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O que causa cegueira por desatenção?

Como assinalaram Jensen e colaboradores (2011), a detecção de um objeto inesperado em estudos de cegueira por desatenção de modo geral depende em grande parte da pro- babilidade de que ele atraia a atenção. Dois fatores são de especial importância:

1. A semelhança do objeto inesperado com o estímulo relevante para a tarefa.

2. Os recursos de processamento disponíveis para o observador.

Discutimos anteriormente o surpreendente achado (Simons & Chabris, 1999) de que 50% dos observadores não conseguiram detectar uma mulher vestida de gorila.

Participantes que detectaram a queda Participantes que não detectaram a queda Figura 4.15

Pontos de fixação dos participantes no momento da queda do isqueiro para aqueles que detectaram a queda (triângulo) e aqueles que não detectaram a queda (círculos).

Fonte: Kuhn e Findlay (2010). Reimpressa com permissão de Taylor e Francis.

Muitos estudos (incluindo Kuhn e Findlay, 2010) mostram o papel da ceguei- ra por desatenção causada pelo desvio nos truques de mágica (Kuhn & Martinez, 2012). No entanto, há uma diferença importante entre desvio e cegueira por desa- tenção, conforme geralmente estudado (Kuhn & Tatler, 2011). A maioria dos estudos sobre cegueira por desatenção (p. ex., Simons & Chabris, 1999) requer uma tarefa que provoca distração para reduzir a probabilidade dos observadores detectarem o novo objeto. As pesquisas sobre desvio são mais impressionantes e realistas uma vez que não é necessário um elemento explícito de distração para produzir cegueira por desatenção.

Smith e colaboradores (2012) estudaram a cegueira à mudança usando um tru- que de mágica no qual uma moeda era passada de uma mão para a outra e depois caía sobre a mesa. A tarefa dos participantes era adivinhar se a moeda cairia com a cara ou a coroa voltada para cima (ver on-line em http://dx.doi.org/10.1068/p7092). A moeda foi trocada durante um ensaio crítico de 1 centavo de libra para 2 centavos de libra, 50 centavos de libras para 10 centavos de libras ou 25 centavos de dólar para meio dólar. Todos os participantes fixaram a moeda durante todo o tempo em que ela estava visí- vel, mas 88% ou mais não conseguiram detectar que a moeda havia mudado! Assim, a cegueira à mudança pode ocorrer mesmo que o objeto fundamental seja fixado. De maneira mais específica, é possível prestar atenção a um objeto sem que alguma das características irrelevantes para a tarefa atual seja processada completamente.

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em inglês

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CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 151

A semelhança (ou a dessemelhança) foi um fator, uma vez que o gorila era preto, en- quanto os membros do time cujos passes os observadores contavam estavam vestidos de branco. Simons e Chabris realizaram outro experimento no qual os observadores contavam os passes feitos pelos membros do time vestido de branco ou do time vestido de preto.

O que Simons e Chabris (1999) encontraram? A presença do gorila foi detectada por apenas 42% dos observadores quando o time que recebia atenção era o vestido de branco, replicando, dessa forma, os achados anteriores. No entanto, a presença do gorila foi detectada por 83% dos observadores quando o time que recebia atenção era o vestido de preto. Isso mostra a importância da semelhança entre o estímulo inesperado (gorila) e os estímulos relevantes para a tarefa (os membros do time que recebia atenção).

Os achados de Simons e Chabri (1999) indicam a importância da semelhança nas características dos estímulos (p. ex., cor) entre o estímulo da tarefa e o objeto inespe- rado. Most (2013) argumentou que a semelhança em termos de categoria semântica também era importante. Os participantes acompanharam números (2, 4, 7, 9) ou letras (A, H, L, U). No ensaio decisivo, um estímulo inesperado (a letra E ou o número 3) era visível por 7 s. De importância crucial, a letra e o número eram visualmente idênticos, exceto por serem imagens espelhadas um do outro. O que interessava era a porcentagem de observadores que perceberam o objeto inesperado.

O que Most (2013) encontrou? Houve muito menos cegueira por desatenção quan- do o objeto inesperado pertencia à mesma categoria que os objetos acompanhados (ver Fig. 4.16). Assim, a cegueira por desatenção pode depender dos conjuntos atencionais fundamentados em categorias semânticas (p. ex., letras, números).

Richards e colaboradores (2012) estudaram os efeitos da capacidade da memória de trabalho (relacionada à disponibilidade de recursos de processamento e controle aten- cional; ver Glossário) na cegueira por desatenção. Indivíduos com alta capacidade de memória de trabalho tinham menos probabilidade de exibir cegueira por desatenção do que aqueles com escores baixos.

Os achados de Richards e colaboradores (2012) sugerem que cegueira por desa- tenção ocorre por recursos atencionais insuficientes. No entanto, essa não é a história completa. Eitam e colaboradores (2013) apresentaram aos observadores estímulos muito simples: um círculo colorido rodeado por um anel de cor diferente. O desempenho foi quase perfeito quando os observadores tentaram identificar ambas as cores, indicando que eles tinham recursos de processamento para prestar atenção em ambos os estímu-

P

or

centagem que per

cebeu Objeto inesperado Atenção a letras Atenção a números 71% (N=21) 39% (N=18) 40% (N=20) 60% (N=20) Figura 4.16

Porcentagem de participantes que detectaram um objeto inesperado. Quando foi um E, mais participantes detectaram quando estavam prestando atenção a letras do que quando prestavam atenção a números. Ocorreu o contrário quando o objeto inesperado se parecia com 3.

152 PARTE I Percepção visual e atenção

los. Entretanto, os achados foram muito diferentes quando eles foram instruídos a focar apenas o círculo ou o anel. Nessa condição, houve clara evidência de cegueira por desa- tenção, com 20% dos observadores não conseguindo identificar a cor irrelevante para a tarefa. Assim, a cegueira por desatenção pode depender mais do conjunto atencional do que da disponibilidade de recursos de processamento.

Avaliação

Cegueira à mudança e cegueira por desatenção são fenômenos importantes que ocorrem na vida diária (p. ex., cinema, truques de mágica). A maior parte das pesquisas indica que os processos atencionais são importantes, mas também são necessárias distinções mais finas (p. ex., entre atenção aberta e encoberta). As pesquisas têm identificado de forma crescente as várias formas em que pode ocorrer cegueira à mudança, incluindo uma falha em comparar as representações do objeto pré e pós-mudança. Cegueira por desatenção se deve principalmente a conjuntos atencionais que reduzem o processamen- to de estímulos irrelevantes à tarefa não incluídos no conjunto.

Quais são as limitações da pesquisa nessa área? Em primeiro lugar, tem havido uma falha geral em distinguir entre a detecção da mudança que envolve ver a mudança e a detecção da mudança que envolve somente perceber uma mudança.

Em segundo, são necessários cinco processos para detecção da mudança que en- volve ver ocorrer e, portanto, a falha em algum desses processos deve originar cegueira à mudança. No entanto, apenas alguns estudos (p. ex., Varakin et al., 2007) tentaram distinguir claramente entre esses motivos potenciais para a cegueira à mudança.

RESUMO DO CAPÍTULO

• Introdução. A dimensão do tempo é de importância fundamental na percepção visual. As mudanças na informação visual produzidas conforme nos movimentamos no ambiente e/ou os objetos no ambiente se movimentam promovem a percepção precisa e facilitam ações apropriadas.

• Percepção direta. Gibson defendeu que percepção e ação estão intimamente in- terligadas. Segundo sua teoria direta, o movimento de um observador cria fluxo óp- tico, que proporciona informações úteis sobre o direcionamento. As invariantes, que permanecem as mesmas quando as pessoas se movem no ambiente, são de particu- lar importância. Os usos dos objetos (seus affordances) eram percebidos diretamente. Gibson subestimou a complexidade do processamento visual e o reconhecimento do objeto, e simplificou demais os efeitos do movimento na percepção.

• Ação visualmente guiada. A percepção do direcionamento depende em parte das informações do fluxo óptico. No entanto, há complexidades, porque o fluxo retiniano é determinado pelos movimentos dos olhos e da cabeça, bem como pelo fluxo óptico. Os julgamentos de direcionamento também são influenciados pela disparidade binocular e pelo deslocamento retiniano dos objetos conforme nos aproximamos deles.

O direcionamento preciso dos caminhos curvos (p. ex., dirigir contornando uma curva) algumas vezes envolve a focalização no ponto tangencial (p. ex., o ponto na margem interna da estrada no qual sua direção parece se inverter). Entretanto, ele com frequência envolve a fixação em um ponto ao longo do caminho futuro.

O cálculo do tempo para o contato com um objeto algumas vezes parece de- pender de tau (o tamanho da imagem retiniana dividido pelo índice de expansão do objeto). Contudo, ele apenas provê informações quando os objetos se movem em velocidade constante. Os observadores frequentemente fazem uso de fontes adicio- nais de informação (p. ex., disparidade binocular, tamanho familiar, tamanho relativo) quando estimam o tempo para o contato.

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 153

• Modelo de planejamento e controle. O modelo de planejamento e controle dis- tingue entre um sistema de planejamento lento usado principalmente antes do início do movimento e um sistema de controle rápido, usado durante a execução de um mo- vimento. Segundo o modelo, o planejamento está associado ao lobo parietal inferior, enquanto o controle depende do lobo parietal superior. A definição de “planejamento” é muito ampla, e a noção de que o planejamento sempre precede o controle é de- masiadamente simplificada. Há várias exceções à expectativa teórica de que ações fundamentadas no controle serão mais precisas do que as fundamentadas no plane- jamento.

• Percepção do movimento humano. O movimento humano é percebido mesmo quando somente está disponível uma informação visual deficiente. A percepção do mo- vimento humano e biológico envolve processos bottom-up e top-down, com este último mais provavelmente sendo usado com input visual prejudicado. A percepção do movi- mento humano é especial, porque podemos produzir, bem como perceber, as ações humanas e porque dedicamos tempo considerável a atribuir um sentido a elas. Con- sidera-se com frequência que nossa habilidade de imitar e compreender o movimento humano depende de um sistema de neurônios-espelho, incluindo áreas cerebrais como as regiões frontais inferiores, o córtex pré-motor dorsal e ventral e o lobo parietal infe- rior e superior. O sistema de neurônios-espelho é importante. Entretanto, foram feitas alegações exageradas em relação a seu papel na percepção do movimento humano. • Cegueira à mudança. Há evidências convincentes dos fenômenos de cegueira por

desatenção e cegueira à mudança. A atenção (encoberta e aberta) é o fator determi- nante mais importante, ocorrendo cegueira por desatenção ou cegueira à mudança. Provavelmente, a cegueira por desatenção seja encontrada em especial quando o objeto inesperado é dessemelhante aos estímulos da tarefa. São necessários cinco diferentes processos para detecção de mudança, e a falha de qualquer um desses processos pode causar cegueira à mudança. Há uma distinção importante entre ver um objeto mudado e perceber que ocorreu alguma mudança. A ênfase do sistema visual na percepção estável contínua provavelmente desempenha um papel para que nos tornemos suscetíveis à cegueira à mudança.

LEITURA ADICIONAL

Bruce, V. & Tadmor, Y. (2015, in press). Direct perception: Beyond Gibson’s (1950) direct perception. In M.W. Eysenck & D. Groome (eds), Cognitive psychology: Revisiting the classic studies. London: SAGE. A abordagem de Gibson sobre a percepção e a ação é avaliada em detalhes por Vicki Bruce e Yoav Tadmor. Cook, R., Bird, G., Catmur, C., Press, C. & Heyes, C. (2014). Mirror neurons: From

origin to function. Behavioral and Brain Sciences, 37: 177–241. Richard Cook e colaboradores discutem a provável função (ou funções) do sistema de neurônios- -espelho.

Glover, S., Wall, M.B. & Smith, A.T. (2012). Distinct cortical networks support the plan- ning and online control of reaching-to-grasp in humans. European Journal of Neu- roscience, 35: 909–15. Scott Glover e colaboradores apresentam uma atualização de seu modelo de planejamento e controle.

Jensen, M.S., Yao, R., Street, W.N. & Simons, D.J. (2011). Change blindness and inat- tentional blindness. Wiley Interdisciplinary Reviews: Cognitive Science, 2: 529– 46. As semelhanças e diferenças entre cegueira à mudança e cegueira por desaten- ção são discutidas de forma completa neste artigo.

154 PARTE I Percepção visual e atenção

Lee, D.N. (2009). General tau theory: Evolution to date. Perception, 38: 837–50. David Lee expõe sua abordagem teórica para a percepção do movimento, desenvolvida a partir da teoria de Gibson.

Rensink, R.A. (2013). Perception and attention. In D. Reisberg (ed.), The Oxford hand- book of cognitive psychology. Oxford: Oxford University Press. A relação entre percepção e atenção (incluindo cegueira à mudança e cegueira por desatenção) é discutida em sua extensão por Ronald Rensink.

Shiffrar, M. & Thomas, J.P. (2013). Beyond the scientific objectification of the human body: Differentiated analyses of human motion and object motion. In M. Ruther- ford and V. Kuhlmeier (eds), Social perception: Detection and interpretation of animacy, agency, and intention. Cambridge, MA: MIT Press/Bradford Books. Este capítulo oferece uma visão sobre o que é conhecido a respeito da percepção do movimento biológico.