• Nenhum resultado encontrado

Direcionamento e direção

Quando queremos atingir um alvo (p. ex., um portão no fim de um campo), usamos informações visuais para nos movermos diretamente na direção dele. Gibson (1950) enfatizou a importância do fluxo óptico (discutido anteriormente). Quando alguém está se movendo para frente em linha reta, o ponto em direção ao qual está se movendo (o ponto de expansão) parece imóvel. Entretanto, a área em torno desse ponto parece estar se expandindo.

126 PARTE I Percepção visual e atenção

Gibson (1950) propôs uma hipótese de fluxo radial global, segundo a qual o pa- drão de fluxo geral ou global especifica o direcionamento de um observador. Se não esti- vermos nos movendo diretamente para nosso objetivo, podemos usar o foco da expansão e o fluxo óptico (ponto de expansão) para colocar nosso direcionamento em alinhamento com nosso objetivo.

O que discutimos até aqui funciona bem, em princípio, quando aplicado a um indivíduo que está se movendo direto do ponto A para o ponto B. No entanto, como você pode imaginar, os problemas se tornam mais complexos quando não podemos nos dirigir diretamente para nosso objetivo (p. ex., fazendo uma curva na estrada, evitando obstáculos). Há também outras complexidades, porque os observadores com frequência fazem movimentos com a cabeça e com os olhos, o que altera o fluxo óptico. O campo

do fluxo retiniano (mudanças no padrão da luz na retina) é determinado por dois fatores:

1. O fluxo linear que contém um foco de expansão.

2. O fluxo rotativo (rotação na imagem na retina) produzido por seguir um caminho curvo e pelos movimentos dos olhos e da cabeça.

Em consequência dessas complexidades, muitas vezes é difícil usar as informa- ções do fluxo retininano para determinar nosso direcionamento. De particular impor- tância é a cópia da eferência, que é “um sinal cerebral interno que informa ao sistema visual comandos para movimentar o olho” (Bridgeman, 2007, p. 924). A informação nesse sinal é usada para compensar os efeitos dos movimentos oculares na imagem reti- niana (Chagnaud et al., 2012).

Achados: direcionamento

Gibson enfatizou o papel do fluxo óptico para permitir que as pessoas se movam direta- mente até seu objetivo. Muitas evidências indicam que a área temporal superior medial responde fortemente ao fluxo óptico (p. ex., Smith et al., 2006). Evidências mais fortes de que essa área está causalmente envolvida no direcionamento foram apresentadas por Britten e van Wezel (1988). Eles produziram vieses na percepção do direcionamento em macacos por meio da estimulação de partes da área temporal superior medial.

Conforme indicado anteriormente, os movimentos do olho e/ou da cabeça difi- cultam o uso do fluxo óptico de forma eficiente para o direcionamento. Bremmer e colaboradores (2010) consideraram essa questão em macacos do gênero macaca, aos quais foram apresentados campos de fluxo visual distorcido simulando os efeitos com- binados do próprio movimento e do movimento dos olhos. Seu achado principal foi que inúmeras células na área temporal superior medial são compensadas com sucesso para essa distorção.

De acordo com Gibson, um caminhante tenta fazer o foco de expansão coincidir com a marcha do corpo à frente em linha reta. Suponhamos que um caminhante usasse prismas produzindo um erro de 9° em sua direção visual percebida enquanto caminhava em direção a um alvo. O que aconteceria? O movimento retiniano indicaria que o foco de expansão estava desalinhado em comparação com a expectativa do caminhante e, portanto, haveria um processo de correção. Herlihey e Rushton (2012) obtiveram apoio experimental para essa previsão. Também como previsto, os caminhantes negaram que o acesso a informações sobre o movimento retiniano falhou em apresentar uma correção.

Frequentemente, usamos fatores para além das informações do fluxo óptico quan- do fazemos julgamentos de direcionamento. Isso não causa surpresa, dada a riqueza típi- ca das informações ambientais disponíveis. Van den Berg e Brenner (1994) assinalaram que precisamos de um olho apenas para usar a informação do fluxo óptico. Entretanto, eles constataram que os julgamentos de direcionamento eram mais precisos quando os observadores usavam ambos os olhos. A disparidade binocular (ver Glossário) na con- dição com os dois olhos fornecia informações adicionais úteis sobre as profundidades relativas dos objetos exibidos.

TERMOS-CHAVE Campo do fluxo retiniano

Padrões de mudança da luz na retina produzidos pelo movimento do observador em relação ao ambiente, bem como pelo movimento dos olhos e da cabeça.

Cópia da eferência

Cópia interna de um comando motor (p. ex., para os olhos); pode ser usada para comparar o movimento real com o movimento desejado. CONTEÚDO ON-LINE em inglês Weblink: Demonstrações do fluxo óptico

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 127

Gibson assumia que padrões de fluxo óptico gerados pelo movimento são de im- portância fundamental quando nos direcionamos para um objetivo. No entanto, Hahn e colaboradores (2003) identificaram que o movimento não é essencial para a percepção precisa do direcionamento. Foram apresentadas aos observadores duas fotografias de uma cena do mundo real em uma sucessão muito rápida. Os julgamentos do direcio- namento foram consideravelmente precisos na ausência de movimento aparente (e, por conseguinte, de informações do fluxo óptico).

Que informações no estudo de Hahn e colaboradores (2003) os observadores usa- ram para estimar o direcionamento? Snyder e Bischof (2010) defenderam que o desloca- mento retiniano dos objetos é importante – os objetos mais próximos ao direcionamento mostram menos deslocamento retiniano conforme nos aproximamos do alvo. Snyder e Bischof obtiveram apoio para sua posição e descobriram que os objetos mais próximos do observador eram mais úteis do que os mais afastados.

Apesar dos achados mencionados, Snyder e Bischof (2010) constataram que a informação do deslocamento tinha um valor limitado, porque frequentemente não per- mitia julgamentos precisos do direcionamento. Quando o direcionamento era complexo (p. ex., depois de um caminho com curva), a informação baseada no deslocamento era de pouca ou nenhuma utilidade.

O que podemos concluir a partir desses achados? Snyder e Bischof (2010) argu- mentaram que as informações sobre a direção são fornecidas por dois sistemas. Um dos sistemas usa as informações sobre o movimento de forma rápida e quase automatica- mente (conforme proposto por Gibson). O outro sistema utiliza as informações sobre o deslocamento de forma mais lenta e com mais uso dos recursos de processamento.

Como podemos testar essa explicação teórica? Suponhamos que os participantes realizassem uma segunda tarefa ao mesmo tempo em que fizessem julgamentos sobre o direcionamento. Essa tarefa adicional deve ter pouco ou nenhum efeito nos julgamentos quando informações sobre o movimento estiverem disponíveis e, portanto, o primeiro sistema poderá ser usado. Royden e Hildreth (1999) obtiveram achados que apoiam essa previsão. Em contrapartida, uma tarefa adicional deve prejudicar os julgamentos sobre o direcionamento quando apenas informações sobre o deslocamento estiverem disponí- veis. Hahn e colaboradores (2003) constataram que esse era o caso.

Direcionamento: caminho futuro

Wilkie e Wann (2006) defenderam que os julgamentos sobre direcionamento (a direção na qual alguém está se movendo) são de pouca relevância se o indivíduo estiver se mo- vendo por um caminho curvo. Segundo eles, os julgamentos sobre o caminho (identifi- cando pontos futuros ao longo do caminho) são mais importantes. Com caminhos cur- vos, os julgamentos sobre o caminho eram muito mais precisos do que os julgamentos sobre o direcionamento (média dos erros de 5º e 13º, respectivamente).

Segundo essa análise, podemos esperar que as pessoas (p. ex., motoristas) fixem algum ponto ao longo de seu caminho futuro quando ele for curvo. Essa é a estratégia do caminho futuro (ver Fig. 4.3). Uma estratégia alternativa para os motoristas foi proposta por Land e Lee (1994). Eles alegaram (com evidências apoiadoras) que os motoristas se aproximam de um foco curvo no ponto tangencial – o ponto na margem interna da estrada no qual sua direção parece se inverter (ver Fig. 4.3).

Quais são as vantagens potenciais do uso do ponto tangencial? Em primeiro lugar, ele é fácil de identificar e acompanhar. Em segundo, a curvatura da estrada pode ser prontamente resolvida com o julgamento do ângulo entre o direcionamento e o ponto tangencial.

Kandil e colaboradores (2009) estudaram motoristas contornando curvas na inter- secção de uma estrada. Quando os motoristas podiam usar alguma estratégia, eles olha- vam muito mais para o ponto tangencial do que para o caminho futuro (75 vs. 14%, res- pectivamente). Depois disso, os motoristas eram instruídos a usar somente a estratégia do

TERMO-CHAVE Ponto tangencial

Segundo a perspectiva de um motorista, o ponto em uma estrada no qual a direção de sua margem interna parece se inverter.

128 PARTE I Percepção visual e atenção

caminho futuro ou do ponto tangencial. O desempenho na condução era melhor (p. ex., em termos da posição na pista) quando era usada a estratégia do ponto tangencial.

Outra pesquisa indica que o ponto tangencial frequentemente não é importante. Wilkie e colaboradores (2010) instruíram os motoristas a dirigirem no centro da estrada, em direção ao lado externo ou ao lado interno da estrada. A direção do olhar dos moto- ristas foi fortemente influenciada por essas instruções. Em vez de olharem para o ponto tangencial, os motoristas se fixaram em onde queriam estar na estrada aproximadamente 1,36 s depois (estratégia do caminho futuro) (ver Fig. 4.3). Somente os participantes a quem foi dito para usarem a pista rápida (i.e., fazer a curva por dentro) focalizaram mais frequentemente o ponto tangencial.

Mars e Navarro (2012) também argumentaram contra a importância do ponto tan- gente. Os participantes em seu estudo, de um modo geral, olhavam para um ponto a apro- ximadamente 48 cm de distância do ponto tangencial na direção do centro da estrada. Isso correspondia aproximadamente ao ponto por onde passaria a roda interna do carro.

Kountouriotis e colaboradores (2012) reportaram achados adicionais contra a hi- pótese do ponto tangencial. Segundo essa hipótese, deve ser muito difícil usar infor- mações do ponto tangencial quando a margem interna da estrada está degradada ou foi removida. De fato, no entanto, o direcionamento ainda assim era efetivo sob tais condi- ções. De acordo com a hipótese, degradar ou remover a margem externa da estrada não deveria prejudicar o direcionamento, porque os motoristas não precisam se fixar naquela

Viés (m) 1,5 0,75 Olhar (b) Direção 0 –0,75 –1,5

Externa Centro Interna Posição na estrada Horizonte Olhar ativo (a) Caminho futuro Marg em exter na Ma rg em int erna Ponto tangencial Zona 1-2 s à frente Figura 4.3

Características visuais de uma estrada vista em perspectiva. O ponto tangencial é marcado pelo círculo preenchido na margem interna da estrada, e o caminho futuro desejado é re- presentado pela linha pontilhada. Segundo a teoria do caminho futuro, os motoristas devem olhar ao longo da linha marcada como “olhar ativo”.

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 129

margem para usar informações do ponto tangencial. No entanto, o direcionamento era prejudicado sob tais condições. Em geral, os motoristas se fixavam em pontos na estrada sobre os quais pretendiam passar.

Como podemos compreender os achados aparentemente contraditórios? Lappi e colaboradores (2013) defenderam que os motoristas se fixam no ponto tangencial quan- do se aproximam e entram em uma curva, mas se fixam no caminho futuro mais além da curva. Um exame detalhado dos dados do estudo de Land e Lee (1994) revelou pre- cisamente essa mudança no padrão das fixações quando os motoristas prosseguiam nas curvas. Lappi e colaboradores (2013) estudaram os movimentos oculares de motoristas enquanto dirigiam ao longo de uma curva prolongada de raio constante formada pela via de ligação até a rodovia. As fixações dos motoristas eram predominantemente no caminho à frente em vez de no ponto tangencial depois dos primeiros segundos (vídeos curtos dos movimentos oculares dos motoristas realizando essa tarefa podem ser encon- trados nas informações de apoio ao artigo em 10.1371/journal.pone.0068326).

Por que os motoristas têm tendência a mudar da fixação no ponto tangencial para fixação no caminho à frente enquanto fazem a curva? O ponto tangencial provê infor- mações relativamente precisas. Em consequência, os motoristas podem usá-lo quando existe máxima incerteza sobre a natureza precisa da curva (i.e., quando se aproximam e entram nela). Depois disso, os motoristas podem voltar o foco para o caminho futuro.

Avaliação

A visão de Gibson relativa à importância das informações do fluxo óptico tem sido merecidamente influente. Tais informações são em especial úteis quando os indivíduos podem avançar diretamente para seu objetivo em vez de seguirem um caminho curvo ou outro caminho indireto. De fato, as evidências sugerem que o fluxo óptico normalmente é a fonte de informação dominante que determina os julgamentos sobre o direcionamen- to. A noção de que os indivíduos após um caminho curvo fazem uso do ponto tangencial coincide com a abordagem de Gibson e recebeu algum apoio.

Quais são as limitações da abordagem de Gibson? Em primeiro lugar, os indivíduos que se movem diretamente em direção a um alvo fazem uso do tipo de informações igno- radas por Gibson. Exemplos incluem a disparidade binocular e o deslocamento retiniano dos objetos. Em segundo, o ponto tangencial é usado com relativamente pouca frequência quando os indivíduos se movem ao longo de um caminho curvo. Em geral, eles se fixam em pontos que se encontram ao longo do caminho futuro. Terceiro, em termos gerais, a abordagem de Gibson fornece uma explicação simplificada do direcionamento.