• Nenhum resultado encontrado

Considerações teóricas

Corbetta e Shulman (2011) discutiram a negligência no contexto de sua descrição dos dois sistemas de atenção visual (ver discussão anterior). Em essência, a rede de atenção ventral bottom-up geralmente é lesionada. No entanto, essa lesão também prejudica o funcionamento da rede de atenção dorsal direcionada para o objetivo, mesmo que ela

174 PARTE I Percepção visual e atenção

própria não esteja lesionada. As suposições de que a rede ventral está lesionada, mas a rede dorsal não, são apoiadas pela metanálise de Molenberghs e colaboradores (2012b), discutida anteriormente.

Como o sistema de atenção ventral lesionado prejudica o funcionamento da rede de atenção dorsal? As duas redes de atenção interagem e, portanto, a lesão na rede ven- tral inevitavelmente tem consequências na rede dorsal. Mais especificamente, uma lesão na rede de atenção ventral “prejudica funções não espaciais [em todo o campo visual], hipoativa o hemisfério direito [reduz a ativação] e desequilibra a atividade da rede de atenção dorsal” (Corbetta & Shulman, 2011, p. 592).

De Haan e colaboradores (2012) apresentaram uma teoria da extinção baseada em dois supostos principais:

1. “Extinção é uma consequência da competição com viés pela atenção entre o estí- mulo-alvo ipsilesional [campo direito] e contralesional [lado esquerdo]” (p. 1048).

2. Pacientes com extinção têm a capacidade atencional muito reduzida, portanto, com frequência somente um alvo pode ser detectado [o do campo direito].

Achados

Segundo Cobetta e Shulman (2011), geralmente, a rede de atenção dorsal em pacientes com negligência não é lesionada, mas funciona mal, em razão da ativação reduzida no hemisfério direito associada ao estado de alerta e a recursos atencionais reduzidos. Em decorrência disso, pacientes com negligência podem apresentar ênfase na habili- dade para detectar alvos visuais apresentados ao campo visual esquerdo caso tenham sido feitas tentativas de aumentar sua atenção geral. Robertson e colaboradores (1998) testaram essa previsão. Pacientes com negligência tomaram consciência do estímulo apresentado ao campo visual esquerdo meio segundo depois do que na apresentação de um estímulo ao campo visual direito. No entanto, essa evidência de negligência não estava mais presente quando eram apresentados avisos sonoros para aumentar o estado de alerta.

Evidências relacionadas indicam que pacientes com negligência têm recursos aten- cionais reduzidos (Bonato, 2012). Por exemplo, consideremos um estudo de Bonato e co- laboradores (2010). Eles examinaram a habilidade de pacientes com negligência para de- tectar alvos no campo visual esquerdo. Algumas vezes, isso foi feito ao mesmo tempo em que era realizada outra tarefa que demandava atenção. Os participantes sadios realizaram essa tarefa quase perfeitamente, com ou sem a tarefa adicional. Todavia, a habilidade dos pacientes com negligência para detectar os alvos era acentuadamente pior na presença da tarefa adicional. Esse resultado está em consonância com o que foi previsto no pressupos- to de que pacientes com negligência têm recursos atencionais limitados.

Corbetta e Shulman (2011) presumem que pacientes com negligência têm uma rede de atenção dorsal essencialmente intacta, mas recursos atencionais reduzidos. O que ocorre é que esses pacientes podem utilizar essa rede de forma relativamente efetiva, desde que sejam seguidos os passos necessários para facilitar seu uso. Duncan e colaboradores (1999) apresentaram de modo rápido uma série de letras e pediram que pacientes com negligência recordassem todas elas ou apenas aquelas de uma cor previamente especificada. A rede de atenção dorsal pôde ser usada somente nesta última condição. Conforme esperado, a recordação das letras apresentadas no lado esquerdo do campo visual era muito pior do que a das letras apresentadas no lado direito, quando todas as letras deveriam ser lembradas. No entanto, os pacientes com negligência tinham resultados semelhantes aos de controles sadios ao lembrarem-se das letras apresentadas a cada lado do espaço visual quando elas eram definidas pela cor.

Normalmente, as duas redes de atenção trabalham em estreita colaboração. Esse tema foi abordado por Bays e colaboradores (2010), que estudaram pacientes com negli-

CAPÍTULO 5 Atenção e desempenho 175

gência e lesão no córtex parietal posterior. Eles usaram os movimentos oculares durante a busca visual para avaliar os problemas dos pacientes com os processos top-down e bottom-up. Ambos os tipos de processos atencionais estavam igualmente prejudicados (conforme previsto por Corbetta e Shulman, 2011). Mais importante ainda, havia uma correlação notavelmente alta, de +0,98, entre esses dois tipos de déficit atencional.

Passemos agora à pesquisa de pacientes com extinção. Segundo de Haan e colabo- radores (2012), um fator importante que produz a extinção é a competição com viés entre os estímulos. Se dois estímulos podem ser integrados, isso pode minimizar a competição e, assim, reduzir a extinção. Riddoch e colaboradores (2006) testaram essa previsão apre- sentando objetos que frequentemente são usados juntos (p. ex., garrafa de vinho e taça de vinho) ou nunca (p. ex., garrafa de vinho e bola). Os pacientes com extinção identifica- ram ambos os objetos mais frequentemente na primeira condição do que na última (65 vs. 40%, respectivamente). Assim, pacientes com extinção conseguem reduzir essa condição quando dois estímulos podem ser combinados, em vez de competirem entre si.

Há outras formas de testar a hipótese da competição com viés. Por exemplo, po- deríamos danificar os processos atencionais no hemisfério esquerdo intacto aplicando a ele TMS (ver Glossário). Isso reduziria a competição do hemisfério esquerdo e, assim, produziria taxas mais baixas de extinção. Os achados são heterogêneos, mas alguns são compatíveis com essa previsão (Olivieri & Caltagirone, 2006).

De Haan e colaboradores (2012) também identificaram a capacidade atencional re- duzida como um fator que causa extinção. Em um estudo discutido anteriormente, Bonato e colaboradores (2010) estudaram a extinção com e sem a adição de uma segunda tarefa que demande atenção em pacientes com extinção. Conforme previsto, houve um aumento substancial na taxa de extinção (de 18% para mais de 80%) com essa tarefa adicional.