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ORGANIZAÇÃO PERCEPTUAL

Provavelmente, seria muito fácil definir quais partes da informação visual disponí- vel estão interligadas e, portanto, formam os objetos se eles estiverem espalhados no espaço. Em vez disso, o ambiente visual é frequentemente complexo e confuso, com muitos objetos se sobrepondo a outros ou ocultando partes suas de nosso campo de vi- são. Em consequência, pode ser difícil obter uma discriminação perceptual dos objetos visuais.

A primeira tentativa sistemática de estudar essas questões foi feita pelos gestaltis- tas. Estes eram psicólogos alemães (incluindo Koffka, Köhler e Wertheimer) que emi- graram para os Estados Unidos entre as duas grandes guerras. O princípio fundamental dos gestaltistas era a lei de Prägnanz, de acordo com a qual normalmente percebemos a organização mais simples possível do campo visual.

A maioria das outras leis dos gestaltistas pode ser incluída na lei de Prägnanz. A Figura 3.3(a) ilustra a lei da proximidade, de acordo com a qual elementos visuais próximos no espaço tendem a ser agrupados. A Figura 3.3(b) mostra a lei da similarida- de, de acordo com a qual elementos similares tendem a ser agrupados.

Podemos ver duas linhas se cruzando na Figura 3.3(c) porque, de acordo com a lei da boa continuidade, agrupamos aqueles elementos que requerem as menores mudanças

TERMO-CHAVE Lei de Prägnanz

Noção de que é percebida a organização mais simples possível do ambiente visual; proposta pelos gestaltistas. CONTEÚDO ON-LINE em inglês Weblink: Leis da Gestalt de organização perceptual Weblink:

Artigo de Max Wertheimer

(a) (b)

(c) (d)

Figura 3.3

Exemplos das leis da Gestalt da organização perceptual: (a) a lei da proximidade; (b) a lei da similaridade; (c) a lei da boa continuidade; e (d) a lei do fechamento.

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ou interrupções em linhas retas ou levemente curvas. Finalmente, a Figura 3.3(d) ilustra a lei do fechamento: as partes que faltam em uma figura são preenchidas para completar a figura (nesse caso, um círculo).

Conforme Wagemans e colaboradores (2012a) assinalaram, é fácil ignorar esse grupo de princípios como “meras curiosidades de um livro didático”. No entanto, os vários princípios agrupados “permeiam praticamente todas as experiências perceptuais, porque determinam os objetos e as partes que as pessoas percebem em seu ambiente” (Wagemans et al., 2012a, p. 1180).

Os gestaltistas enfatizaram a importância da discriminação figura-fundo na per- cepção. Uma parte do campo visual é identificada como a figura, e o restante é tratado como menos importante e, assim, forma o fundo.

De acordo com os gestaltistas, a figura é percebida como tendo uma forma distinta, enquanto o fundo carece de forma. Além disso, a figura é percebida como localizada na frente do fundo, e o contorno que separa a figura do fundo é visto como pertencente à figura. Você pode checar a validade dessas afirmações olhando para a ilusão das faces- -cálice (ver Fig. 3.4). Quando o cálice é percebido como a figura, ele parece estar na frente de um fundo escuro. As faces estão na frente de um fundo claro quando formam a figura.

Vários fatores determinam que região é identificada como a figura e qual é identi- ficada como o fundo. As regiões que são convexas (curvadas para fora), pequenas, cer- cadas e simétricas mais provavelmente serão percebidas como a figura do que as regiões que não têm essas características (Wagemans et al., 2012a). Por exemplo, Fowlkes e colaboradores (2007) estudaram inúmeras imagens naturais sobre as quais os observa- dores tomavam decisões do tipo figura-fundo. As regiões das figuras tendiam a ser me- nores e mais convexas do que as regiões do fundo. De modo geral, os achados indicam que as pistas enfatizadas pelos gestaltistas são, de fato, importantes na atribuição da figura-fundo.

Achados

A abordagem dos gestaltistas era limitada, uma vez que eles estudaram preponderan- temente figuras artificiais, sendo importante verificar se seus achados se aplicam a estímulos mais realistas. Geisler e colaboradores (2001) usaram figuras para estudar em detalhes os contornos de flores, um rio, etc. O contorno dos objetos pode ser iden- TERMO-CHAVE

Discriminação figura-fundo

A organização perceptual do campo visual em uma figura (objeto de interesse central) e um fundo (menos importante).

Figura 3.4

Um desenho ambíguo que pode ser visto como faces ou como um cálice.

CONTEÚDO ON-LINE

em inglês

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CAPÍTULO 3 Reconhecimento de objetos e faces 87

tificado muito bem com o uso de dois princípios diferentes daqueles enfatizados pelos gestaltistas:

1. Segmentos adjacentes de um contorno têm, em geral, orientações muito similares.

2. Segmentos de um contorno que estão mais afastados têm, em geral, orientações um pouco diferentes.

Geisler e colaboradores (2001) apresentaram aos observadores dois padrões complexos ao mesmo tempo, e os observadores deveriam decidir qual dos padrões continha um contorno sinuoso. O desempenho na tarefa foi previsto com boa exatidão a partir dos dois princípios fundamentais descritos anteriormente. Esses achados sugerem que usamos nosso conheci- mento amplo dos objetos reais quando tomamos decisões sobre os contornos.

Elder e Goldberg (2002) analisaram a estatística dos contornos naturais e obtive- ram achados em grande parte compatíveis com as leis da Gestalt. A proximidade era uma pista muito forte quando se decidia quais contornos pertenciam a quais objetos. Além disso, houve uma pequena contribuição da similaridade e da continuidade.

De acordo com os gestaltistas, o agrupamento perceptual é inato ou intrínseco ao cérebro, e, dessa forma, a aprendizagem baseada em experiências passadas é negligen- ciada. Bhatt e Quinn (2011) revisaram a literatura sobre o agrupamento perceptual em bebês. O achado de que bebês com 3 ou 4 meses de idade mostram agrupamento por continuidade, proximidade e conectividade parece compatível com a posição da Gestalt. No entanto, outros princípios de agrupamento (p. ex., fechamento) eram usados somente mais tarde na infância. Além disso, os bebês com frequência faziam uso aumentado de princípios de agrupamento por um período de meses. De modo geral, esses achados indi- cam que a aprendizagem desempenha um papel importante no agrupamento perceptual. Palmer e Rock (1994) propuseram um novo princípio denominado conectividade

uniforme não descoberto pelos gestaltistas. De acordo com esse princípio, uma região

conectada que tenha propriedades visuais uniformes (p. ex., contorno, textura, claridade) tende a ser organizada como uma unidade perceptual única. Palmer e Rock identificaram que o agrupamento por conectividade uniforme predominava sobre a proximidade e a simi- laridade quando esses princípios de agrupamento estavam em conflito. Han e Humphreys (2003) encontraram que o comportamento por conectividade uniforme era mais rápido do que o agrupamento por proximidade apenas quando vários objetos estavam presentes, su- gerindo que ele é especialmente importante quando são apresentados vários objetos aos observadores.

De acordo com os gestaltistas, a discriminação figura-fundo ocorre rapidamente e, portanto não deve ser influenciada por processos de atenção. Evidências contrárias fo- ram reportadas por Vecera e colaboradores (2004). Foram mostradas aos observadores duas regiões adjacentes e uma pista visual (um pequeno retângulo foi apresentado a uma das regiões para manipular a atenção). O achado principal foi que independentemente da região que recebia atenção, ela tendia a ser percebida como a figura. Portanto, a atenção pode influenciar o processo de discriminação figura-fundo. Entretanto, Kimchi e Peterson (2008) constataram que o processamento figura-fundo podia ocorrer na ausência de aten- ção quando os estímulos eram relativamente simples.

Os gestaltistas pressupunham que a discriminação figura-fundo é inata e não de- pende de experiência passada ou de aprendizagem. Evidências contrárias foram rela- tadas por Barense e colaboradores (2012). Participantes que sofriam de amnésia (ver Glossário) e controles sadios foram apresentados a vários estímulos, alguns dos quais continham partes de objetos bem-conhecidos (ver Fig. 3.5). Em outros estímulos, as partes dos objetos foram reordenadas. A tarefa era indicar qual região de cada estímulo era a figura.

Os controles sadios identificaram as regiões que continham objetos familiares como figura com maior frequência do que aqueles que continham partes reordenadas. Todavia, os pacientes amnésicos (que tinham dificuldade na identificação dos objetos

TERMO-CHAVE Conectividade uniforme

Noção de que regiões adjacentes no ambiente visual que têm

propriedades visuais uniformes (p. ex., cor) são percebidas como uma unidade perceptual única.

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apresentados) não exibiram diferença entre os dois tipos de estímulos. Portanto, a discriminação figura-fundo não depende apenas de características básicas como convexi- dade, simetria e proximidade, mas depende também da experiência passada em termos de familiaridade do obje- to, e por isso não é totalmente inata.

Os gestaltistas enfatizavam a importância de “ter” uma borda na determinação do que é a figura e o que é o fundo. Pesquisas neurofisiológicas relativamente re- centes revelaram ligações diretas entre a discriminação figura-fundo e as respostas de inúmeros neurônios no córtex visual inicial (Layton et al., 2012). Esses neurô- nios relacionados à posse de uma borda são importantes, porque parecem prover informações de alto nível sobre a figura e o fundo.

Avaliação

Quais são os pontos fortes da abordagem da Gestalt? Em primeiro lugar, os gestaltistas se concentraram nas ques- tões principais – é de importância fundamental entender os processos subjacentes à organização perceptual. Em segundo, quase todas as leis de agrupamento que eles propuseram (assim como a noção de discriminação figu- ra-fundo) resistiram ao teste do tempo. A maioria delas é aplicável a cenas tridimensionais complexas do mundo real, bem como a desenhos bidimensionais. Em terceiro, a noção de que os observadores percebem a organização mais simples possível do am- biente visual (consagrada na lei de Prägnanz) se revelou proveitosa. Desenvolvimentos teóricos recentes sugerem que o esforço pela simplicidade pode ser de importância cen- tral na percepção correta (Wagemans et al., 2012b).

Quais são as limitações da abordagem da Gestalt? Em primeiro lugar, os gestaltistas retiraram em grande parte a ênfase na importância da experiência passada e da aprendiza- gem na determinação do agrupamento perceptual e da discriminação figura-fundo. Eles praticamente ignoraram até que ponto a organização perceptual depende do conhecimento que os observadores têm das regularidades ambientais. Como assinalaram Wagemans e colaboradores (2012b, p. 1229), os gestaltistas “focaram quase exclusivamente os proces- sos intrínsecos ao organismo percebido [...]. O ambiente em si não interessava [a eles].”

Em segundo lugar, os gestaltistas produziram, sobretudo, descrições de fenômenos perceptuais importantes, mas não ofereceram explicações adequadas. A lei de Prägnanz oferecia uma explicação potencialmente forte, mas os gestaltistas não a desenvolveram. Diversas explicações teóricas importantes dos fenômenos da Gestalt foram propostas por teóricos mais recentes (Wagemans et al., 2012b). Por exemplo, existe a abordagem baye- siana (Kersten et al., 2004). Essa abordagem “implica uma estimativa racional da estrutura da cena que combine a adequação dos dados de imagem disponíveis com o modelo mental do observador (conhecimento anterior, contexto, etc.)” (Wagermans et al., 2012b, p. 1233).

Um aspecto essencial da abordagem bayesiana é que os observadores respondem a regularidades estatísticas no mundo. Assim, por exemplo, aprendemos até que ponto elementos visuais que estão próximos e/ou são similares pertencem ao mesmo objeto. Além disso, a abordagem bayesiana pressupõe que usamos nosso conhecimento de pa- drões e objetos quando fazemos a discriminação figura-fundo.

Em terceiro lugar, quase todas as evidências que os gestaltistas apresentaram para seus princípios de organização perceptual foram baseadas em desenhos bidimensionais.

Estímulos experimentais: Configurações familiares intactas

Estímulos-controle: Novas configurações parcialmente reordenadas

Figura 3.5

A fileira superior mostra formas familiares intactas (da esquer- da para a direita: um violão, uma mulher em pé, um abajur). A fileira inferior mostra os mesmos objetos, mas com as partes reordenadas. A tarefa era decidir qual região em cada estímu- lo era a figura.

Fonte: Barense e colaboradores (2012). Reimpressa com permissão da Oxford University Press.

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Embora a maior parte desses princípios também se aplique a cenas do mundo real, estas cenas estão frequentemente muito misturadas com partes importantes de objetos escon- didos ou ocluídos. Assim, a percepção de cenas do mundo real é geralmente muito mais complexa do que a percepção de desenhos bidimensionais.

Em quarto lugar, os gestaltistas não descobriram todos os princípios da organi- zação perceptual. Já vimos que a conectividade uniforme é um exemplo, mas existem vários outros (Wagemans et al., 2012a). Um deles é o destino comum generalizado (p. ex., quando elementos de uma cena visual se tornam mais claros ou mais escuros juntos, eles tendem a ser agrupados).

Em quinto lugar, a abordagem dos gestaltistas era muito inflexível. Eles não re- conhecem que o agrupamento perceptual e a discriminação figura-fundo dependem de interações complexas entre processos básicos (e possivelmente inatos) e da experiência passada. Eles também não identificaram que o agrupamento perceptual e a discrimina- ção figura-fundo podem ocorrer no começo do processamento ou mais tarde, dependen- do da natureza dos estímulos e da tarefa.