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Até mais recentemente, a maioria dos teóricos (p. ex., Biederman, 1987) que estudam o reconhecimento de objetos enfatizava os processos bottom-up. Apoio evidente para essa ênfase pode ser encontrado na natureza hierárquica do processamento visual – durante o curso do processamento visual, neurônios localizados na parte mais alta da hierarquia respondem a estímulos progressivamente mais complexos. Como assinalaram Yardley e colaboradores (2012, p. 4):

Tradicionalmente, tem-se considerado que o reconhecimento visual de objetos é mediado por uma corrente bottom-up hierárquica que processa uma imagem ana- lisando de modo sistemático seus elementos individuais e retransmitindo essa informação para as áreas seguintes até que a forma global e a identidade sejam determinadas.

A explicação tradicional focaliza uma hierarquia de alimentação direta dos está- gios de processamento, a qual progride desde o córtex visual inicial até o córtex tem- poral inferior. Entretanto, evidências anatômicas sugerem que essa é uma supersimpli- ficação considerável. Há um número aproximadamente igual de neurônios de projeção para frente e para trás na maior parte do sistema visual (Wyatte et al., 2012; Gilbert & Li, 2013). Em essência, os neurônios de projeção para trás estão associados ao proces- samento top-down.

Existe uma questão importante relativa a quando os processos top-down têm seus efeitos. Os processos top-down podem ocorrer somente depois do reconhecimento do objeto e podem estar relacionados ao processamento semântico de objetos já reconheci- dos. De outra forma (e de maior interesse teórico), os processos top-down (talvez envol- vendo o córtex pré-frontal) podem ocorrer antes do reconhecimento do objeto e serem

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necessários para que ocorra o reconhecimento. Antes de discutirmos achados de pesqui- sa relevantes, observe que os processos top-down apresentam maior probabilidade de ter impacto relevante no reconhecimento de objetos quando os processos bottom-up são relativamente pouco informativos (p. ex., estímulos degradados, estímulos apresentados rapidamente).

Achados

Evidências do envolvimento de processos top-down na percepção visual foram obtidos por meio de pesquisa com figuras ambíguas, tendo pelo menos duas interpretações dife- rentes. Goolkasian e Woodberry (2010) apresentaram aos participantes figuras ambíguas imediatamente precedidas por primes relevantes para uma interpretação (ver Fig. 3.9). O achado principal foi que os primes influenciaram sistematicamente a interpretação das figuras ambíguas por meio de processos top-down.

Bar e colaboradores (2006) apresentaram brevemente aos participantes desenhos de objetos que foram, então, disfarçados para dificultar seu reconhecimento. Ocorreu ativação no córtex orbitofrontal (parte do córtex pré-frontal) 50 ms antes da ativação em regiões do córtex temporal relacionadas ao reconhecimento. Essa ativação orbitofrontal

Menino Cena de inverno Penas de pavão Liar/Rosto Primes Óculos Homens de negócios Machado indígena Primes Esquimó/Índio

Esquimó Índio Liar Rosto

Palavras

Palavras

Palavras

Mesa

Mesa

Palavras em uma página

Dia

Dia

Dia

Mesa

Mesa

Cachorro

Cachorro

Cachorro

Figura 3.9

Figuras ambíguas (p. ex., esquimó/índio, liar/rosto) foram precedidas de primes (p. ex., cena de inverno, macha- do indígena) relevantes para uma interpretação da figura seguinte.

100 PARTE I Percepção visual e atenção

previa o sucesso no reconhecimento do objeto e, portanto, parecia importante para que ocorresse seu reconhecimen- to. Houve menos envolvimento do cór- tex orbitofrontal no reconhecimento de objetos quando o reconhecimento foi fácil (apresentação mais longa e não disfarçada).

Bar e colaboradores (2006) con- cluíram que os processos top-down no córtex orbitofrontal são mais im- portantes quando o reconhecimento é difícil do que quando é fácil. Eles apresentaram um modelo no qual o reconhecimento de objetos depende de processos top-down envolvendo o cór- tex orbitofrontal e de processos bot- tom-up envolvendo a corrente visual ventral (ver Fig. 3.10).

Evidências mais fortes de que processos top-down no córtex pré- -frontal desempenham um papel direto no reconhecimento de objetos foram relatadas por Viggiano e colaboradores (2008). Os participantes observavam fotografias desfocadas e não desfocadas de objetos vivos ou não vivos sob quatro condições: (1) estimulação magnética transcraniana re- petitiva (rTMS; ver Glossário) aplicada ao córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo; (2) rTMS aplicada ao córtex pré-frontal dorsolateral direito; (3) rTMS fictícia (não havia campo magnético); e (4) base de referência (sem rTMS).

O que Viggiano e colaboradores (2008) encontraram? Em primeiro lugar, a rTMS aplicada ao córtex dorsolateral esquerdo ou direito retardou o tempo de reconhecimen- to do objeto. Em segundo lugar, a rTMS não teve efeito no tempo de reconhecimento do objeto com fotografias não desfocadas. Esses achados sugerem que os processos top-down estão diretamente envolvidos no reconhecimento de objetos quando as infor- mações sensoriais disponíveis para os processos bottom-up são limitadas.

Suponha que apresentemos fotografias de objetos (p. ex., caixa de correio, trator) a um dos olhos ao mesmo tempo em que apresentamos padrões de ruído com alto contras- te ao outro olho para suprimir a consciência visual do objeto. Suponha também que cada fotografia foi precedida por uma pista verbal válida (i.e., indicando que o objeto estava para ser apresentado), uma pista verbal inválida (i.e., indicando um objeto incorreto a ser apresentado) ou nenhuma pista. Não ficaríamos muito impressionados se os observa- dores se saíssem melhor ao julgarem o objeto que havia sido apresentado quando foram usadas pistas válidas – as pistas válidas podem simplesmente ter influenciado mais seus julgamentos a respeito da experiência visual do que a percepção em si.

Uma abordagem alternativa poderia, em princípio, fornecer evidências mais sur- preendentes de que os processos top-down influenciam processos perceptuais básicos. Em essência, um estímulo suprimido é apresentado em alguns ensaios, mas não há es- tímulo em outros. Os observadores decidem se um estímulo foi apresentado ou não. A principal previsão é de que pistas válidas devem levar a um desempenho superior na detecção do estímulo, ao contrário de pistas inválidas.

Lupyan e Ward (2013) realizaram um estudo com base nas ideias discutidas ante- riormente. Foi dito aos observadores que o estímulo suprimido seria um círculo ou um quadrado ou que não haveria pista. O que foi apresentado era um círculo, um quadrado,

Imagem BFE Objetos possíveis

COF

Corrente visual ventral

t2

t1 t3

Input

Baixas frequências espaciais (BFEs)

Visual inicial Fusiforme

Figura 3.10

Nesta versão modificada da teoria de Bar e colaboradores (2006), presume- -se que o reconhecimento de objetos envolve duas rotas diferentes: (1) uma rota descendente, na qual a informação prossegue rapidamente até o córtex orbitofrontal (COF), que, por sua vez, é envolvido na geração de previsões so- bre a identidade do objeto; (2) uma rota ascendente usando a corrente visual ventral mais lenta.

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uma forma intermediária entre um círculo e um quadrado ou nenhum estímulo. O de- sempenho dos observadores foi significativamente melhor quando foram usadas pistas válidas (em vez de inválidas) (ver Fig. 3.11). Dessa forma, os processos top-down de- sencadeados pelos rótulos verbais ativaram informações sobre a forma e influenciaram a detecção visual básica.

Avaliação

Os processos top-down frequentemente influenciam a percepção visual e o reconheci- mento de objetos, e não apenas julgamentos pós-perceptuais. Como assinalaram Yardley e colaboradores (2012, p. 1), “durante nossas tentativas de interpretar o mundo à nossa volta, a percepção se baseia no conhecimento existente tanto quanto na informação que está sendo recebida”. Observe, no entanto, que a influência dos processos top-down é geralmente maior quando os estímulos visuais estão degradados.

No que diz respeito ao futuro, é de importância central que se compreenda melhor como interagem os processos bottom-up e top-down. Essas interações provavelmente ocorrem em vários níveis dentro do sistema visual. No entanto, os fatores que determi- nam se e onde elas ocorrem são, em grande parte, desconhecidos.