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Gauthier e Tarr (2002) defenderam que muitos achados que apontam diferenças impor- tantes entre o processamento facial e o de objetos não devem ser levados ao pé da letra (perdão!). Eles salientaram que temos muito mais expertise no reconhecimento de faces do que de integrantes individuais de outras categorias. Isso os levou a propor a hipóte- se da expertise. Segundo essa hipótese, o cérebro e os mecanismos de processamento supostamente específicos para faces também estão envolvidos no processamento e no reconhecimento dos integrantes de uma categoria de objeto para a qual temos expertise. Assim, a área facial fusiforme pode mais apropriadamente ser chamada de “área de ex- pertise fusiforme”.

Por que a expertise é tão importante na determinação de como processamos faces e objetos? Uma resposta viável é a de que ela leva a maior processamento holístico. Por exemplo, especialistas em jogo de xadrez podem muito rapidamente entender de forma coerente (se engajam no processamento holístico) quando visualizam uma posição de xadrez porque conseguem usar seu conhecimento relevante armazenado (ver Cap. 12). Quatro predições principais provêm da hipótese da expertise:

1. O processamento holístico ou de configuração não é único para faces, mas deve ser encontrado para quaisquer objetos de expertise.

2. A área facial fusiforme deve ser altamente ativada quando os observadores reco- nhecem os integrantes de uma categoria para a qual têm expertise.

CAPÍTULO 3 Reconhecimento de objetos e faces 107 3. Crianças pequenas devem demonstrar menos evidências de processamento holísti-

co de faces do que crianças maiores e adultos.

4. Se o processamento de faces e objetos de expertise envolve processos similares, então os objetos de expertise devem interferir no processamento de faces.

Achados

A primeira hipótese é plausível. Wallis (2013) tomou um modelo de reconhecimento de objetos e considerou que os efeitos na percepção iriam prever uma exposição pro- longada a determinada categoria de estímulo. Em essência, o modelo previa que mui- tos fenômenos associados ao processamento de faces (p. ex., processamento holístico, efeito de inversão) seriam encontrados com qualquer categoria de estímulo para a qual o indivíduo tinha expertise. A apresentação simultânea repetida das mesmas caracte- rísticas (p. ex., nariz, boca, olhos) aumenta gradualmente o processamento holístico. Wallis concluiu que um único modelo de reconhecimento de objetos pode explicar tanto o reconhecimento de objetos quanto o de faces.

Kundel e colaboradores (2007) apresentaram a médicos mamografias que mos- travam (ou não mostravam) câncer de mama. Os médicos mais experientes normal- mente fixaram de forma quase imediata no câncer, o que sugeria que eles estavam usando processos holísticos muito rápidos. Entretanto, McKone e colaboradores (2007) revisaram estudos sobre a influência da expertise para objetos não-face nos efeitos de inversão e compostos discutidos anteriormente. Lembremos que se acredita que esses dois efeitos envolvem processamento holístico e de configuração. A experti- se em geral não levava a nenhum dos dois efeitos. Contudo, outros estudos, incluindo os realizados por Rossion e Curran (2010) e Diamond Carey (1986), reportaram evi- dências de que a expertise relacionada a objetos que não eram faces está associada ao processamento holístico.

McKone e colaboradores (2007) revisaram evidências relacionadas à segunda hi- pótese. Houve uma tendência modesta para que a área facial fusiforme fosse mais ativa- da pelos objetos de expertise do que por outros objetos. No entanto, foram encontrados mais efeitos de ativação de objetos de expertise fora da área facial fusiforme do que dentro dela.

Foi reportado apoio mais forte para a segunda hipótese por Bilalié e colaboradores (2010). Especialistas em xadrez e novatos realizaram várias tarefas envolvendo peças desse jogo. O principal achado foi que os especialistas tiveram maior ativação do que os novatos na área facial fusiforme em todas as condições. No entanto, as faces provoca- vam maior ativação na área facial fusiforme do que displays de xadrez para cada um dos grupos (especialistas ou novatos). McGugin e colaboradores (2012) identificaram que a ativação para estímulos de carros dentro da área facial fusiforme era maior em partici- pantes com maior expertise em carros.

Se a área facial fusiforme está ligada à expertise, poderíamos esperar que seu ta- manho aumentasse durante a infância e o início da idade adulta. Essa expectativa foi confirmada: o tamanho da área facial fusiforme aumenta substancialmente durante o desenvolvimento (Wallis, 2013).

Evidências relativas à terceira hipótese foram discutidas por Crookes e McKo- ne (2009). A maioria das pesquisas sugere que crianças pequenas apresentam alguma evidência de processamento holístico de faces, mas também que esse processamento aumenta durante o curso do desenvolvimento. No entanto, Crookes e McKone assina- laram que é difícil interpretar a maioria dos achados, porque houve uma falha geral em adequar a dificuldade da tarefa entre as faixas etárias. Quando eles adotaram as medidas necessárias para superar esse problema, os níveis adultos de processamento holístico foram apresentados por crianças de 7 anos ou menos.

108 PARTE I Percepção visual e atenção

Evidências que apoiam a quarta hipótese foram reportadas por McKeff e colabora- dores (2010). Especialistas em carros e novatos procuraram alvos de faces entre as dis- trações. Os distratores consistiam em carros e faces ou relógios e faces. Os especialistas em carros foram mais lentos que os novatos quando procuravam faces entre os carros, mas os dois grupos não diferiram quando procuravam faces entre os relógios. A exper- tise em carros e a expertise em faces provavelmente interferiam uma na outra porque usam os mesmos processos (ou similares).

Avaliação

Existe apoio para a hipótese da expertise no que diz respeito a todas as quatro hipóteses. No entanto, até onde cada uma delas tem suporte permanece controverso. Uma das razões principais para isso é que é quase impossível avaliar o nível de expertise com exatidão ou controlá-lo. Muitos teóricos adotaram posições extremas, argumentando que todas as dife- renças de processamento entre faces e outros objetos decorrem de diferenças de expertise ou que, então, nenhuma. É inteiramente possível que muitas (mas não todas) as diferenças de processamento entre faces e outros objetos decorram de maior expertise com faces. Isso implicaria que faces são especiais, mas menos do que é frequentemente assumido.