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Principais redes de atenção

Vários teóricos (p. ex., Posner, 1980; Corbetta & Shulman, 2002) argumentaram que existem duas redes de atenção principais. Uma rede de atenção é endógena ou direciona- da para o objetivo, enquanto a outra é direcionada para o estímulo, ou exógena.

Posner (1980) estudou a atenção encoberta, na qual a atenção se volta a uma localização espacial sem movimento ocular. Em sua pesquisa, os participantes respon- diam rapidamente a uma luz. A luz era precedida por uma pista central (uma flecha apontando para a esquerda ou para a direita) ou uma pista periférica (a breve iluminação do contorno de uma caixa). A maioria das pistas era válida (indicando onde a luz-alvo iria aparecer), mas algumas eram inválidas (dando informações incorretas sobre a loca- lização da luz).

As respostas à luz eram mais rápidas para as pistas válidas, intermediárias para as pistas neutras (uma cruz central) e mais lentas para pistas inválidas. Esses achados foram comparáveis para as pistas centrais e periféricas. Quando as pistas eram válidas em ape- nas uma pequena fração dos ensaios, elas eram ignoradas quando eram pistas centrais, mas influenciavam o desempenho quando eram pistas periféricas.

Esses achados levaram Posner (1980) a distinguir entre dois sistemas:

1. Um sistema endógeno: controlado pelas intenções do indivíduo e usado quando são apresentadas pistas centrais.

2. Um sistema exógeno: desloca automaticamente a atenção e está envolvido quando são apresentadas pistas periféricas não informativas. Os estímulos que são eviden- tes ou diferentes dos outros (p. ex., na cor) têm maior probabilidade de receber atenção ao ser usado esse sistema.

Corbetta e Shulman (2002) identificaram dois sistemas de atenção. Primeiro, há o sistema de atenção direcionado para o objetivo ou top-down semelhante ao sistema TERMO-CHAVE

Atenção encoberta

Atenção a um objeto sem movimento ocular em sua direção.

CAPÍTULO 5 Atenção e desempenho 169

endógeno de Posner. Ele consiste em uma rede frontoparietal que inclui o sulco in- traparietal e é a rede de atenção dorsal. Esse sistema é influenciado por expectativas, conhecimento e objetivos atuais. É usado se os observadores recebem uma pista predi- zendo a localização ou outra característica de um estímulo visual que está prestes a ser apresentado.

Em segundo, Corbetta e Shulman (2002) também identificaram um sistema de atenção direcionado para o estímulo ou bottom-up semelhante ao sistema exógeno de Posner. Com frequência, ele é descrito como a rede de atenção ventral. Esse sistema é usado quando se apresenta um estímulo inesperado e potencialmente importante (p. ex., chamas aparecendo por debaixo da porta). Esse sistema (constituído por uma rede frontoparietal ventral no hemisfério direito) tem uma função de “curto-circuito”, significando que a atenção visual é redirecionada de seu foco atual.

Que estímulos desencadeiam esse curto-circuito? Poderíamos imaginar que es- tímulos marcantes ou distintivos mais provavelmente atrairiam a atenção. Contudo, Corbetta e colaboradores (2008) argumentaram que distratores muito parecidos com os estímulos da tarefa são mais prováveis de atrair a atenção do que estímulos marcantes da rede de atenção ventral.

Os dois sistemas ou redes de atenção frequentemente se influenciam e interagem entre si. Como veremos, o sulco intraparietal está envolvido nessas interações. Corbet- ta e colaboradores (2008) explicaram algumas das interações envolvidas. Em primeiro lugar, sinais do sistema top-down suprimem informações do distrator no sistema dire- cionado para o estímulo de modo que o processamento direcionado para o objetivo pode prosseguir sem impedimento. Em segundo, quando o sistema direcionado para o estímu- lo detecta estímulos irrelevantes para o objetivo atual, ele envia sinais para perturbar o processamento que está ocorrendo dentro do sistema direcionado para o objetivo.

A existência de dois sistemas de atenção faz muito sentido. O sistema direcionado para o objetivo (rede de atenção dorsal) nos permite focalizar a atenção em estímulos diretamente relevantes para nossos objetivos atuais. No entanto, se tivéssemos apenas esse sistema, nossos processos atencionais seriam perigosamente inflexíveis. Também é importante ter um sistema atencional direcionado para o estímulo (rede de atenção ventral), levando-nos a deslocar a atenção de estímulos relevantes para o objetivo na presença de um estímulo ameaçador inesperado (p. ex., um animal feroz).

Achados

Corbetta e Shulman (2002) forneceram evidências para seu modelo de duas redes reali- zando metanálises de estudos de imagem cerebral. Em essência, eles argumentaram que as áreas cerebrais ativadas com mais frequência quando os participantes esperam um estímulo que ainda não foi apresentado formam a rede de atenção dorsal. Entretanto, as áreas cerebrais mais frequentemente ativadas quando os indivíduos detectam alvos de baixa frequência formam a rede de atenção ventral.

Pesquisas posteriores esclareceram quais áreas cerebrais estão associadas a cada rede (Corbetta & Shulman, 2011; ver Fig. 5.6). As áreas principais dentro da rede di- recionada para o objetivo ou atenção dorsal são as seguintes: lóbulo parietal superior (LPS), sulco intraparietal (SIP), junção frontal inferior (JFI), campo ocular frontal (COF), área temporal média (MT) e V3A. As áreas principais dentro da rede direcionada para o estímulo ou atenção ventral são: junção frontal inferior (JFI), giro frontal inferior (GFI), giro supramarginal (GSM), giro temporal superior (GTS) e ínsula (Ins) (ver Fig. 5.6). Existem muitas evidências de que a junção temporal-parietal também está envolvi- da nos processos atencionais bottom-up (p. ex., Shomstein et al., 2010).

Hahn e colaboradores (2006) testaram a teoria de Corbetta e Shulman (2002) com- parando padrões de ativação cerebral quando eram necessários processos top-down e bottom-up.

CONTEÚDO ON-LINE

em inglês

Atividade de pesquisa:

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170 PARTE I Percepção visual e atenção

Conforme previsto pela teoria, praticamente não houve sobreposição entre as áreas cerebrais associadas ao processamento top-down e bottom-up. Além disso, as áreas ce- rebrais envolvidas em cada tipo de processamento correspondiam razoavelmente bem àquelas identificadas por Corbetta e Shulman.

Talsma e colaboradores (2010) confirmaram pesquisas prévias mostrando que di- ferentes áreas cerebrais estão associadas ao processamento top-down e bottom-up. En- tretanto, encontraram que os processos top-down e bottom-up fazem uso de uma rede comum de áreas parietais.

Estudos de neuroimagem não conseguem estabelecer se determinada área do cé- rebro está necessariamente envolvida em processos de atenção direcionados para o estí- mulo ou direcionados para o objetivo. Evidências relevantes para esta questão podem ser obtidas por meio do uso de estimulação magnética transcraniana (TMS; ver Glossário) para criar uma “lesão” temporária. Chica e colaboradores (2011) fizeram isso. TMS aplicada à junção temporal-parietal direita prejudicou o funcionamento do sistema aten- cional direcionado para o estímulo, mas não o top-down. TMS aplicada ao sulco intrapa- rietal direito prejudicou o funcionamento de ambos os sistemas de atenção.

Evidências de pacientes com lesão cerebral (discutidas em maiores detalhes poste- riormente) também são relevantes para o estabelecimento de quais áreas cerebrais estão necessariamente envolvidas nos processos atencionais direcionados para o objetivo ou direcionados para o estímulo. Shomstein e colaboradores (2010) fizeram pacientes com lesão cerebral completarem duas tarefas. Uma tarefa requeria processos atencionais di- recionados para o estímulo enquanto a outra requeria processos top-down. Em geral, os pacientes que apresentaram maiores problemas com o processamento top-down do que com o processamento atencional direcionado para o estímulo tinham lesão cerebral no lóbulo parietal superior (parte da rede de atenção dorsal). Em contrapartida, pacientes que apresentaram mais problemas com o processamento atencional direcionado para o estímulo tinham, em geral, lesão cerebral na junção temporal-parietal (frequentemente considerada como integrante da rede de atenção ventral).

Chica e colaboradores (2013) revisaram pesquisas sobre os dois sistemas de aten- ção e identificaram 15 diferenças entre eles. Por exemplo, a atenção direcionada para o estímulo é mais rápida do que a atenção top-down e está mais baseada no objeto. Além disso, é mais resistente à interferência de outras pistas periféricas depois de ativada. A existência de tantas diferenças fortalece o argumento de que os dois sistemas atencio- nais são separados.

Indovina e Macaluso (2007) testaram a suposição de Corbetta e colaboradores (2008) de que o sistema atencional top-down é mais afetado por distratores relevantes para a tarefa do que salientes. Os participantes relataram a orientação de uma letra T

GSM GTS GFI Ins AG SIP/LPS COF JFI TM V3A JFI –3 5 5 – 3

Escore- z de conectividade funcional

Rede de atenção dorsal Rede de atenção ventral

Figura 5.6

Áreas cerebrais associadas à rede de atenção dorsal ou direcionada para o objetivo e à rede ventral ou direcionada para o estímulo. Os nomes completos das áreas envolvidas estão indicados no texto.

CAPÍTULO 5 Atenção e desempenho 171

colorida na presença de uma letra T de cor diferente (distrator relevante para a tarefa) ou um tabuleiro de damas piscante (distrator saliente). Como previsto, o sistema bottom-up foi mais ativado por distratores relevantes para a tarefa do que por salientes.

Wen e colaboradores (2012) defenderam que é importante estudar as interações entre os dois sistemas de atenção visual. Eles avaliaram a atividade cerebral enquan- to os participantes respondiam a estímulos-alvo no campo visual atendido, enquanto ignoravam todos os estímulos no campo visual não atendido. Houve dois achados principais. Primeiro, influências causais mais fortes do sistema top-down no sistema direcionado para o estímulo levaram a um desempenho superior na tarefa. Esse acha- do sugere que o aparecimento de um objeto na localização em que se prestou atenção fez o sistema de atenção top-down suprimir a atividade dentro do sistema direcionado para o estímulo.

Segundo, influências causais mais fortes do sistema direcionado para o estímulo no sistema top-down estavam associadas ao desempenho prejudicado na tarefa. Esse achado sugere que a ativação dentro do sistema direcionado para o estímulo produzido por estímulos que não se encontravam no foco atencional levou a uma quebra no conjun- to atencional mantido pelo sistema top-down.

Avaliação

A abordagem teórica proposta por Corbetta e Shulman (2002) contabiliza vários suces- sos. Em primeiro lugar, parece haver sistemas de atenção direcionada para o estímulo e top-down relativamente separados. Em segundo, cada sistema de atenção envolve a própria rede cerebral. Em terceiro, pesquisas usando TMS demonstraram que impor- tantes áreas cerebrais dentro do sistema da atenção desempenham um papel causal nos processos atencionais. Em quarto, foram identificadas algumas formas nas quais as duas redes interagem. Em quinto, conforme veremos na próxima seção, pesquisas envolvendo pacientes com lesão cerebral forneceram um bom apoio para as redes de atenção dorsal e ventral.

Quais são as limitações dessa abordagem teórica? Em primeiro lugar, revelou-se difícil identificar as áreas cerebrais precisas associadas a cada sistema atencional. Há várias razões possíveis para isso. Entretanto, uma razão provável é que as áreas cere- brais envolvidas dependem das exigências detalhadas de uma tarefa atual (Talsma et al., 2010). Em segundo, o modelo é supersimplificado. Processos atencionais estão envolvi- dos no desempenho de inúmeras tarefas, e é improvável que todos possam ser claramen- te atribuídos a um ou outro dos sistemas atencionais do modelo. Em terceiro, existem mais pontos comuns (em especial dentro do lobo parietal) nas áreas cerebrais associadas às duas redes de atenção do que presumido teoricamente por Corbetta e Shulman (2002). Em quarto, ainda há muito a ser descoberto sobre como interagem os dois sistemas de atenção visual.