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“Um livro tem asas longas e leves que, de repente, levam a gente longe, longe. Um livro é parque de diversões, cheio de sonhos coloridos, cheio de doces sortidos, cheio de luzes e balões”. Elias José – Caixa mágica de surpresa

Foi a partir do século XIX, em particular, no Brasil, que a ideia de infância passou a ser inserida realmente no meio social. Com a intervenção científica na escola, em especial da psicologia, e com o desenvolvimento industrial e a urbanização do país, que levou a mulher a fazer parte do mercado de trabalho, e que, com isso deixou de ser a cuidadora, fez com que se promovesse uma nova socialização das crianças de acordo com a idade delas. Uma dessas socializações recebeu o nome de Educação Infantil.

A criação de instituições, creches e pré-escolas, para as crianças de zero a cinco anos, embora fossem vistas como espaço escolar infantil não tinham cunho educacional e, sim, de cuidado. Apresentavam uma visão assistencialista. Prestavam assistência na higiene pessoal, na alimentação, nos valores morais e no amparo, para que as crianças não ficassem sozinhas enquanto os responsáveis estivessem trabalhando.

Com a Constituição Federal de 1988 é que as creches e pré-escolas tiveram sua entrada no campo educacional, o qual certifica sua função educativa, e nesta se agregam as ações de cuidado. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma o direito da criança ao mundo dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, estabelece o mecanismo de participação e controle social na formulação e na implementação de políticas para a infância. Para reforçar, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 29, consolida a Educação Infantil como a primeira etapa da educação básica, tendo como objetivo o desenvolvimento integral da criança, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social.

É com essa maior valorização da Educação Infantil que as teorias passam a ser estudadas de maneira mais aprofundada sobre o desenvolvimento infantil no que tange o seu processo intrínseco, que é comum a todas as crianças de acordo com a idade e o extrínseco, que é diferente para cada uma em razão dos diferentes estímulos ofertados pelo meio em que elas estão presentes.

Dentre as diferentes teorias que foram aplicadas na Educação Infantil está a do suíço Jean Piaget que realizou o estudo sobre o desenvolvimento cognitivo da criança, que permite compreender os mecanismos internos desse sujeito mirim; o que configura em um pensamento maturacionista, no sentido de que ele preza o desenvolvimento das funções biológicas, o desenvolvimento, como base para os avanços na aprendizagem.

A criança, quando nasce, apresenta poucos esquemas, ou seja, poucas estruturas cognitivas, e conforme ela vai crescendo o seu funcionamento biológico vai mudando, da mesma forma que acontece com o intelectual, ao ocorrer a interação entre ela e os objetos no meio social em que vive. Esse desenvolvimento da inteligência ocorre, segundo Piaget, através do processo de assimilação e de acomodação.

O processo de assimilação é o processo cognitivo de colocar (classificar) novos eventos em esquemas já existentes. É o processo pelo qual a criança cognitivamente capta algum elemento do ambiente e o organiza possibilitando, assim, a ampliação de seus esquemas. Como, por exemplo, o de ouvir contos de fadas, a criança ao conhecer as histórias da Cinderela e da Branca de Neve vai

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os acontecimentos que giram em torno da personagem são semelhantes ao das outras histórias de princesas. Como diz Piaget:

A assimilação nunca pode ser pura, visto que, ao incorporar os novos elementos nos esquemas anteriores, a inteligência modifica incessantemente os últimos para ajustá-los aos novos dados (1987, p. 18).

Já o processo de acomodação se refere às modificações dos sistemas de assimilação que é promovido pela influência do mundo externo. A acomodação pode ocorrer de duas formas: a de criar um novo esquema, no qual se possa encaixar o novo estímulo e, a de modificar um já existente, de modo que o estímulo possa ser incluído nele. No caso em pauta, a acomodação da criança que ouviu as histórias de fadas, embora tenha assimilado que todas são princesas, percebeu que cada uma tem as suas características particulares. A criança trabalha com a elaboração de esquemas da generalização, de que todas são princesas e da especificação, de que cada uma tem suas características.

Piaget(1987) em sua pesquisa sobre o desenvolvimento infantil estudou o processo evolutivo, dividindo-o em quatro períodos. Mas são o1º período: Sensório-motor (0 a 2 anos), o2º período: Pré-operatório (2 a 7 anos), que este trabalho em questão vai enfocar, pois na Educação Infantil as crianças têm de zero a cinco anos de idade.

No período sensório-motor a inteligência da criança trabalha através das percepções (simbólico) e das ações (motor) por meio dos deslocamentos do seu próprio corpo. É uma inteligência iminen- temente prática. A partir de reflexos neurológicos básicos é que ela começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio. Logo, é possível sim à professora de Educação Infantil trabalhar com a literatura. Os livros podem ser usados como um objeto passível de experiências sinestésicas e estéticas através de brincadeiras variadas com o manusear dos livros. A professora pode também trabalhar com a habilidade de escuta ao contar histórias mais curtas aos pequenos, pois já está apresentando o valor simbólico do livro. Como afirma Aguiar:

O contato com a literatura é importante para o desenvolvimento da personalidade, no que diz respeito ao crescimento intelectual e afetivo da criança, seja o mais harmônico e equilibrado possível (2001, p.58).

No período pré-operatório, para Piaget, ocorre o aparecimento da função semiótica, ou seja, a emergência da linguagem. Ela é considerada como uma condição necessária, mas não suficiente ao desenvolvimento, pois existe um trabalho de reorganização da ação cognitiva que não é dado pela linguagem, pois ela depende do desenvolvimento da inteligência.

A emergência da linguagem acarreta modificações importantes em aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança, uma vez que ela possibilita as interações interindividuais e fornece, principal- mente, a capacidade de trabalhar com representações para atribuir significados à realidade. Tanto é assim, que a aceleração do alcance do pensamento neste estágio do desenvolvimento, é atribuída, em grande parte, às possibilidades de contatos interindividuais fornecidos pela linguagem.

Então, é nesse período que a literatura infantil se faz ainda mais importante. Com a emergência da linguagem a leitura se torna significativa, pois a criança ao ouvir histórias passa a estabelecer uma melhor socialização e um melhor desenvolvimento cognitivo, uma vez que ela também aciona a sua criatividade. Além disso, a literatura propicia que a criança interprete a história, e coloque a experiência de mundo dela em diálogo com a experiência de mundo revelada pelo texto. Obtendo dessa forma como resultado, o alargamento da sua própria vivência, passando a se conhecer um pouco melhor.Inclusive, porque, a criança pré-escolar está na fase do faz-de-conta, ela soluciona seus conflitos internos por meio de elementos mágicos pertencentes à fantasia. Logo, não é à toa que a criança pede para que se faça a leitura da mesma história várias vezes, e que, principalmente, a conte da mesma forma como contou pela primeira vez. Como menciona Magalhães:

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Pensar a literatura infantil a partir da atividade que a criança desenvolve quando lê um texto conduz ao exame da relação que pode haver entre o ato lúdico característico da infância e a iniciação literária (1984, p. 25).

Portanto, é necessário oferecer oportunidades para que a criança seja participante do jogo lúdico literário. É com o ofertar de leitura de literatura na Educação Infantil que se desenvolve de forma mais significativa a sua linguagem, o seu pensamento e a sua atenção. Afinal é essa interação social que facilita todos esses desenvolvimentos na criança. É o que afirma também o pensador russo LievVigostki (1995) em seus estudos.

Vigotski, assim como Piaget, se debruçou a estudar o desenvolvimento cognitivo da criança. Entretanto, na teoria vigotskiana, o desenvolvimento cognitivo ocorre, principalmente, por meio das relações sociais (culturais), pois a aquisição de conhecimentos se dá pela interação do pequeno com o meio. Ele afirma que é pela aprendizagem com os outros que a criança constrói constantemente o conhecimento, passando, dessa forma, a deixar de ser um ser biológico para ser um ser humano. É por essa razão que Vigostki considera muito importante a história do desenvolvimento cultural da criança.

Para o teórico é o grupo cultural no qual a criança se desenvolve é que vai lhe fornecer o universo de significados que ordena o seu mundo real. Logo, a professora ao trabalhar de forma lúdica com o livro literário, está promovendo o estabelecimento de relações entre o conhecimento prévio individual e os conhecimentos socializados (colegas e professora). Assim, construindo, novos conhecimentos. Como diz Vigotski:

Sabemos que a continuidade do desenvolvimento cultural da criança é a seguinte: primeiro outras pessoas atuam sobre a criança; se produz então a interação da criança com seu entorno e, finalmente, é a própria criança quem atua sobre os demais e tão somente ao final começa a atuar em relação consigo mesma. Assim é como se desenvolve a linguagem, o pensamento e todos os demais processos superiores de conduta (1995, p.232).

Outro aspecto considerado importante porVigotski é o desenvolvimento da linguagem que também ocorre através das relações sociais, da interação da criança com as outras pessoas. Para ele a linguagem é considerada uma ferramenta semiótica essencial na construção do pensamento e das relações sociais, marcando a fusão entre funções comunicativas e representativas. Logo, a leitura de literatura permite que a criança expresse suas ideias, organize seu pensamento e desenvolva sua imaginação criadora. Veja o pensamento do autor sobre tal assunto:

Durante a idade escolar, se estabeleçam as formas primárias da capacidade de sonhar no sentido próprio da palavra, ou seja, a possibilidade e a faculdade de se entregar mais ou menos conscientemente a determinadas elucubrações mentais, independentemente da função relacionada com o pensamento realista. [...]vemos que não só o aparecimento em si da linguagem, mas também os momentos cruciais mais importantes em seu desenvolvimento, são ao mesmo tempo momentos cruciais também no desenvolvimento da imaginação (1998, p. 122-123).

Como se percebe, Vigotski menciona que a escola tem o importante papel de contribuir para o desenvolvimento da linguagem e da imaginação. Isso quer dizer que esse ambiente contribui muito para desenvolvimento cognitivo da criança. Consequentemente a Educação Infantil, principalmente, por ser a primeira etapa da educação básica. Além disso, nesse espaço existe um grupo social cuja interação da criança com o meio ocorre o tempo todo, obtendo, como resultado, a aquisição siste- mática de conhecimento.

Por isso a necessidade de a professora ler uma história literária e conversar com a criança, para que ela possa desenvolver mais o pensamento, aprendendo, de forma lúdica, o significado das

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inclusive, de significados os vazios que o texto apresenta, num legítimo diálogo. Sendo assim, é importante que a professora também seja uma leitora, pois a forma como ela vai trabalhar com as histórias infantis vai depender de como ela se posiciona em relação à literatura e a criança. São esses aspectos a serem analisados nos seis questionários respondidos pelas professoras de Educação Infantil.

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