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Córtex temporal inferior

O córtex temporal inferior (especialmente sua porção anterior) é de importância cru- cial no reconhecimento visual de objetos (Peissig & Tarr, 2007). Evidências de que ele é especialmente importante no reconhecimento de objetos foram fornecidas por Leo- pold e Logthetis (1999) e Blake e Logothetis (2002). Macacos do gênero macaca foram

CAPÍTULO 3 Reconhecimento de objetos e faces 97

apresentados a um estímulo visual diferente para cada olho e indicaram qual estímulo percebiam. Isso é conhecido como rivalidade binocular (ver Glossário). O achado prin- cipal foi que a correlação entre a atividade neural e a percepção do macaco foi maior em estágios posteriores do processamento visual. A ativação de somente 20% dos neurônios em V1 (córtex visual primário) estava associada à percepção. Todavia, era de 90% em áreas visuais superiores como o córtex temporal inferior e o sulco temporal superior.

Esses achados revelam uma associação entre ativação neuronal no córtex temporal inferior e percepção, mas isso fica aquém da demonstração de uma relação causal. Essa lacuna foi preenchida por Afraz e colaboradores (2006). Eles treinaram dois macacos do gênero macaca para decidirem se estímulos visuais degradados eram faces ou não faces. Em alguns ensaios, foi aplicada microestimulação em neurônios seletivos para faces den- tro do córtex temporal inferior. Isso aumentou muito o número de decisões sobre faces to- madas pelos macacos. Portanto, esse estudo mostra uma relação causal entre a atividade de neurônios seletivos para faces no córtex temporal inferior e na percepção de faces.

Suponha que avaliamos a atividade neuronal no córtex temporal inferior enquanto são apresentados aos observadores diversos objetos em vários ângulos, tamanhos, etc. Há duas dimensões principais das respostas neuronais em tal situação: seletividade e invariância ou tolerância (Ison & Quiroga, 2008). Neurônios que respondem fortemente a um objeto visual, mas de modo fraco (ou não respondem) a outros objetos têm alta seletividade. Neurônios que respondem quase tão fortemente a um objeto, independen- temente de sua orientação, tamanho, etc., têm alta invariância ou tolerância.

Em termos gerais, neurônios temporais inferiores (TI) que têm alta invariância ou tolerância parecem consistentes com as teorias que alegam que o reconhecimento de objetos é invariante em relação ao ponto de vista. De forma similar, neurônios TI que têm baixa invariância parecem se adequar a teorias que alegam que o reconhecimento de objetos é dependente do ponto de vista. Entretanto, devemos ser cuidadosos. Conforme assinalado por Hayward (2012, p. 1158), “neurônios invariantes em relação ao ponto de vista podem refletir uma estrutura da estrutura verdadeiramente centrada no objeto, mas também podem apenas ter conexões excitatórias com muitos neurônios diferentes específicos para o ponto de vista (funcionando, assim, como parte de uma rede baseada no ponto de vista)”.

Os neurônios no córtex temporal têm alta ou baixa invariância? Logothetis e co- laboradores (1995) realizaram um estudo clássico no qual macacos foram apresentados repetidamente a objetos não familiares. A reatividade de muitos neurônios TI era de- pendente do ponto de vista, ou seja, era maior quando um objeto foi apresentado em um ponto de vista familiar do que quando foi apresentado em um ponto de vista não familiar.

Booth e Rolls (1998) identificaram que alguns neurônios TI apresentam alta in- variância, e outros, baixa invariância. Os macacos inicialmente passaram algum tempo brincando com objetos novos em suas gaiolas. Depois disso, Booth e Rolls apresentaram fotografias tiradas de diferentes pontos de vista desses objetos, registrando, ao mesmo tempo, a atividade neuronal no sulco temporal superior. Eles encontraram que 49% dos neurônios responderam preponderantemente a visões específicas, e apenas 14% produ- ziram respostas invariantes em relação ao ponto de vista. Contudo, os neurônios inva- riantes em relação ao ponto de vista podem ser mais importantes para a percepção de objetos do que seus números limitados poderiam sugerir. Booth e Rolls mostraram que havia informações potencialmente suficientes nos padrões de ativação desses neurônios para discriminar com precisão entre os objetos apresentados.

Qual é a relação entre seletividade e invariância ou tolerância nos neurônios TI? A primeira tentativa sistemática de dar uma resposta foi de Zoccolan e colaboradores (2007). Houve uma correlação negativa moderada entre seletividade e tolerância em relação ao objeto. Dessa forma, alguns neurônios respondem a muitos objetos em vá- rios tamanhos e orientações diferentes, enquanto outros respondem principalmente a um

98 PARTE I Percepção visual e atenção

objeto isolado em uma variação limitada de pontos de vista. Por que seletividade e inva- riância estão negativamente relacionadas? Talvez nossa capacidade de executar tarefas visuais, que variam desde a identificação muito precisa até a categorização muito ampla de objetos, seja facilitada pelo fato de termos neurônios com padrões muito diferentes de reatividade a estímulos em mudança.

Alguns neurônios exibem o que parece ser uma seletividade impressionante. Em um estudo sobre humanos, Quiroga e colaboradores (2005) encontraram um neurônio no lobo temporal medial que respondia fortemente a fotos de Jennifer Aniston (a atriz de Friends), mas quase não respondia a fotos de outros rostos famosos ou outros objetos. Surpreendentemente, esse neurônio não respondeu a Jennifer Aniston com Brad Pitt! Outros neurônios responderam especificamente a uma pessoa famosa diferente (p. ex., Julia Roberts) ou a um prédio famoso (p. ex., a Sidney Opera House).

Uma interpretação possível desses achados é que o conhecimento de uma pessoa (p. ex., Jennifer Aniston, sua avó) é armazenado em um único neurônio. Isso é incrivel- mente improvável. Quiroga e colaboradores (2005) estudaram um número extremamen- te pequeno entre aproximadamente 1 milhão de neurônios ativados por determinado estímulo visual. É absolutamente improvável que apenas um único neurônio no lobo temporal medial responda a Jennifer Aniston. Se fosse esse o caso, então uma lesão nesse neurônio eliminaria todo nosso conhecimento sobre essa atriz. É muito mais pro- vável que nosso conhecimento de, digamos, Jennifer Aniston, esteja armazenado em “relativamente poucos neurônios, totalizando milhares ou talvez até menos” (Quiroga et al,. 2013, p. 34).

A maioria dos estudos discutidos nesta seção usou macacos. Isso foi feito porque as técnicas invasivas envolvidas só podem ser usadas em espécies não humanas. Presu- me-se de modo geral (mas talvez incorretamente) que os processos visuais básicos são similares nos humanos e nos macacos.