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Foram propostos diversos modelos e teorias de processamento e reconhecimento de faces. Focaremos o modelo de Bruce e Young (1986), porque tem sido a abordagem teórica de reconhecimento de faces mais influente:

O modelo de Bruce e Young é constituído por oito componentes (ver Fig. 3.14):

1. Codificação estrutural. Produz várias descrições ou representações das faces.

2. Análise da expressão. Os estados emocionais das pessoas são infe- ridos a partir de sua expressão facial.

3. Análise facial da fala. A percepção da fala é auxiliada pela observa- ção dos movimentos labiais da pessoa que fala.

4. Processamento visual dirigido. Informações faciais específicas são processadas seletivamente.

5. Unidades de reconhecimento de faces. Contêm informações es- truturais sobre faces conhecidas; essas informações enfatizam os aspectos menos mutáveis das faces e estão em um nível considera- velmente abstrato.

6. Nódulos de identidade pessoal. Fornecem informações sobre os indivíduos (p. ex., ocupação, interesses).

7. Geração de nomes. O nome de uma pessoa é armazenado separada- mente.

8. Sistema cognitivo. Contém informações adicionais (p. ex., as faces atraentes da maioria dos atores); influencia quais outros componen- tes recebem atenção.

Que previsões resultam desse modelo? Em primeiro lugar, deve ha- ver diferenças importantes no processamento de faces familiares e não familiares. Mais especificamente, vários componentes (unidades de re- conhecimento facial, nódulos de identidade pessoal, geração de nomes) estão envolvidos apenas no processamento de faces familiares. Em con- sequência disso, é muito mais fácil reconhecer faces familiares do que CONTEÚDO ON-LINE em inglês Exercício interativo: Bruce e Young ou Análise da expressão Descrições centradas na visão Descrições independentes da expressão Codificação estrutural Análise facial da fala Processamento visual dirigido Unidades de reconhecimento de faces Nódulos de identidade das pessoas Geração de nomes Sistema cognitivo Figura 3.14

O modelo de reconhecimento de faces apresentado por Bruce e Young (1986).

CAPÍTULO 3 Reconhecimento de objetos e faces 109

não familiares. Esse é especialmente o caso quando, por exemplo, uma face é vista por um ângulo incomum ou em condições incomuns de iluminação.

Em segundo lugar, consideremos o processamento da identidade facial (quem é a pessoa?) e da expressão facial (o que ela está sentindo?). Rotas de processamento sepa- radas estão envolvidas no componente essencial para processamento da expressão facial, que é a análise da expressão. A ideia principal é que uma rota de processamento (percep- ção da identidade facial) está envolvida com aspectos relativamente imutáveis das faces, enquanto a outra rota (expressão facial) lida com aspectos que apresentam mais mudanças.

Em terceiro, quando olhamos para uma face familiar, as informações de familiari- dade da unidade de reconhecimento facial devem ser acessadas em primeiro lugar. Isso é seguido pelas informações sobre essa pessoa (p. ex., ocupação) a partir do nódulo de identidade pessoal e, a seguir, seu nome, a partir do componente de geração de nomes. Como resultado disso, é possível achar uma face familiar sem ser capaz de lembrar mais nada sobre a pessoa, ou lembrar-se de informações pessoais sem ser capaz de lembrar- -se de seu nome. Entretanto, uma face nunca deve levar à lembrança do nome de uma pessoa na ausência de outras informações.

Se você teve dificuldades com as complexidades do modelo de Bruce e Young (1986), a ajuda está disponível. Duchaine e Nakayama (2006) produziram uma versão simplificada que inclui um estágio adicional de detecção facial (ver Fig. 3.15). Nesse estágio inicial, os observadores decidem se o estímulo é uma face. A importância des- se estágio pode ser percebida pela referência a um prosopagnósico chamado Edward, que tinha reconhecimento facial extremamente prejudicado. Apesar de seus problemas com estágios posteriores do reconhecimento facial, ele detectava faces tão rapidamente quanto indivíduos sadios (Duchaine & Nakayama, 2006).

Detecção facial Codificação estrutural Memória facial Emoção, gênero, etc. Figura 3.15

Versão simplificada do modelo de Bruce e Young (1986) de reconhecimento facial. A detecção facial é seguida do processamento da estrutura facial, que é, então, combinada com uma re- presentação na memória (memória facial). A representação perceptual da face também pode ser usada para o reconhecimento da expressão facial e a discriminação de gênero.

110 PARTE I Percepção visual e atenção

NO MUNDO REAL: RECONHECIMENTO DE FACES NÃO FAMILIARES

Dê uma olhada nas 40 faces exibidas na Figura 3.16. Quantos indivíduos diferentes você acha que são apresentados? Tenha a própria resposta antes de continuar a leitura.

Figura 3.16

Quarenta fotografias a serem separadas em pilhas para cada um dos indivíduos representados.

Fonte: Jenkins e colaboradores (2011). Reproduzida com permissão de Elsevier.

Em um estudo realizado por Jenkins e colaboradores (2011; discutido a seguir), usando um agrupamento de estímulos similares, os participantes acharam, em média, que foram apresentados 7,5 indivíduos diferentes. O número real do agrupamento usado por Jenkins e colaboradores, e também para o que é apresentado na Figura 3.16, é, na realidade apenas dois.

Os dois indivíduos (A e B) estão ordenados conforme mostrado no agrupamento: A B A A A B A B A B

A A A A A B B B A B B B B A A A B B A A B A B A A B B B B B

No estudo realizado por Jenkins e colaboradores (2011), mencionado anteriormente, foram apresentadas aos par- ticipantes britânicos 40 fotografias de faces. Eles classificaram as fotografias em uma pilha separada para cada pessoa apresentada nas fotografias. Essas consistiam em 20 fotografias de duas celebridades holandesas praticamente desco- nhecidas dos britânicos. Em média, os participantes consideraram que o número de indivíduos diferentes representados era quase quatro vezes maior que o número real.

CAPÍTULO 3 Reconhecimento de objetos e faces 111

Achados

Segundo o modelo, existem várias razões para que seja mais fácil reconhecer faces familiares do que não familiares. No entanto, é especialmente importante que tenha- mos muito mais informações estruturais sobre faces familiares. Essas informações (associadas às unidades de reconhecimento facial) relacionam-se a aspectos relativa- mente imutáveis das faces e se acumulam aos poucos, com familiaridade crescente, para determinada face. Como se pode ver, as diferenças entre o reconhecimento facial familiar e o não familiar talvez sejam ainda maiores do que foi presumido por Bruce e Young (1986).

O que pode ser feito para melhorar a identificação de faces não familiares? Podemos usar a média das imagens entre as várias fotografias do mesmo indivíduo (Jenkins & Burton, 2011). Isso reduz o impacto daqueles aspectos da imagem que variam entre as fotografias de um indivíduo. Conforme previsto, Jenkins e Burton constataram que a identificação fundamentada na média das imagens se tornava cada vez mais precisa conforme aumentava o número de fotografias que contribuíam para essas imagens.

A segunda previsão é que diferentes rotas estão envolvidas no processamento da identidade e da expressão facial. Haxby e colaboradores (2000) concordaram. Eles de- fenderam que o processamento de aspectos mutáveis das faces (em especial, expressões) ocorre preponderantemente no sulco temporal superior. Existe algum apoio para essa previsão. Fox e colaboradores (2001) encontraram que pacientes com lesão na rede de reconhecimento facial tinham a percepção da identidade prejudicada, mas não a percep- ção da expressão. Entretanto, um paciente com lesão no sulco temporal superior tinha prejuízo na percepção da expressão, mas percepção da identidade relativamente intacta.

No entanto, as duas rotas são inteiramente independentes. Os julgamentos da ex- pressão facial são fortemente influenciados por informações irrelevantes sobre a iden- tidade, o que indica que, em certa medida, existe uma interdependência das duas rotas (Schweinberger & Soukup, 1998). Contudo, julgamentos da identidade facial não foram influenciados pela emoção expressada. Fitousi e Wenger (2013) constataram que a inde- pendência das duas rotas dependia da tarefa precisa. Havia duas tarefas: (A) responder positivamente se a face tivesse determinada identidade e determinada emoção (p. ex., face alegre pertencendo a Keira Knightley); (B) responder positivamente se a face tives- se determinada identidade ou determinada emoção (p. ex., rosto alegre ou Keira Kni-

Em outro experimento, Jenkins e colaboradores (2011) pediram que participantes holandeses realizassem exatamente a mesma tarefa. Para esses participantes, as faces eram familiares. Os achados foram muito diferentes daqueles do experimento anterior. Quase todos desempenharam a tarefa perfeitamente: classificaram as fotografias em duas pilhas com 20 fotografias de uma celebridade em cada pilha.

Em um terceiro experimento, Jenkins e colaboradores (2011) apresentaram 400 fotografias que consistiam de 20 fotografias, cada uma de 20 indivíduos não familiares. Os participantes avaliavam a atratividade de cada face. Houve mais variabilidade nas avaliações da atratividade dentro do que entre os indivíduos. Em outras palavras, houve grandes diferenças na atratividade avaliada entre duas fotografias de uma mesma pessoa. Como se pôde observar, com frequên- cia celebridades bonitas parecem surpreendentemente pouco atrativas quando fotografadas de forma inesperada na vida diária.

Qual o significado desses achados? Em primeiro lugar, existe variabilidade considerável para a mesma pessoa nas imagens faciais, o que explica por que diferentes fotografias do mesmo indivíduo não familiar parecem de indivíduos diferentes. Em segundo, os achados também significam que as fotografias de passaporte têm valor limitado. Em terceiro, os achados ajudam a explicar as dificuldades que testemunhas têm na identificação de uma pessoa responsável por um crime (ver Cap. 8). Em quarto, somos muito melhores quando reconhecemos que fotografias diferentes de um indivíduo familiar são da mesma pessoa, porque temos muitas informações relevantes sobre esse indivíduo.

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ghtley ou ambos). Houve evidências de processamento independentemente da identida- de e da expressão com a tarefa (A), mas não com a tarefa (B).

A rota da expressão facial é mais complexa do que foi imaginado por Bruce e Young (1986). Uma lesão em determinadas regiões do cérebro pode afetar o reconhe- cimento de algumas emoções mais do que de outras. Por exemplo, uma lesão na amíg- dala produz maior déficit no reconhecimento de medo e raiva do que de outas emoções (Calder & Young, 2005). Padrões similares específicos para as emoções foram obtidos quando pacientes com lesão cerebral tentaram reconhecer as mesmas emoções a partir das vozes (Calder & Young, 2005). Young e Bruce (2011) admitiram que não esperavam que os déficits no reconhecimento de emoções fossem específicos para algumas delas.

A terceira previsão é que nós sempre resgatamos informações pessoais (p. ex., ocupação) sobre uma pessoa antes de lembrarmos seu nome. Young e colaboradores (1985) pediram às pessoas que registrassem os problemas que experimentaram no reco- nhecimento de faces. Houve 1.008 desses incidentes, mas as pessoas nunca relataram ter dado nome a uma face enquanto não sabiam nada mais sobre aquela pessoa. Em contraste, houve 190 ocasiões em que alguém se lembrava de uma quantidade razoável de informações sobre uma pessoa, mas não seu nome, o que também é previsto pelo modelo. Finalmente, também conforme previsto, houve 233 ocasiões em que uma face desencadeava sensação de familiaridade, mas incapacidade de pensar em outra informa- ção relevante a respeito da pessoa.

Apesar desses achados, a noção de que os nomes são sempre lembrados após as in- formações pessoais é provavelmente muito rígida. Calderwood e Burton (2006) pediram a fãs da série de televisão Friends que se lembrassem do nome ou da ocupação dos per- sonagens principais quando eram apresentados seus rostos. Os nomes foram lembrados mais rapidamente do que as ocupações, sugerindo que os nomes podem, às vezes, ser lembrados antes das informações pessoais. Contudo, é possível que outras informações pessoais (p. ex., personagem em Friends) tenham sido lembradas mais rápido do que as informações sobre o nome.

Avaliação

Young e Bruce (2011) apresentaram uma avaliação muito útil do próprio modelo. No lado positivo, o modelo adotava uma perspectiva ampla enfatizando a enorme gama de informações que podem ser extraídas das faces. Além disso, esse modelo estava além de seu tempo na identificação dos principais processos e estruturas envolvidos no proces- samento e no reconhecimento facial. Finalmente, Bruce e Young (1986) fizeram uma excelente tentativa de indicar as principais diferenças no processamento de faces fami- liares e não familiares.

O modelo tinha várias limitações. Primeira, a noção de que a expressão facial é processada separadamente da identidade facial é supersimplificada e, com frequência, incorreta. Segunda, a análise da expressão é muito mais complexa do que era presumi- do no modelo. Terceira, como admitiram Bruce e Young (2011), eles estavam errados em excluir de seu modelo a percepção do olhar. Os sinais dados pelo olhar são muito valiosos para nós em vários aspectos, incluindo o fornecimento de informações úteis de para onde a outra pessoa está direcionando a atenção. Quarta, a suposição de que a informação sobre o nome é sempre acessada depois das informações pessoais sobre as faces pode ser excessivamente rígida.