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O que causa cegueira à mudança?

Não há uma resposta única (ou simples) à pergunta: “O que causa cegueira à mudan- ça?”. A principal razão é que (como acabamos de ver) a detecção da mudança requer a realização com sucesso de cinco diferentes processos.

A cegueira à mudança frequentemente depende de processos de atenção. Em geral, prestamos atenção a regiões de uma cena que mais provavelmente contém in- formações interessantes ou importantes. Identifique a diferença entre as imagens na Figura 4.12. Os observadores levam um tempo médio de 10,4 s para fazer isso com o primeiro par de imagens, mas só 2,6 s com o segundo par (Rensink et al., 1997). A altura do corrimão é de interesse marginal, enquanto a posição do helicóptero é de interesse central.

Hollingworth e Henderson (2002) estudaram o papel da atenção na cegueira à mudança. Eles registraram os movimentos dos olhos enquanto observadores olhavam para uma cena visual (p. ex., cozinha, sala de estar) por vários segundos. Considerou-se

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que o objeto fixado em determinado momento estava recebendo atenção. Dois tipos de mudanças poderiam ocorrer em cada cena visual:

1. Mudança do tipo – em que o objeto era substituído por um objeto de uma categoria diferente (p. ex., um prato foi substituído por uma travessa).

2. Mudança do símbolo – em que um objeto era substituído por um objeto da mesma categoria (p. ex., um prato foi substituído por um prato diferente).

O que Hollingworth e Henderson (2002) encontraram? Em primeiro lugar, a de- tecção da mudança era muito maior quando o objeto modificado havia sido fixado antes da mudança (ver Fig. 4.13a). Houve muito poucas evidências de que os observadores conseguiram detectar com precisão mudança em objetos não fixados antes da mudança.

Em segundo, houve cegueira à mudança em 60% dos objetos fixados antes de te- rem sido mudados. Assim, prestar atenção ao objeto que seria modificado era necessário (mas não suficiente) para detecção da mudança.

(b) Mudança no interesse central (CI) (a) Mudança no interesse marginal (MI)

Figura 4.12

(a) O objeto que é mudado (o corrimão) passa por uma alteração na localização comparável à do objeto que é modificado (o helicóptero) em (b). Entretanto, a mudança é muito mais fácil de ver em (b) porque o objeto que mudou é mais importante.

Fonte: Rensink e colaboradores (1997). Copyright © 1997 por SAGE. Reimpressa com permissão de SAGE Publications.

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 147

Em terceiro, Hollingworth e Henderson (2002) estudaram o destino dos objetos fi- xados algum tempo antes de serem mudados. O número de fixações em outros objetos ocorrendo depois da última fixação no objeto a ser mudado não teve efeito sistemático na detecção da mudança (ver Fig. 4.13b). Por conseguinte, as representações visuais dos objetos duram algum tempo depois de receberem atenção.

Em quarto, a detecção da mudança foi muito melhor quando houve uma mudança no tipo de objeto do que quando foi meramente trocado um objeto por outro de uma mesma categoria (mudança do símbolo) (ver Fig. 4.13b). Isso faz sentido, uma vez que mudanças no tipo são mais profundas e óbvias.

Os observadores que apresentam cegueira à mudança se lembram do objeto mu- dado? Busch (2013) aplicou um teste de memória de reconhecimento nos participantes que apresentavam cegueira à mudança ou à detecção da mudança. Mesmo aqueles que apresentavam cegueira à mudança manifestaram alguma memória para objetos pré-mu- dança e pós-mudança. Isso significa que o objeto mudado foi processado até certo ponto mesmo na ausência de detecção da mudança.

Pode ocorrer cegueira à mudança porque os observadores não conseguem compa- rar as representações pré e pós-mudança da exibição visual. Evidências de que infor- mações úteis sobre a representação pré-mudança ainda podem estar disponíveis mesmo

60 50 40 30 20 10 0 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 1 2 3 4 5 6 9+ Mudança do tipo Mudança do símbolo Fixação antes da mudança Fixação depois da mudança

Controle sem mudança (índice de alarme falso) (a) Índices globais de detecção da mudança

(b) Índices de detecção da mudança quando o alvo é fixado antes da mudança Mudança do tipo Mudança do símbolo

Número de fixações entre a fixação do alvo e

a mudança do alvo

Figura 4.13

(a) Porcentagem de detecção correta da mudança como uma função da forma de mudança (tipo vs. símbolo) e do momento da fixação (antes vs. depois da mudança); também o índi- ce de alarme falso quando não havia mudança. (b) Porcentagem média de detecção correta da mudança como uma função do número de fixações entre a fixação do alvo e a mudança (tipo vs. símbolo).

Fonte: Hollingworth e Henderson (2002). Copyright © 2002 American Psychological Association. Re- produzida com permissão.

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quando existe cegueira à mudança foram relatadas por Angelone e colaboradores (2003). Em um experimento, os observadores assistiram a um videoclipe no qual a identidade do ator central mudava. Isso foi seguido por fotografias de quatro indivíduos, um dos quais era o ator pré-mudança.

Angelone e colaboradores (2003) compararam o desempenho em uma tarefa line- -up de observadores que detectaram ou não detectaram que a identidade do ator havia mudado. Aqueles que apresentaram cegueira à mudança tiveram um desempenho tão bom quanto aqueles que apresentaram detecção da mudança (53 vs. 46%, respectivamente).

Varakin e colaboradores (2007) ampliaram a pesquisa anterior em um estudo no mundo real em que uma pasta de arquivo era trocada por uma diferente de cor branca enquanto os olhos dos participantes estavam fechados. No entanto, alguns participantes que apresentavam cegueira à mudança se lembravam da cor das pastas pré e pós-mudan- ça e, assim, falharam em comparar as duas cores. Outros participantes que apresentavam cegueira à mudança tinham pouca memória para as cores pré e pós-mudança e, assim, falharam em representar essas duas informações na memória.

Landman e colaboradores (2003) argumentaram que, inicialmente, formamos representações detalhadas das cenas visuais. No entanto, essas representações decaem rapidamente ou são substituídas por estímulos subsequentes. Foi apresentado aos obser- vadores um conjunto de oito retângulos (alguns horizontais e alguns verticais) seguidos 1.600 ms depois por um segundo conjunto de oito retângulos. A tarefa era decidir se algum dos retângulos havia mudado a orientação.

Houve pouca cegueira à mudança desde que a atenção dos observadores fosse direcionada para o retângulo que poderia mudar dentro de 900 ms da apresentação do primeiro conjunto. Landman e colaboradores (2003) concluíram que podemos ter acesso a informações bastante detalhadas sobre a cena visual atual por quase 1 s. No entanto, é importante que o que percebemos atualmente não seja perturbado pelo que percebemos a seguir. Essa perturbação ocorre quando há substituição da cena anterior pela atual. Uma consequência dessa substituição é que frequentemente exibimos ce- gueira à mudança.

Busch e colaboradores (2009) defenderam que devemos distinguir dois tipos de detecção de mudança: (1) perceber que houve uma mudança sem o conhecimento cons- ciente de qual objeto mudou; e (2) ver o objeto que mudou. Busch e colaboradores usa- ram potenciais relacionados a evento (ERPs; ver Glossário). Os componentes do ERP relacionados à atenção seletiva e ao processamento consciente das mudanças visuais foram associados a ver, mas não a perceber. Muitas pesquisas são problemáticas em razão de uma falha em distinguir claramente entre perceber e ver.

Howe e Webb (2014) argumentaram que perceber frequentemente ocorre quando os observadores detectam uma mudança global em uma cena visual. Foi apresentado aos observadores um conjunto de 30 discos (15 vermelhos e 15 verdes). Em alguns ensaios, três discos da mesma cor mudaram de vermelho para verde ou vice-versa. Em 24% dos ensaios, os observadores detectaram que o conjunto havia mudado sem que fossem capazes de identificar os discos que haviam mudado. Assim, houve com frequência a percepção da mudança global sem que fossem vistos os objetos que haviam mudado.

Finalmente, Fischer e Whitney (2014) propuseram uma nova abordagem teórica que pode ajudar a compreender melhor a cegueira à mudança. Eles argumentaram que a precisão perceptual é sacrificada até certo ponto para que possamos ter uma percepção contínua e estável de nosso ambiente visual. Os observadores relataram a orientação percebida de grades brancas e pretas apresentadas com vários segundos de diferença. O principal achado foi que a orientação percebida de uma grade foi tendenciosa na di- reção da grade prévia mesmo quando ela havia sido apresentada 10 s antes. A ênfase do sistema visual na estabilidade perceptual pode inibir nossa habilidade de detectar mudanças dentro da cena visual.

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 149

NO MUNDO REAL: É MÁGICA!

Os mágicos se beneficiaram ao longo dos anos com os fenômenos da cegueira à mu- dança e cegueira por desatenção (Kuhn & Martinez, 2012). Muitas pessoas acham que os mágicos nos enganam, porque a mão é mais rápida do que os olhos. Em geral, essa não é a razão principal. A maioria dos truques de mágica envolve um desvio, cujo propósito “é disfarçar o método e, assim, impedir que a plateia o detecte enquanto ainda está vivenciando o efeito” (Kuhn & Marinez, 2012, p. 2).

Muitas pessoas acreditam que o desvio implica que o mágico manipule a aten- ção da plateia para longe de alguma ação fundamental para o sucesso do truque. Com frequência, isso procede, mas a realidade é, algumas vezes, mais complexa. Kuhn e Findlay (2010) estudaram a cegueira por desatenção usando um truque que envolve o desaparecimento de um isqueiro, apresentado em um vídeo (ver Fig. 4.14). O mágico segura um isqueiro com a mão esquerda e o acende. Ele então finge que leva a chama com a mão direita enquanto olha para a mão. Quando revela que sua mão direita está vazia, ele deixa o isqueiro em sua mão esquerda cair no colo em plena visualização.

Kuhn e Findlay (2010) obtiveram três achados principais. Primeiro, dos parti- cipantes que detectaram a queda, 31% estavam fixando de perto a mão esquerda quando o isqueiro caiu. No entanto, 69% estavam fixando a alguma distância e, as- sim, detectaram a queda na visão periférica (ver Fig. 4.15). A distância média entre a fixação e a queda foi a mesma naqueles que detectaram a queda na visão periférica e naqueles que não a detectaram. Terceiro, o tempo necessário após a queda para fixar na mão esquerda foi muito menor nos participantes que usaram a visão periférica para detectar a queda do que os que não conseguiram detectá-la (650 vs. 1.712 ms).

O que esses achados significam? A queda do isqueiro pode ser detectada pela atenção aberta (atenção direcionada para o ponto de fixação) ou pela atenção enco- berta (atenção direcionada para longe do ponto de fixação). A atenção encoberta foi efetiva de modo surpreendente, porque o sistema visual humano consegue detectar prontamente um movimento na visão periférica (ver Cap. 2).

Figura 4.14

Sequência de eventos no truque de desaparecimento do isqueiro: (a) o mágico segura um isqueiro com a mão esquerda e (b) o acende; (c) e (d) finge que pega a chama com a mão direita e (e) gradualmente a afasta da mão que segura o isqueiro; (f) ele revela que sua mão direita está vazia, enquanto deixa o isqueiro cair no colo; (g) o mágico dirige seu olhar para a mão esquerda e (h) revela que essa mão também está vazia e que o isqueiro desapareceu.

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