Fundamental I, por meio da qual se pôde notar que as obras do escritor não pertencem ao seu imaginário.

A produção de Monteiro Lobato, já nas décadas iniciais do século XX, rompe com o padrão europeu de produção literária destinada à infância, em queas necessidades das crianças são deixadas

A FORMAçãO DO LEITOR MIRIM EM QUESTãO

Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira (UNESP – ASSIS) / Fabricia Jeanini Cirino Pinto (UNESP – ASSIS)

171

Lajolo e Regina Zilberman (1985), a projeção de uma utopia e a expressão simbólica de vivências interiores do leitor não são necessariamente contraditórias, visto que a visão do adulto pode-se completar com a adoção da perspectiva da criança.

Lobato, contrário àquilo que lhe era apresentado, afirma que:

A criança é um ser onde a imaginação predomina em absoluto. O meio de interessá-la é falar-lhe à imaginação. Vive num mundinho irreal e dele só sai, para, aos poucos, ir penetrando no das duras e cruas realidades, quando com o natural desenvolvimento do cérebro, a intensidade da imaginativa vai-se apagando. (LOBATO, 1959, p.250-251)

Dessa forma, é evidenciada a importância de apresentar às crianças uma leitura imaginativa, capaz de oferecer-lhes uma infinidade de descobertas que, pelo viés crítico, amplie seus horizontes de expectativa. Lobato empenhava-se em sintonizar o leitor com o texto, fazendo com que este adentrasse a história e mergulhasse nos sentimentos e emoções das personagens, sem perder a capacidade crítica. Por meio desse projeto estético, Lobato foi responsável pela construção de uma literatura envolvida com o seu tempo, mas também de temática universal e atemporal. Em sua produção, esse escritor inovou o mercado editorial e criou uma literatura infantil única e necessária.

Para a consecução do objetivo desta pesquisa, foram considerados os registros realizados, tanto por meio de entrevistas orais quanto por questionário, com uma sala de aula de 5º ano do Ensino Fundamental. Para tanto, partiu-se da hipótese de que é imprescindível que sejam construídas oportunidades de práticas leitoras ao longo da vida, sendo estas iniciadas desde cedo. A prática da leitura, quando realizada na escola, tem como objetivo a formação de leitores competentes e a formação de cidadãos críticos. A escola em que se desenvolveu a pesquisa localiza-se na cidade de Maracaí, no estado de São Paulo. O trabalho foi desenvolvido com crianças entre 10 e 11 anos. Para tanto, utilizou-se o Método Recepcional, de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993), calcado nos pressupostos teóricos da Estética da Recepção (JAUSS, 1994; ISER, 1996 e 1999).

Pelas conversas iniciais com as crianças do 5º ano, foi possível observar que as obras de Lobato não pertenciam ao seu imaginário, tão pouco a suas referências culturais. O repertório dos alunos era bastante reduzido, a maioria de suas leituras estava relacionada à cultura de massa. Após apre- sentarmos ilustrações de personagens do Sítio (retiradas de: BLOGCAMP, 2018), poucos foram capazes de identificar os personagens do autor. Alguns dos entrevistados alegaram que souberam dessas personagens através da adaptação realizada pela rede Globo, embora não pudessem dizer os nomes de cada uma. Assim, podemos afirmar a relevância do resgate da produção lobatiana, capaz de promover a reflexão, construindo potencialidades que auxiliam na formação do leitor mirim. Visando a esse resgate, optou-se pelo gênero fábula, pois, pela brevidade, pode ser explorado durante duas aulas, e pelo teor moralizante, pode levar a reflexões e debates.

As fábulas são provenientes do legado literário da Grécia à cultura do ocidente, seus primeiros- registros datam do século VIII a.C. De acordo com Martin West (1984 apud BACELAR, 2010), muitos já ouviramfalar das Fábulas de Esopo, todavia jamais de Homero ou Virgílio, Sófocles ou Platão. Apesar de as fábulas mais conhecidasserem as do grego Esopo (séc. VI a.C.), elas já eram utilizadas porautores anteriores, aparecendo inclusive na poesia grega arcaica, por exemplo, deArquíloco, e em textos de Hesíodo(BACELAR, 2010).

Segundo Nelly Novaes Coelho (1987),as fábulas foram aperfeiçoadas e enriquecidas estilistica- mente pelo escravo romano Fedro(séc. I d.C.). No século XVI,Leonardo da Vinci as redescobriu e as recriou, contudonão tiveram significativa repercussão fora da Itália. No século XVIII, La Fontaine

A FORMAçãO DO LEITOR MIRIM EM QUESTãO

Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira (UNESP – ASSIS) / Fabricia Jeanini Cirino Pinto (UNESP – ASSIS)

reinventou-as, conformeCoelho (1987), a partir do modelo latino e do oriental oferecido pelos textosdo indiano Pilpay.Na literatura ocidental, as fábulas foram definitivamente introduzidas por La Fontaine.

Na contemporaneidade, as fábulas permaneceram com características,como apresentar uma história simbólica, divertir o leitor por meio dela e ter uma moralidade.Conforme Coelho (1987), a fábula se distingue de outro gêneros textuais pela presença deanimais, como personagens, colocados em situação humana eexemplar. De acordo com Neide Smolka (1994), a fábula nasceu provavelmente na Ásia Menor,passando pelas ilhas gregas e chegando ao continente helênico. Existem registros defábulas egípcias e hindus, entretanto sua criação é atribuída à Grécia, pois nesse espaçofoi consi- derada pela teoria literária como um tipo específico de criatividade.

Advindas da tradição oral, as fábulas, enquanto gênero textual filiado aofantástico, também, possuem umaestrutura mínima que se mantém. Seuobjetivo é o de transmitir um ensinamento rela- cionado àmoralidade. Desse modo, as fábulas, representam um juízo de feição moral, religiosa,estética ou filosófica. Entretanto, também seimpõem pelo viés cômico, satírico e irônico.As fábulas, também, podem apresentar em seus enredos deuses, homens e objetos diversos. Pela leitura das fábulas, o leitor depara-se com debates entre seres irracionais ouobjetos, analisando suas atitudes e seus comportamentos. Por meio dessa análise, o leitor pode projetar-se nas personagens e se reconhecer nasatitudes destas ou distanciar-se e avaliar a dimensão de certos comportamentos no meio social emque vive. Desse modo, as fábulas tanto suscitam uma revisão de valores, comopreparam o jovem para o enfrentamento de situações, muitas vezes, injustas.

Para Smolka (1994), embora a moral de uma fábula possa chocar oleitor pelo seu cinismo, que revela claramente a vitória dos mais espertos sobre osingênuos, entre outras situações de desigual- dade, a liçãofundamental desse tipo de texto reside na compreensão e reflexão acerca do modo como algumaspersonagens vencem ou enganam outras. Para a autora, aprendemos com as fábulas areconhecer um sedutor ou um adulador e a nos acautelarmos contracertas atitudes e discursos. A leitura desses textos pode atuar como exercício de reflexão sobre o comportamento humano.Na recepção com os alunos do 5º ano, buscou-se observar se realizavam essas deduções e reflexões.

Documentos relacionados