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Se percepção e imaginação envolvem os mesmos mecanismos, poderíamos esperar que uma lesão cerebral tivesse efeitos similares na percepção e na imaginação. Com fre- Figura 3.18

Slezak (1991, 1995) pediu que os participantes memorizassem uma destas imagens. Eles então se imaginavam rotando a imagem em um ângulo de 90° no sentido horário e relatavam o que viam. Nenhum deles relatou ver as figuras que podem ser vistas claramente se você girar a página em um ângulo de 90° no sentido horário.

Fonte: Imagem da esquerda extraída de Slezak (1995), imagem do centro extraída de Slezak (1991), imagem da direita reproduzida de Pylyshyn (2003), com permissão de Elsevier e do autor.

CAPÍTULO 3 Reconhecimento de objetos e faces 117

quência isso se confirma, mas há muitas exceções (Bartolomeo, 2002, 2008). Por exem- plo, Moro e colaboradores (2008) estudaram dois pacientes com lesão cerebral com percepção visual intacta, mas imagética visual deficiente. Ambos tinham dificuldades para desenhar objetos de memória, mas conseguiam copiar os mesmos objetos quando era apresentado um desenho.

Esses pacientes (e outros com imagética visual deficiente, mas percepção visual intacta) apresentavam lesão no lobo temporal esquerdo. As imagens visuais são prova- velmente geradas a partir de informações sobre conceitos (incluindo objetos) armazena- dos nos lobos temporais (Patterson et al., 2007). Contudo, o processo de geração não é necessário (ou menos importante) para a percepção visual.

Outros pacientes tinham imagética visual intacta, mas percepção visual deficiente. Esses pacientes geralmente possuem lesão grave no córtex visual primário, como no caso de SBR, discutido anteriormente (Bridge et al., 2012). Outro paciente sofria de síndrome de Anton (negação da cegueira), o que também foi discutido anteriormente (Goldenberg et al., 1995). Zago e colaboradores (2010) relataram achados similares em outro paciente com síndrome de Anton que tinha lesão total no córtex visual primário.

Como podemos interpretar os achados de pacientes com lesão cerebral? Em essên- cia, a percepção visual envolve sobretudo processos bottom-up desencadeados pelo estí- mulo, enquanto a imagética visual envolve primariamente processos top-down com base no conhecimento do objeto. Dessa forma, não é de causar surpresa que áreas do cérebro envolvidas no processamento visual inicial sejam mais importantes para a percepção do que para a imaginação. Também não é surpreendente que as áreas cerebrais associadas ao armazenamento da informação sobre objetos visuais sejam mais importantes para a imaginação.

Avaliação

Foram feitos muitos progressos na compreensão da relação entre imagética visual e per- cepção visual. Existe um forte apoio empírico à noção de que processos similares estão en- volvidos na imaginação e na percepção. Por exemplo, imaginação e percepção estão ambas associadas a padrões de atividade cerebral bastante parecidos. Além disso, foram relatados efeitos facilitadores e intervenientes previstos entre tarefas de imaginação e de percepção. Esses achados são mais compatíveis com a teoria de Kosslyn do que com a de Pylyshyn.

Desempenho da classificação (%) Desempenho da classificação (%)

Retinotópico 60 20 10 0 40 20 0 V1 ES LO pFs V1 ES LO pFs Seletivo para objetos Retinotópico Seletivo para objetos Acaso Figura 3.19

Até onde objetos percebidos (lado esquerdo da figura) ou imaginados (lado direito da figura) podem ser classificados com precisão a partir da atividade cerebral no cór- tex visual inicial e no córtex seletivo para objetos. ES: córtex retinotópico extraextriado; LO: córtex occipital lateral; pFs: sulco fusiforme posterior.

118 PARTE I Percepção visual e atenção

Enfocando o lado negativo, percepção visual e imagética visual são menos seme- lhantes do que presumia Kosslyn. Por exemplo, existem as evidências de neuroimagem reportadas por S. H. Lee e colaboradores (2012) e as frequentes dissociações entre per- cepção e imaginação encontradas em pacientes com lesão cerebral. O que é preciso no futuro é uma teoria que explique as diferenças e as similaridades entre imaginação e percepção. Já sabemos que existe um envolvimento diferencial dos processos bottom-up e top-down na percepção e na imaginação.

RESUMO DO CAPÍTULO

• Reconhecimento de padrões. O reconhecimento de padrões envolve o processa- mento de características específicas e globais. O processamento das características geralmente precede o processamento global, mas há exceções. Foram identificados di- versos tipos de células (p. ex., células simples, células complexas, células com inibição terminal) envolvidas no processamento de características. Outras células reativas a di- ferentes frequências espaciais também são importantes no reconhecimento de padrões e de objetos. Supõe-se com frequência que a identificação da impressão digital é, em geral, muito precisa. Na verdade, existem evidências substanciais do viés de confirma- ção forense, o qual envolve informações contextuais que distorcem a identificação da impressão digital por meio de processos top-down. Especialistas em impressão digital têm maior habilidade do que os novatos para discriminar entre as combinações e não combinações, e também adotam um viés de resposta mais conservador.

• Organização perceptual. Os gestaltistas apresentaram vários princípios do agru- pamento perceptual e enfatizaram a importância da disciriminação entre figura e fun- do. Eles defenderam que o agrupamento perceptual e a discriminação entre figura e fundo dependem de fatores inatos. Também defenderam que percebemos a organi- zação mais simples possível do campo visual, uma noção importante que eles não conseguiram desenvolver completamente. Os gestaltistas ofereceram descrições, em vez de explicações. Sua abordagem era inflexível, e eles subestimavam as interações complexas de fatores subjacentes à organização perceptual. Esses pesquisadores ne- gligenciaram o papel da experiência e da aprendizagem na organização perceptual, mas esse descuido foi retificado posteriormente (p. ex., a abordagem bayesiana). • Abordagens do reconhecimento de objetos. O processamento visual geralmente

envolve uma sequência de processamento grosseiro-para-fino. Essa sequência ocorre em parte porque frequências espaciais baixas no input visual (associado ao processa- mento grosseiro) são transmitidas para áreas visuais mais elevadas com mais rapidez do que as frequências espaciais altas (associadas ao processamento fino).

Biederman presumia em sua teoria do reconhecimento pelos componentes que os objetos consistem de formas básicas conhecidas como geons. Os geons de um objeto são determinados pelos processos de extração das bordas que focam as pro- priedades invariantes das bordas, e a descrição resultante baseada nos geons é inva- riante em relação ao ponto de vista. A teoria de Biederman se aplica primariamente a discriminações categóricas fáceis, enquanto o reconhecimento de objetos é em geral centrado no observador quando a identificação é necessária. Essa teoria também é muito inflexível.

O reconhecimento de objetos é com frequência invariante em relação ao ponto de vista quando é necessária categorização. Entretanto, ele está geralmente centrado no observador quando é necessária identificação complexa (discriminação dentro da categoria). O córtex temporal inferior é de importância crucial no reconhecimento visual de objetos. Alguns neurônios TI parecem dependentes do ponto de vista, en- quanto outros são invariantes em relação ao ponto de vista.

Pesquisas com figuras ambíguas indicam que o reconhecimento de objetos fre- quentemente depende de processos top-down. Processos top-down com frequência

CAPÍTULO 3 Reconhecimento de objetos e faces 119

são necessários para que ocorra o reconhecimento de objetos, especialmente quando o reconhecimento é difícil.

• Reconhecimento de faces. O reconhecimento de faces envolve um processamen- to mais holístico do que o reconhecimento de objetos. O processamento holístico deficiente explica em parte por que pacientes prosopagnósicos têm problemas muito maiores com o reconhecimento de faces do que com o reconhecimento de objetos. As áreas cerebrais envolvidas no reconhecimento de faces (p. ex., área facial fusifor- me) podem diferir das que estão envolvidas no reconhecimento de objetos. Isso tal- vez ocorra em parte porque elas apresentam expertise especial com faces – existem algumas evidências de que mecanismos cerebrais e de processamento envolvidos no reconhecimento de faces também são usados no reconhecimento de objetos para os quais temos expertise.

O modelo de Bruce e Young pressupõe que existem diferenças importantes no processamento de faces familiares e não familiares, e que o processamento da iden- tidade facial é separado do processamento da expressão facial. A suposição anterior recebe um grande apoio, mas não esta última. Os super-reconhecedores apresentam uma habilidade impressionante no reconhecimento de faces, a qual se deve, em par- te, a fatores genéticos específicos das faces.

• Imagética visual. A imagética visual é útil porque nos permite prever as consequên- cias visuais da realização de certas ações. De acordo com a teoria da antecipação perceptual de Kosslyn, a imaginação visual se parece muito com a percepção visual. Entretanto, Pylyshyn, em sua teoria proposicional, defendeu que a imagética visual envolve fazer uso do conhecimento tácito e não se parece com a percepção visual.

Imagética visual e percepção visual influenciam uma à outra em aspectos previ- síveis segundo a teoria de Kosslyn. Estudos de neuroimagem e estudos de pacientes com lesão cerebral indicam que áreas similares estão envolvidas na imaginação e na percepção. Contudo, as áreas envolvidas no processamento top-down (p. ex., lobo temporal esquerdo) são mais importantes na imaginação do que na percepção, e as áreas envolvidas no processamento bottom-up (p. ex., o córtex visual inicial) são mais importantes na percepção. Assim, existem semelhanças e diferenças relevantes entre imaginação e percepção.

LEITURA ADICIONAL

Bruce, V. & Young, A. (2012). Face perception. Hove: Psychology Press. Vicki Bruce e Andy Young oferecem uma descrição completa e confiável sobre os conhecimen- tos atuais da percepção de faces.

Dror, I.E., Champod, C., Langenburg, G., Charlton, D., Hunt, H. & Rosenthal, R. (2011). Cognitive issues in fingerprint analysis: Inter- and intra-expert consistency and the effect of a “target” comparison. Forensic Science International, 208: 10–17. Al- guns dos principais problemas que surgem na análise de impressões digitais são expostos por Itiel Dror (grande especialista nessa área) e colaboradores.

Ganis, G. & Schendan, H.E. (2011). Visual imagery. Wiley Interdisciplinary Reviews – Cognitive Science, 2: 239–52. Neste artigo, os autores oferecem uma descrição compreensível dos conhecimentos e entendimentos atuais da imagética visual. Hayward, W.G. (2012). Whatever happened to object-centred representations? Percep-

tion, 41: 1153–62. William Hayward discute importantes problemas teóricos re- lacionados a como observadores identificam objetos apresentados de diferentes pontos de vista.

120 PARTE I Percepção visual e atenção

Hummel, J.E. (2013). Object recognition. In D. Reisberg (ed.), The Oxford handbook of cognitive psychology. Oxford: Oxford University Press. Este capítulo de John Hummel oferece uma visão compreensível da teoria e da pesquisa sobre o reco- nhecimento de objetos.

Reisberg, D. (2013). Mental images. In D. Reisberg (ed.), The Oxford handbook of cog- nitive psychology. Oxford: Oxford University Press. As principais questões envol- vendo a imagética visual são discutidas por completo por Daniel Reisberg. Wade, N.J. & Swanston, M.T. (2013). Visual perception: An introduction (3rd edn).

Hove: Psychology Press. Este livro oferece uma boa perspectiva da imagética vi- sual, incluindo o reconhecimento de objetos.

Wagemans, J., Feldman, J., Gepshtein, S., Kimchi, R., Poemerantz, J.R. & van der Helm, P.A. (2012). A century of Gestalt psychology in visual perception: II. Conceptual and theoretical foundations. Psychological Bulletin, 138: 1218–52. A abordagem teórica dos gestaltistas é comparada com teorias mais contemporâneas de agrupa- mento perceptivo e discriminação entre figura e fundo.

Wallis, G. (2013). Toward a unified model of face and object recognition in the human visual system. Frontiers in Psychology, 4 (Article 497). Guy Wallis argumenta persuasivamente que a influente noção de que o reconhecimento de faces e objetos envolve diferentes processos pode estar errada.

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Percepção, movimento