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James Gibson (1950, 1966, 1979) apresentou uma abordagem radical da percepção que foi, em grande, parte ignorada na época. A abordagem dominante até 30 anos atrás era de que a função central da percepção visual recaía em permitir identificar ou reconhecer objetos no mundo à nossa volta. Isso frequentemente envolve um pro- cessamento cognitivo extenso, o que inclui a relação das informações extraídas do ambiente visual com nosso conhecimento armazenado sobre os objetos (ver Cap. 3).

122 PARTE I Percepção visual e atenção

Gibson argumentou que essa abordagem tem relevância limitada à percepção visual no mundo real. A visão se desenvolveu durante a evolução para permitir que nossos ancestrais respondessem rapidamente ao ambiente (p. ex., para matar animais, evitar precipícios).

Esse autor defendeu que a percepção envolve “manter-se em contato com o am- biente” (1979, p. 239). Isso é suficiente para a maioria dos propósitos, porque as infor- mações disponíveis dos estímulos do ambiente são muito mais ricas do que se acreditava anteriormente. Podemos relacionar a perspectiva de Gibson com o sistema da visão para a ação de Milner e Goodale (1995, 2008) (ver Cap. 2). De acordo com as duas explica- ções teóricas, há uma íntima relação entre percepção e ação.

Gibson encarava sua abordagem teórica como uma abordagem ecológica. Ele en- fatizava que a percepção facilita as interações entre o indivíduo e seu ambiente. Mais especificamente, ele apresentou uma teoria direta da percepção:

Quando declaro que a percepção do ambiente é direta, quero dizer que ela não é mediada por imagens retinianas, imagens neurais ou imagens mentais. A per- cepção direta é a atividade de extrair informações do padrão de luz do ambiente. Chamo esse processo de captação da informação, que envolve [...] olhar em volta, circular e observar as coisas.

(Gibson, 1979, p. 174) Consideraremos brevemente as premissas teóricas de Gibson:

• O padrão de luz que alcança o olho é um arranjo óptico; ele contém todas as infor- mações visuais do ambiente que atingem o olho.

• O arranjo óptico proporciona informações não ambíguas ou invariantes sobre a configuração dos objetos. Essas informações chegam de muitas formas, incluindo gradientes de textura, padrões de fluxo óptico e affordance* (todos descritos a seguir).

Gibson preparou filmes de treinamento na Segunda Guerra Mundial descrevendo os problemas enfrentados pelos pilotos enquanto decolavam e aterrissavam. Que infor- mações os pilotos têm disponíveis enquanto realizam essas manobras? Existe um fluxo

óptico (Gibson, 1950) – as mudanças no padrão de luz que atingem um observador,

as quais são criadas quando ele se movimenta ou quando partes do ambiente visual se movimentam. Considere um piloto que se aproxima de uma pista de pouso. O ponto em cuja direção o piloto está se movendo (o foco de expansão) parece imóvel, com o resto do ambiente aparentemente se afastando desse ponto (ver Fig. 4.1). Quanto mais alguma parte da pista se distancia desse ponto, maior sua aparente velocidade de movimento.

Posteriormente, discutiremos melhor o fluxo óptico e o foco de expansão. Por en- quanto, trataremos de um estudo realizado por Wang e colaboradores. (2012). Eles simu- laram o padrão do fluxo óptico que seria experimentado se os participantes avançassem em um ambiente estacionário. A atenção foi atraída para o foco de expansão, mostrando, assim, sua importância psicológica.

Gibson (1966, 1979) defendeu que certas características de ordem mais elevada da matriz visual (invariantes) permanecem inalteradas quando os observadores se mo- vimentam por seu ambiente. O fato de permanecerem as mesmas em diferentes ângulos de visão torna as invariantes de particular importância. O foco de expansão (discutido anteriormente) é uma característica invariante do arranjo óptico.

*N. de T.: Affordance é um termo cunhado por Gibson cujo conceito implica uma possibilidade de ação dispo- nível no entorno de uma pessoa, independentemente da capacidade dessa pessoa de perceber tal possibilidade.

CONTEÚDO ON-LINE em inglês Weblink: Teoria de Gibson TERMOS-CHAVE Arranjo óptico

Padrão estrutural da luz que recai sobre a retina.

Fluxo óptico

Mudanças no padrão de luz que alcança um observador quando existe movimento do observador e/ou do ambiente.

Foco de expansão

Ponto em direção ao qual alguém em movimento está se movendo; ele não parece se mover, mas o ambiente visual à sua volta aparentemente se distancia dele.

Invariantes

Propriedades do arranjo óptico que permanecem constantes mesmo que outros aspectos variem; faz parte da teoria de Gibson.

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 123

Affordances

Como Gibson explica o papel do significado na percepção? Gibson (1979) declarou que os usos potenciais dos objetos (seus affordances) são diretamente perceptíveis. Por exemplo, uma escada “propicia” (affords) subir ou descer, e uma cadeira “propicia” sen- tar. O que Gibson tinha em mente era que “affordances são oportunidades para ação que existem no ambiente e não dependem da mente do animal [...], não causam o comporta- mento, mas simplesmente o tornam possível” (Withagen et al., 2012, p. 251).

A maioria dos objetos dá origem a mais de um affordance, com a influência de um affordance particular no comportamento, dependendo do estado psicológico atual do es- pectador. Assim, uma laranja pode ter o affordance de comestibilidade para uma pessoa com fome, mas para uma pessoa zangada pode servir de projétil.

O autor tinha pouco a dizer acerca dos processos envolvidos na aprendizagem de quais affordances irão satisfazer objetivos particulares. Entretanto, Gibson (1966, p. 51) acreditava que “Os sistemas perceptuais são claramente receptivos à aprendizagem. Se- ria esperado que um indivíduo, depois da prática, conseguisse se orientar com maior exatidão, ouvir com maior atenção [...] e observar de forma mais perceptiva do que conseguiria antes da prática.”

A noção de affordances de Gibson recebeu algum apoio. Di Stasi e Guardini (2007) solicitaram que os observadores julgassem o affordance de “escalabilidade” dos degraus de acordo com a variação da altura. A altura do degrau julgada como a mais “escalável” era a que teria envolvido um gasto mínimo de energia.

Gibson argumentou que os affordances de um objeto são percebidos diretamen- te. Pappas e Mack (2008) apresentaram imagens de objetos com rapidez tal que eles não eram percebidos de maneira consciente. No entanto, o principal affordance de cada objeto produzia o priming motor. Assim, por exemplo, a apresentação de um martelo provocava ativação nas áreas do cérebro envolvidas na preparação para usar um martelo.

Wilf e colaboradores (2013) focalizaram o affordance de manipulabilidade. Eles apresentaram aos participantes em cada ensaio uma gravura colorida de um objeto ma- nipulável ou um não manipulável (ver Fig. 4.2). Os participantes realizaram uma tarefa

TERMO-CHAVE

Affordances

Usos potenciais de um objeto, os quais Gibson acreditava serem percebidos diretamente.

Figura 4.1

Campo do fluxo óptico quando um piloto aterrissa, com o foco de expansão no meio.

Fonte: Gibson (1950). Wadsworth, uma parte do Cengage Learning, Inc. © 2014 American Psychologi- cal Association. Reproduzida com permissão.

CONTEÚDO ON-LINE

em inglês

Weblink:

124 PARTE I Percepção visual e atenção

com tempo de reação simples levantando o braço para realizar um movimento como se fosse alcançá-lo. O principal achado foi que ocorria um início mais rápido da atividade muscular para objetos manipuláveis do que para não manipuláveis. Assim, o affordance de manipulabilidade desencadeia atividade rápida no sistema motor.

Outros teóricos apresentaram ideias semelhantes à noção de affordances de Gib- son. Considere, por exemplo, a teoria da simulação de Barsalou (p. ex., 2009, 2012) (ver Cap. 7). Segundo essa teoria, o sistema motor geralmente está envolvido quando com- preendemos o significado de um conceito. Isso amplia a explicação de Gibson, porque Barsalou argumenta que os processos motores podem ser ativados apenas pela apresen- tação de uma palavra (p. ex., martelo) sem que o objeto em si esteja presente.

Avaliação

A abordagem ecológica da percepção tem se mostrado bem-sucedida de várias manei- ras. Em primeiro lugar, conforme assinalaram Bruce e Tadmor (2015): “O entendimento

Não

manipuláveis Manipuláveis

Não

manipuláveis Manipuláveis

Figura 4.2

Objetos manipuláveis e não manipuláveis que apresentam características assimétricas se- melhantes.

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 125

de Gibson de que as cenas naturais são o estímulo ecologicamente válido que deve ser usado para o estudo da visão foi de fundamental importância”.

Em segundo, e relacionado a esse ponto, Gibson discordou da ênfase prévia da pesquisa de laboratório tradicional com observadores estáticos que olhavam para apre- sentações visuais pobres. Em vez disso, ele defendia que as mudanças momento a mo- mento no arranjo óptico fornecem muitas informações úteis.

Em terceiro, Gibson estava muito à frente de seu tempo. Atualmente é aceito (p. ex., Milner & Goodale, 1995, 2008) que existem dois sistemas visuais, um sistema da visão para a percepção e um sistema da visão para a ação. Gibson sustentou que nosso sistema perceptual nos permite responder de forma rápida e com precisão aos estímulos do ambiente sem o uso da memória, e que essas são todas características do sistema da visão para a ação.

Quais são as limitações da abordagem de Gibson? Em primeiro lugar, os processos envolvidos na percepção são muito mais complicados do que foi sugerido por Gibson. Muitas dessas complexidades foram discutidas nos Capítulos 2 e 3.

Em segundo, o argumento de Gibson de que não precisamos pressupor a existên- cia de representações internas (p. ex., memórias do objeto) para entender a percepção é falho. A lógica de sua posição é que “existem invariantes que especificam o rosto de um amigo, um desempenho de Hamlet ou o naufrágio do Titanic, e nenhum conhecimento do amigo, da peça ou da história marítima é necessário para perceber essas coisas” (Bru- ce et al., 2003, p. 410).

Em terceiro, e relacionado ao segundo ponto, Gibson minimizou muito a impor- tância dos processos top-down (fundamentados em nosso conhecimento e nossas expec- tativas) na percepção visual. Conforme discutido no Capítulo 3, os processos top-down são especialmente importantes quando o input visual é pobre ou quando estamos obser- vando figuras ambíguas.

Em quarto, as opiniões de Gibson são simplificadas em excesso no que diz res- peito aos efeitos do movimento na percepção. Por exemplo, quando nos movemos em direção a um objetivo usamos muito mais fontes de informação do que ele presumia (ver discussão a seguir).